Brasileiros esquecidos - 70 anos da entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial
22/08/2012 19:35 | Antonio Sérgio Ribeiro*
Em virtude do impasse causado pela atitude da Argentina, foi adiada a votação da proposta de rompimento, enquanto se aguardava a resposta do presidente argentino. Para piorar as coisas, Castillo, que era um notório germanófilo, acabou desautorizando o seu ministro das Relações Exteriores em aprovar qualquer fórmula que contemplasse a resolução de rompimento com o Eixo. A oposição da Argentina, aliada ao Chile, à proposta norte americana acabou impedindo a unanimidade pretendida pelos Estados Unidos. A reunião interamericana encerrou-se aprovando apenas a recomendação de rompimento com os países do Eixo, com o intuito de preservar a unidade continental. No mesmo dia 28 de janeiro, sob aclamação popular, o governo brasileiro, através do ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha, oficializou o rompimento das relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, Itália e o Japão.
A decisão brasileira e a notícia que o país iria ceder aos norte americanos bases na região nordeste do país fez que o embaixador da Alemanha no Rio de Janeiro, Kurt Prufer, declarar que o Brasil estava em estado de guerra latente com o Eixo.
A retaliação do governo de Adolf Hitler não demorou e, na madrugada de 16 de fevereiro de 1942, a sanha assassina dos países do Eixo fez sua primeira vítima. O vapor Buarque do Lloyd Brasileiro que navegava no Caribe, próximo a Curaçao, com destino a Nova York, transportando 74 tripulantes e 11 passageiros, dentre eles três mulheres e uma criança, foi torpedeado duas vezes pelo submarino nazista U-432. O violento impacto, seguido de uma forte explosão, fez a embarcação afundar rapidamente, matando um dos ocupantes.
Dois dias depois, em 18, era torpedeado o navio Olinda, de propriedade da Carbonífera Rio-Grandense, fretado à Companhia Comércio e Navegação, nas proximidades de Norfolk, nos Estados Unidos, também pelo submarino nazista U-432. A embarcação brasileira foi abordada pelos corsários alemães, que examinaram os documentos e determinaram a evacuação dos seus 46 tripulantes, e foi colocada a pique com tiros de canhão.
Nesse período, entre 14 e 25 de fevereiro, quando navegava da Filadélfia, nos Estados Unidos, para o porto de Cabedelo, na Paraíba, o navio Cabedelo, do Lloyd Brasileiro, desapareceu misteriosamente, sem deixar vestígios, na largo das Antilhas, levando consigo os 54 homens de sua tripulação. Após o fim da guerra , descobriu-se que ele havia sido torpedeado pelo submarino italiano Leonardo Da Vinci.
Em 7 de março, o cargueiro Arabutan, de propriedade de Pedro Brando e arrendado para o Lloyd nacional, foi torpedeado e afundado ao largo da costa da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, pelo U-155, morrendo no ataque o enfermeiro de bordo e conseguindo se salvar os outros 50 tripulantes. Dois dias depois, o vapor Cairú, do Lloyd Brasileiro, foi atacado pelo submarino U-94 quando navegava ao largo de Nova York. Dos 75 tripulantes e 14 passageiros que estavam a bordo, perderam a vida 47 tripulantes e seis passageiros. Entre as vítimas estava o comandante da embarcação, o Capitão de Longo Curso José Moreira Pequeno. No dia do trabalho de 1942, seria afundado pelo U-162 o Parnaíba, do Lloyd Brasileiro, quando navegava próximo à Ilha de Trinidad & Tobago, no Caribe. Da sua tripulação de 72 homens, sete acabaram perecendo no ataque.
