Com passos firmes, terços entrelaçados nas mãos e histórias de fé guardadas no coração, milhares de peregrinos estão a caminho do Santuário Nacional de Aparecida neste mês de outubro. A tradição de caminhar quilômetros em direção à cidade símbolo da devoção mariana mobiliza fiéis de todas as regiões do país, em jornadas que misturam esforço físico, espiritualidade, companheirismo e emoção.

A expectativa é que mais de 40 mil romeiros percorram a Rodovia Presidente Dutra e outras rotas até o dia 12 de outubro - data da Festa da Padroeira do Brasil. Ao longo do caminho, histórias de promessas, reencontros e agradecimentos se entrelaçam, revelando o poder mobilizador da fé.

De Campina Grande a Aparecida

Entre os milhares de devotos está Geraldo da Silva, bancário de Campina Grande (PB). Ele começou a caminhada em Guarulhos e planeja chegar à Basílica após quatro dias de peregrinação.

"Sempre temos algo a agradecer à nossa Mãe. Venho há bastante tempo me preparando para essa jornada. É um desejo que venho acalentando há dois anos. Vai ser muito emocionante quando eu chegar na Basílica", conta emocionado.

Geraldo já havia visitado Aparecida de ônibus e avião. Desta vez, quis viver a experiência completa, passo a passo. "Tenho uma história longa de devoção à Nossa Senhora. Vim agradecer pela vida e pela saúde da família."

Fé que atravessa gerações

Para Bruno Fernandes Teixeira, socioeducador em uma casa terapêutica na zona norte da Capital paulista, a peregrinação anual é um encontro com suas origens. "Faço esse caminho há sete anos, mas esse amor mariano não é de agora: ele nasceu na infância. Minha avó me levou de excursão de ônibus quando eu era criança. Ela sempre dizia: recorra à Mãe, porque uma mãe nunca abandona seu filho", relembra.

Durante uma dessas caminhadas, Bruno conheceu Sarita, sua futura noiva, na gruta de Nossa Senhora de Lourdes, em Taubaté. "Foi um sinal. Nosso primeiro encontro foi na Igreja de São Bento, na Capital. A peregrinação transformou a minha vida e me deu paz para enfrentar questões familiares difíceis. Esses três dias de caminhada são um reencontro comigo mesmo", afirma.

Promessa por amor

Há histórias que começam com promessas improváveis. Tatiane Marangoni, fisioterapeuta, e Cléber de Carvalho Ignácio, técnico em segurança do trabalho, ambos de Guarulhos, decidiram peregrinar pela primeira vez em 2023, após o desaparecimento de um dos gatos do casal.

"Estávamos viajando para o Rio quando nosso gatinho sumiu. Fiz uma promessa: se o encontrássemos, mesmo depois de 45 dias, eu iria a pé até Aparecida. E encontramos!", conta Tatiane. "Foi emocionante. A estrada testa a gente, são 150 km. Mesmo em grupo, a romaria é individual. A fé é o que leva a gente até o fim", completa Cléber.

Este ano, eles refazem o caminho para agradecer. "Agora é gratidão pura. A hora em que a Basílica aparece no horizonte... a gente começa a chorar", diz Tatiane.

Acolhimento no caminho

A fé também inspira gestos de solidariedade. Há dez anos, Cândida de Lourdes de Souza, decidiu montar uma pequena tenda na Rodovia Presidente Dutra, no Jardim Diamante, em São José dos Campos para oferecer frutas e água aos romeiros. "Eu comprei uma caixa de maçã achando que ia doar e voltar para casa. Mas as doações começaram a chegar e nunca mais parei. Escuto histórias de milagres, alegrias e tristezas. É gratificante", relata.

A estrutura improvisada virou ponto de parada para muitos grupos. Café, bolacha, batata-doce e palavras de apoio ajudam a renovar as forças de quem segue rumo à Padroeira.

REDE ALESP contará com programação especial para o Dia da Padroeira do Brasil.

