Uma a cada 36 pessoas leva consigo o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A estimativa é do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) dos Estados Unidos, em pesquisa realizada no início de 2023. Com isso, estima-se que, atualmente, cerca de 6 milhões de habitantes tenham autismo, somente no Brasil. A condição é responsável por alterar funções do neurodesenvolvimento, podendo interferir na capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento.
Diante desse cenário, os parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo trabalham diariamente para aprimorar e criar novas leis que garantam os direitos dessa fatia significativa de indivíduos com o transtorno.
Um exemplo concreto do cuidado pode ser visto na Lei 17.158/2019, que acaba de completar 5 anos de vigência em território paulista. A norma instituiu a Política Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, que abriu portas para a produção de uma série de outras legislações e medidas favoráveis às pessoas com autismo.
Originada no Projeto de Lei 511/2017, de autoria do deputado Enio Tatto (PT), a política reconhece pontos essenciais sobre o autismo que, anos atrás, eram considerados incertos. A partir da sanção, os pacientes de TEA passaram a ser considerados pessoas com deficiência (PCDs), garantindo acesso a serviços de saúde imprescindíveis, como diagnóstico precoce, atendimento multiprofissional e terapia nutricional.
Pouco tempo depois, o Decreto nº 67.634/2023, que instaurou o Plano Estadual Integrado para Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (PEIPTEA), regulamentou um trecho desta Lei. A norma estabeleceu como responsabilidade da Secretaria Estadual da Educação disponibilizar ao estudante com autismo, quando necessário, profissionais para apoio à alimentação, higiene e locomoção nos ambientes escolares, assim como profissional para apoio às atividades letivas.
Diagnóstico e identificação
Um dos aspectos mais discutidos sobre o tratamento de pessoas autistas é a avaliação e emissão de diagnósticos da forma correta. A psicóloga diagnosticada com autismo e especializada em atendimentos de pessoas com o transtorno, Maria Matilde, conta que, mesmo com mais de 16 anos de experiência na área, precisa se atualizar constantemente e contar com o apoio de uma equipe de profissionais de saúde qualificados para atender adequadamente seus pacientes.
"Há uma troca muito verdadeira e simbiótica com meus pacientes no cotidiano. Por vezes, há pessoas do espectro em crises diárias, que precisam de contenções e apoio constante, criando uma grande exigência de atenção e de conhecimento", explica.
"Por mais discernimento que tenho sobre o tema, preciso muito do apoio da minha equipe para conseguir atender com a competência necessária. O próprio processo de diagnóstico pode revelar memórias perdidas no indivíduo, que geram autoidentificação e transformam a vida da pessoa em algo melhor", acrescenta Maria.
Buscando facilitar o trabalho dos profissionais e descomplicar os atendimentos e diagnósticos, a Alesp aprovou, recentemente, a Lei 17.669/2023, que trouxe o prazo de validade indeterminado para o laudo médico de TEA. Esse documento pode ser emitido por profissionais da rede pública ou privada de Saúde e, com a nova norma, não há mais data de validade, o que não fazia sentido diante de uma condição que acompanha o indivíduo durante toda a vida.
Outra medida aprovada no Parlamento com o intuito de otimizar o reconhecimento do transtorno é a Lei 17.651/2023, que estabelece a emissão gratuita da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA). Esse documento facilita o acesso a filas e atendimentos preferenciais no estado. Desde sua criação, o Governo do Estado já emitiu 70 mil carteiras para pessoas com autismo.
Cuidados especiais
Mesmo com a concretização de cada vez mais leis estaduais, ainda há margem para melhora. Esse é o pensamento da deputada Andrea Werner (PSB), diagnosticada com TEA, mãe de filho autista e autora da Lei 17.798/2023, a mais recente atualização da Política Estadual que completa cinco anos. "O que mais temos hoje é espaço para melhorar no SUS, desde o diagnóstico ao acesso a terapias, que também é muito difícil", exemplifica.
Justamente com a intenção de mitigar esses problemas, foi criada e aprovada pela Casa a Lei 17.744/2023, que autoriza o Poder Executivo a criar Centros de Referência e Atendimento Especializado às Pessoas com TEA. Nessas instalações públicas deverão ser realizados estudos e divulgação de informações e relatórios que envolvam a população autista. Além disso, a ideia envolve instruir as pessoas incluídas no espectro a respeito da utilização dos serviços públicos já existentes - como o SUS.
Da mesma forma, cabe aos centros promover: atendimento psicossocial; atendimento médico e agendamento de consultas; ações e programas de inclusão social e em modalidades esportivas; programas de informação social sobre o TEA; ações que integrem pessoas autistas e familiares na Educação e Saúde; atividades em conjunto com entidades que promovam a interação, recuperação e tratamento das pessoas com autismo em terapias com animais; fonoaudiologia; pediatria; fisioterapia; psicologia; e neurologia.
Segundo Maria Matilde, iniciativas como essa geram um horizonte promissor, no qual as pessoas autistas são tratadas de maneira adequada e integradas ao restante da sociedade sem complicações. "Por se tratar de uma condição atípica, os tratamentos psicológicos não podem ser iguais ao do restante da população. Investir na saúde mental, como foi feito por meio desta lei, pode gerar frutos excelentes na área da Saúde. Mas, infelizmente, não é em todo lugar do País que se vê essa preocupação", aponta a especialista.
Trabalho suprapartidário
Com a intenção de ampliar a discussão sobre o TEA e elaborar ainda mais propostas benéficas para pessoas autistas, também foi criada na Assembleia a Frente Parlamentar de Proteção às Pessoas com Transtorno do Espectro Autista. O bloco é composto por 24 parlamentares ao todo, sendo nove membros efetivos e 15 apoiadores.
O que falta?
A política de proteção aos autistas foi um marco na legislação estadual em São Paulo, capaz de inspirar outras importantes leis sobre o tema nos anos seguintes. No entanto, nem todas as demandas e lacunas foram preenchidas.
Na visão de Maria Matilde, o maior desafio que ainda persiste é o combate ao capacitismo e à desqualificação do transtorno como uma condição relevante. "A comercialização e publicidade dos atendimentos, usando a necessidade crescente das pessoas que estão descobrindo sua condição é um grande problema. Tudo isso respinga em quem faz um trabalho sério, porque gera desconfiança nos pacientes que foram mal atendidos no passado", ressalta a psicóloga.
Compactuando com essa realidade, Andrea Werner afirma receber, diariamente, dezenas de denúncias de famílias apontando violações de direitos básicos de autistas em diversos setores da sociedade. "Busco cobrar respostas ou pedir investigação às autoridades para que esse cenário mude logo. Foram quase 32 mil atendimentos, em um ano e meio de mandato na Alesp, dos quais derivaram mais de 4,7 mil denúncias. Acredito que a participação cidadã, apoiando nosso trabalho de fiscalização, pode ser um farol de mudanças positivas", projeta a deputada.