Ataques no Atlântico Sul
Em 18 de maio, houve o primeiro ataque nas águas do Atlântico Sul: o navio Comandante Lira, do Lloyd Brasileiro, com 52 tripulantes, foi atacado pelo submarino italiano Barbarigo, morrendo dois homens. A embarcação, apesar de ter sido torpedeada e depois atacada com tiros de canhão, não afundou. Lançado pelo rádio o SOS, a tripulação abandonou o navio, que acabou sendo socorrido pelo cruzador norte-americano Omaha, e depois rebocado até o porto de Fortaleza, no Ceará. Na semana seguinte, no dia 24, o navio Gonçalves Dias, do Lloyd Brasileiro, foi atacado pelo U-502 ao sul do Haiti, morrendo 6 tripulantes de uma totalidade de 52.
Em 1º de junho, foi torpedeado pelo U-156 o navio Alegrete, do Lloyd Brasileiro, quando navegava entre as Ilhas de Santa Lúcia e São Vicente, no Caribe, não fazendo vítimas. O Pedrinhas, pertencente a Companhia Cabotagem de Pernambuco, seria o próximo atacado e afundado nas costas de Porto Rico em 26 de junho, pelo submarino U-203, não fazendo nenhuma vítima dentre seus 48 tripulantes. Um mês depois, em 26 de julho, o Tamandaré, do Lloyd Brasileiro, foi afundado pelo U-66 nas proximidades da Ilha de Trinidad & Tobago, no Caribe, dos 52 tripulantes, quatro morreram.
O submarino alemão U-159, foi o responsável em 5 de junho pelo afundamento de dois navios brasileiros, um deles não identificado, e o outro o Paracuri, que navegavam em águas do Atlântico Norte.
No dia 28 de julho o navio Barbacena, do Lloyd Brasileiro, foi torpedeado e afundado também pelo U-66 nas proximidades de Port of Spain, no Caribe. Dos 62 ocupantes da embarcação, seis acabaram perecendo. Nesse mesmo dia o U-66, faria outra vítima: o Piave, do Lloyd Nacional, que navegava a 100 milhas de Barbados, no Caribe. Um tripulante, dos 35, acabou morrendo.
Mais vítimas
O mês de agosto de 1942 seria o mais trágico na história da marinha mercante brasileira: durante a guerra, nada menos que cinco navios foram torpedeados e afundados na costa brasileira, entre Sergipe e Bahia, pelo mesmo submarino nazista, o U-507, sob o comandado do capitão Harro Schacht. Em 72 horas, foram vitimadas 607 pessoas, entre tripulantes e passageiros, lamentando-se a morte de mulheres e crianças, inclusive de colo. Em 15 de agosto foram atacados dois navios de passageiros: o Baependi, do Lloyd Brasileiro, e o Araraquara, da Companhia Nacional de Navegação Costeira. No primeiro eram transportados 63 tripulantes e 233 passageiros, no naufrágio da embarcação morreram 55 tripulantes e 215 passageiros. Foi a maior tragédia em número de vítimas envolvendo um navio brasileiro. No segundo, foram vitimados fatalmente 66 tripulantes e 65 passageiros. Sobreviveram apenas oito tripulantes e três passageiros. No dia seguinte, 16, o navio Aníbal Benévolo, também do Lloyd Brasileiro, afundou matando 67 tripulantes de uma guarnição de 71 homens, e todos os 83 passageiros.
Em 17 de agosto, mais duas embarcações foram atacadas pelo submarino nazista U-507, o Itagiba, da Companhia Nacional de Navegação Costeira, e o cargueiro Arará, da Companhia Serras de Navegação Comercial. O navio da Costeira transportava 121 passageiros, incluindo soldados do 7º Grupo de Artilharia de Dorso, e tinha uma tripulação de 60 homens. Desses, 10 tripulantes e 26 passageiros morreram no ataque. A embarcação afundou em dez minutos. O Arará, quando socorria os náufragos do Itagiba, foi covardemente atacado pelo U-507, perecendo 20 dos 35 tripulantes.
O U-507 faria mais uma vítima no dia 19 de agosto: a barcaça Jacira foi afundada a tiros de canhão, a 10 milhas da barra de Itacaré, no sul da Bahia. Seus cinco tripulantes e o único passageiro conseguiram se salvar.