Programa Cultura e Saber com Pe. Antônio Maria - bate-papo sobre o livro mais recente: "A Vida Sabe Ler e Escrever".
Estreia: 11/10, às 11h
Reprise: 12/10, às 19h

Programa Conexão Paulista com Rodrigo Alvarez
Estreia: 11/10, às 20h
Reprise: 12/10, às 13h

Rodrigo Alvarez é um jornalista e escritor que escreveu a popular biografia "Aparecida", um livro de história que detalha a trajetória da santa e o simbolismo de sua imagem para o Brasil. Além de ser conhecido por sua carreira como repórter e correspondente internacional, Alvarez pesquisou profundamente o tema por anos, reunindo relatos e documentos. O livro cobre mais de três séculos de história, incluindo eventos como o atentado à imagem e a sua reconstrução, a relação da santa com a política e as histórias de fé e milagres atribuídos a ela.

Documentário - Caminhos da Fé
Estreia: 12/10, às 21h

Esse é documentário contará a história dos romeiros, dos pontos de apoio e da cidade de Aparecida.

Cidade que acolhe multidões

Neste ano, de acordo com levantamento do Centro de Inteligência da Economia do Turismo (Ciet), ligado à Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo (Setur-SP), são esperados 450 mil visitantes durante a Festa da Padroeira, que acontece de 3 a 12 de outubro. A maior concentração de visitantes ocorre aos finais de semana, quando chegam à cidade em torno de 150 mil pessoas, de acordo com dados da Prefeitura. Em média, esses visitantes permanecem de três a quatro dias. Segundo Harlei Diniz de Carvalho, secretário municipal de Turismo, a cidade conta com cerca de 70 mil leitos distribuídos em hotéis, pousadas e casas particulares, além de acolher os milhares de visitantes que chegam em ônibus de bate e volta.

"Nossa cidade tem a cultura de receber os peregrinos. Apesar de pequena, acolhe muito bem. O Caminho da Fé é hoje a maior rota religiosa do Brasil, perdendo apenas para Santiago de Compostela", comenta.

Caminhos oficiais

A Polícia Rodoviária Federal reforçou a operação especial ao longo da Dutra, com bases móveis e policiamento intensificado. Embora muitos ainda usem a rodovia tradicional, o Santuário Nacional recomenda rotas alternativas, como:

Caminho da Fé: mais de 2 mil km (400 km entre SP e MG), passando por trilhas e estradas vicinais;

Rota da Luz: 201 km, de Mogi das Cruzes a Aparecida;

Caminho de Nossa Senhora: 495 km ligando o Rio de Janeiro à cidade;

Caminho religioso da Estrada Real, começando em Caeté (MG) e percorrendo 38 cidades;

Caminho de Aparecida: 282 km pelo Sul de Minas;

Caminho da Graça, com 400 km e duração de 4 a 5 dias;

Caminho da Padroeira, 330 km, atravessando a Serra da Mantiqueira.

Essas rotas oferecem pontos de descanso, apoio policial e menos tráfego pesado, mas é sempre importante buscar o máximo de informações sobre o trajeto antes da partida.

Alesp e o turismo religioso

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo tem papel direto no fortalecimento dessa tradição. Em 2002, foi aprovada a Lei 11.220, que instituiu o Polo Turístico das Cidades Religiosas Paulistas, de iniciativa do deputado Jorge Caruso (MDB).

A legislação permite o investimento em infraestrutura e turismo em municípios que têm na fé uma importante alavanca econômica e cultural. Além de Aparecida, cidades como Guaratinguetá, Cruzeiro e Cachoeira Paulista também integram o polo.

Recentemente, o deputado Fábio Faria de Sá (Podemos) protocolou um projeto de lei para criar o Programa Rota Segura de Aparecida, para garantir estrutura e mais segurança para os peregrinos. O PL 929/2025 será analisado pelas comissões permanentes antes de ir à votação em Plenário.

Fé que move, caminhos que unem

As estradas que levam a Aparecida são também caminhos de histórias, promessas, lágrimas e reencontros. Cada romeiro carrega um motivo - seja agradecer, pedir, recomeçar ou simplesmente caminhar em silêncio.

Na chegada à Basílica, quando a imagem da Mãe Aparecida surge ao longe, muitos choram. O corpo está cansado, mas o espírito se renova. E é assim, ano após ano, que essa tradição segue viva - misturando fé, cultura, comunidade e emoção.