Dubladores se mobilizam contra uso de inteligência artificial generativa

As matérias da seção Atividade Parlamentar são de inteira responsabilidade dos parlamentares e de suas assessorias de imprensa. São devidamente assinadas e não refletem, necessariamente, a opinião institucional da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
18/06/2024 17:54 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

Compartilhar:

Carlos Giannazi em evento com dubladores<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2024/fg328482.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Marcada para acontecer nesta segunda-feira, 17/6, no plenário Dom Pedro 1º, a Audiência Pública em Defesa dos Dubladores e Dubladoras teve de ser transferida de última hora para o auditório Paulo Kobayashi, que, apesar de ser o maior da Alesp, não teve capacidade para acomodar sentados todos os participantes. A presença massiva foi de fãs dos dubladores e de jovens estudantes que pretendem seguir os passos de seus ídolos.

Apropriação e plágio

"Os profissionais e as empresas que atuam na área artística estão sob sério risco, e somente a regulamentação da inteligência artificial generativa vai trazer alguma segurança ao atual cenário", afirmou Fábio Azevedo (Fera, em A Bela e a Fera; Doutor Estranho, no Universo Cinematográfico Marvel*), presidente da Associação Paulista de Dubladores. Sua argumentação é a de que as ferramentas de IA cometem plágio ao se apropriarem de quantidades enormes de material autoral, que depois são usadas como base para as tarefas solicitadas.

"A IA não faz nada sozinha. Não pensa, não tem anseios, medos, insatisfações ou convicções. Tudo isso pertence a nós, seres humanos, e está sendo usado sem que nos seja dado nenhum tipo de remuneração." Segundo Azevedo, essa apropriação de conteúdo de terceiros é atualmente ilegal, mas pode vir a ser amparada por lei, já que alguns parlamentares têm apresentado emendas ao Projeto de Lei 2.338/2023 (proposto pelo senador Rodrigo Pacheco, do PSD-MG) com o objetivo de regulamentar a IA) para extinguir a necessidade de remunerar o criador.

Dublagem viva

Ângela Couto (Michonne, em The Walking Dead), vice-presidente da associação, falou do movimento nacional Dublagem Viva, que reúne dubladores, diretores de dublagem tradutores e técnicos do setor. Em um ano de existência, o movimento vem dialogando com políticos e representantes do governo, entre eles a Secretaria de Direitos Autorais do Ministério da Cultura, que endossa a inclusão das reivindicações da categoria no PL 2.338. A proposta é que a Secretaria de Direitos Autorais assuma a função de órgão gestor da IA no país, junto com a Advocacia-Geral da União.

Uma segunda frente de atuação foi a apresentação de um projeto de lei específico para o setor (PL 1.376/2022, do deputado federal Pedro Paulo, do PSD-RJ) com a finalidade de que todo produto audiovisual estrangeiro seja dublado em território nacional por artistas e empresas sediadas no Brasil. Entretanto, como esse projeto também restringe o uso de IA, ele está sofrendo grande resistência por parte da Motion Picture Association, que representa os cinco maiores estúdios dos Estados Unidos.

"Nosso principal objetivo é impedir que o acordo firmado com o SAG-Aftra (Screen Actors Guild - American Federation of Television and Radio Artists), que fala sobre o consentimento do uso de IA para verter as vozes dos colegas americanos para a língua portuguesa, acabe com a nossa profissão", afirmou Ângela.

Maria Cláudia Cardoso (Capitã Sarah Sharpe, em A Fera do Mar) chamou a atenção para outro ponto, que é a defesa do idioma português brasileiro. "A nossa língua possui tantas regionalidades neste país tão grande. Precisamos preservar isso na nossa cultura", enfatizou.

Roda da economia

"Nós estamos na linha de frente para levar a primeira paulada, mas atrás virão muitas outras profissões", vaticinou Angélica Santos (Cebolinha, em Turma da Mônica). Conforme a dubladora, há previsões de que em dez anos 60% das profissões atuais deixem de existir. "Como essas pessoas vão comer? Como os governos vão sustentar todas as pessoas que ficarão sem trabalho?", indagou.

Flora Paulita (Moegi Kazamatsuri, em Naruto) ressaltou que a luta pela dublagem brasileira não se restringe aos atores, aos diretores de dublagem, aos donos dos estúdios. "Quando falamos de dublagem viva não estamos falando só de dublagem, estamos falando das vidas de centenas de profissionais", disse, relatando toda uma cadeia de prestação de serviços que gira em torno dos estúdios.

Reserva de mercado?

Ricardo Vasconcelos (Major Partagaz, em Andor) disse que a categoria é acusada injustamente de pretender criar uma reserva de mercado. "Reserva de mercado acontece quando há algo produzido lá fora, mas queremos impor o consumo do que é produzido aqui. Agora eu pergunto: dá pra se produzir língua e cultura brasileira lá fora?", questionou.

Vasconcelos destacou também que a dublagem tem um papel importante de acessibilidade, pois no Brasil há 30 milhões de crianças de zero a nove anos que ou não sabem ler ou estão em processo de alfabetização. Além disso, a população brasileira é composta por 12% de analfabetos e 33% de analfabetos funcionais. "Se forem somados os deficientes visuais parciais e os idosos com perda de reflexos, são no mínimo 150 milhões de pessoas que consomem a dublagem como única forma de acesso a esses conteúdos", disse.

Concordando com Vasconcelos, Gilberto Baroli (Seu Barriga, em Chaves) relatou que muitos países exigem que a dublagem seja feita localmente, como o caso da França, que proibiu a distribuição de filmes vertido para o francês por empresas canadenses. "Deixem que nossos atores continuem fazendo o seu trabalho", apelou.

Encaminhamentos

Carlos Giannazi (PSOL), que presidiu a audiência, enumerou uma série de ações que vai realizar em conjunto com a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), que impulsionará as ações em Brasília. Isso inclui a solicitação de reuniões com a participação de representantes da categoria nos ministérios da Cultura e do Trabalho.

Na Câmara dos Deputados, Luciene vai promover uma audiência pública na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, da qual é membro titular. Já na Assembleia paulista, Carlos Giannazi vai apresentar um projeto de lei reconhecendo a dublagem como patrimônio imaterial do Estado de São Paulo.

Com relação aos projetos apresentados no Congresso Nacional - em especial o PL 1.376/2022, que ainda não foi aprovado por nenhuma comissão -, Giannazi explicou que sua tramitação acontece ou não conforme a mobilização que existe por detrás deles. "Quando não há mobilização, ou quando o deputado apresenta apenas por apresentar, para dizer que está fazendo alguma coisa, o projeto fica parado. Mas quando há mobilização, como a que vocês estão fazendo agora, aí o projeto começa a tramitar. No caso em questão, existe um lobby contrário, por isso temos de intensificar a nossa luta", disse Giannazi, destacando a importância da audiência pública que será realizada na Câmara dos Deputados.



*Confira a filmografia completa em Dublapédia (https://dublagem.fandom.com)

alesp