O merecido fim do U-507 ocorreu quando foi afundado no dia 13 de janeiro de 1943, no litoral do Ceará, por um avião Catalina norte-americano do Esquadrão VP-83, sediado na Base Aérea de Natal. Não houve sobreviventes de sua tripulação de 54 homens. Esse submarino, em seus 15 meses de operação, afundou e danificou 20 navios mercantes, totalizando 83.704 toneladas de arqueação afundadas.
Os ataques aos navios brasileiros em nossa costa provocaram indignação e revolta geral na população do país. Milhares de pessoas foram para as ruas de várias cidades para protestar contra os afundamentos e o ato covarde que resultou nas mortes de centenas de vítimas indefesas. No Rio de Janeiro ocorreram várias passeatas e comícios populares exigindo o revide por parte do governo federal. Instalações como bancos e empresas ligadas aos países do Eixo foram atacadas, e imigrantes e descendentes de alemães e italianos foram admoestados pela turba furiosa.
Passeata
Na tarde do dia 18 de agosto, uma multidão se dirigiu ao Palácio do Itamarati, sede do Ministério das Relações Exteriores, da sacada o prédio o ministro Osvaldo Aranha discursou para os manifestantes, e afirmou:
"A situação criada pela Alemanha, praticando atos de beligerância bárbaros e desumanos contra a nossa navegação pacífica e costeira, impõe uma reação à altura dos processos e métodos por eles empregados contra oficiais, soldados, mulheres, crianças e navios do Brasil. Posso assegurar aos brasileiros que me ouvem, como a todos os brasileiros, que, compelidos pela brutalidade da agressão, oporemos uma reação que há de servir de exemplo para os povos agressores e bárbaros, que violentam a civilização e a vida dos povos pacíficos."
O presidente Getúlio Vargas convocou uma reunião extraordinária em 22 de agosto de 1942, com todo o ministério. Estavam presentes Alexandre Marcondes Filho, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, e interinamente da Justiça e Negócios Interiores; Artur de Souza Costa, da Fazenda; general de divisão Eurico Gaspar Dutra, da Guerra; vice-almirante Henrique Aristides Guilhem, da Marinha; João de Mendonça Lima, da Viação e Obras Públicas; Osvaldo Aranha, das Relações Exteriores; Apolônio Sales, da Agricultura; Gustavo Capanema, da Educação e Saúde e Joaquim Pedro Salgado Filho, da Aeronáutica.
Ao término da reunião ministerial, o governo comunicou à Alemanha e a Itália que "ante o inegável ato de guerra contra o país, com o afundamento dos cinco navios na costa de Sergipe, foi criada uma situação de beligerância que somos forçados a reconhecer na defesa da nossa dignidade, da nossa soberania e da nossa segurança e da América". Dias depois, em 31 de agosto, o governo brasileiro baixou o Decreto 10.358 que declarou estado de guerra em todo o território nacional.
Os ataques continuam
Os vapores Lajes e Ozório foram afundados em 27 de setembro a 75 milhas da costa paraense, na altura da cidade de Salinas, pelo submarino U-514. Morreram no primeiro três dos 49 tripulantes. No segundo, dos 39 tripulantes, cinco pereceram no ataque, entre eles o comandante do navio Almiro Galdino de Carvalho.
No dia seguinte o Antonico, um pequeno barco de carga, foi atacado nas proximidades da costa da Guiana Francesa no Caribe pelo submarino U-516, vitimando 16 dos seus 40 tripulantes.
Ao largo da África do Sul, em 3 de novembro, o cargueiro Porto Alegre, da Companhia Carbonífera Rio-Grandense, foi torpedeado pelo U-504, matando um dos 47 tripulantes. Ainda em 22 do mesmo mês, quando o navio Apalóide, do Lloyd Nacional, navegava na costa de Cuba, foi atacado pelo submarino U-163, dos 57 tripulantes, cinco morreram.
Em 1943, iniciaram os ataques as embarcações brasileiras em nossas águas, em 18 de fevereiro o cargueiro Brasilóide, do Lloyd Nacional, foi afundado a 5 milhas do farol de Garcia D"Ávila, na Bahia, pelo submarino alemão U-518. Os 46 tripulantes e quatro passageiros salvaram-se. No mês seguinte, em 2 de março, o navio de passageiros Afonso Pena, do Lloyd Brasileiro, foi torpedeado pelo submarino italiano Barbarigo, nas proximidades de Porto Seguro, na Bahia. Dos 89 tripulantes, 33 morreram e dos 153 passageiros, pereceram 92.
No dia 30 de junho de 1943, o Tutóia, também do Lloyd Brasileiro, foi afundado pelo U-513, nas proximidades da Ilhabela, em São Paulo. No ataque morreram sete dos 37 tripulantes, incluindo o comandante Acácio de Araújo Faria. No mês seguinte, em 4 de julho, o navio Pelotaslóide do Lloyd Nacional, foi torpedeado pelo submarino U-590, enquanto navegava a 5 milhas da cidade de Salinas no Pará. Cinco dos 42 tripulantes morreram.
O pequeno pesqueiro Shangri-lá foi afundado nas proximidades de Cabro Frio, no Estado do Rio, em 22 de julho de 1943, pelo U-199, vitimando seus dez tripulantes. Ainda em julho, no dia 31, o navio de passageiros do Lloyd Brasileiro Bagé foi afundado pelo U-185, próximo a foz do rio Real, em Sergipe. Dos 107 tripulantes, 20 morreram, e entre os passageiros oito de 27.
O Itapagé da Companhia Nacional de Navegação Costeira, foi atacado em 26 de setembro, pelo U-161, a 8 milhas da costa de Alagoas, matando 18 dos 70 tripulantes, e quatro dos 18 tripulantes. A última vítima dos ataques dos submarinos foi navio Campos, do Lloyd Brasileiro, afundado pelo U-170, em 23 de outubro, a cinco milhas ao sul da Ilha de Alcatrazes, em São Paulo. Morreram seis dos 57 tripulantes, e dois dos 10 passageiros. Algumas fontes indicam que também no dia 26 de setembro, foi afundado por tiros canhão o pequeno barco de carga Cisne Branco, pelo U-161, fazendo quatro vítimas fatais.
A Marinha de guerra do Brasil também perdeu uma embarcação quando foi afundado do navio-auxiliar Vital de Oliveira, o último a ser torpedeado pelo U-861, em 19 de julho de 1944, quando navegava do nordeste para o Rio de Janeiro, vitimando 99 marinheiros. Dois outros navios da armada brasileira também afundaram, mas por outros motivos. A corveta Camaquã em 21 de julho de 1944, que virou em virtude de mar revolto, morrendo 23 tripulantes, e no dia 4 de julho de 1945, o cruzador Bahia explodiu acidentalmente quando estava em viagem de instrução, matando 333 homens, inclusive o seu comandante Garcia D´Avila Pires de Albuquerque.
Antes mesmo da entrada do Brasil no conflito mundial, embarcações de bandeira brasileira foram atacados ou mesmo desapareceram sem saber a motivação como o Santa Clara que sumiu no Atlântico Norte em março de 1941. Nesse mesmo ano dois navios brasileiros o Taubaté e o Siqueira Campos foram atacados. O primeiro pela aviação nazista no Mediterrâneo, vitimando o conferente José Francisco Fraga, o primeiro brasileiro morto na Segunda Guerra Mundial, e ferindo 13 tripulantes. O Siqueira Campos foi atacado por tiro de canhão de um submarino nas proximidades do arquipélago de Cabo Verde.
Em 1944, o Brasil seria a única nação latino-americana a mandar soldados para lutar nos campos de batalha da Europa.
Os covardes ataques aos navios de bandeira do Brasil vitimaram fatalmente 971 brasileiros, sendo 469 tripulantes e 502 passageiros. Passados 70 anos desse inominável evento, essas quase mil vítimas são hoje apenas os brasileiros esquecidos.
*Antônio Sergio Ribeiro, advogado e pesquisador, é Diretor do Departamento de Documentação e Informação da ALESP
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