19 de abril: a luta indígena contada por quem vive
19/04/2025 08:00 | Direitos Humanos | Fernanda Franco - Fotos: Jennyffer Bekoy Tupinambá e Sonia Ara Mirim/Acervo Pessoal



Ser indígena no Brasil é desafiador: o território é explorado, as crenças são menosprezadas e a segurança, comprometida. A luta dos povos originários pela sobrevivência se arrasta por séculos e ainda está longe de terminar.
É nesse cenário que o Dia dos Povos Indígenas representa muito mais do que a celebração da diversidade étnica-cultural no país. Por conta disso, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo apresenta a história de luta de duas ativistas que fazem da causa a sua vida.
Para o povo Guarani, a data não é comemorada. "O dia 19 de abril é uma data de luto para nós. Nos reunimos para relembrar dos nossos antepassados que foram assassinados", conta Sonia Ara Mirim, ativista, brigadista florestal e liderança do povo Guarani do Pico do Jaraguá, na zona norte da capital paulista.
Para ela, a data, "criada pelos homens brancos", representa um "apagamento histórico" de seu povo, mas ainda assim considera sua relevância. "É uma data importante porque não deve ser esquecida a luta dos povos originários", enfatiza.
Esse apagamento histórico por muitos anos se refletiu na falta de representatividade social e política. "Por isso, falar de povos indígenas é falar sempre dessa necessidade que a sociedade ainda tem de conhecer mais sobre os indígenas, de entender essa realidade no Brasil, de entender sobre os direitos, mas também de entender que é preciso o espaço de participação", observa a deputada federal eleita por São Paulo e ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara.
O censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), por exemplo, apontou que 1,7 milhão de indígenas vivem no Brasil, o equivalente a 0,83% da população total. Embora o número ainda pareça pequeno para um povo que já habitava o território muito antes da colonização, ele representa um salto de 88,8% em relação à pesquisa anterior, quando apenas 896 mil pessoas se autodeclararam indígenas.
É nesse sentido que, para a ministra, o dia 19 de abril é uma data de luta, mas também de visibilidade e de chamado para a sociedade abraçar a causa indígena. "Hoje estar com os povos indígenas é estar em defesa da própria vida", afirma.
Luta por território e respeito
Apesar da presença milenar no país, os Guarani enfrentam hoje desafios antigos. A demarcação de terras ainda é uma pauta urgente. No Pico do Jaraguá, área considerada sagrada por esse povo e lar de sete aldeias Guarani, apenas uma está oficialmente demarcada, com apenas 2 hectares - e isso aconteceu em 1987.
"É uma demarcação muito pequena. Vivemos aqui em 532 hectares, um espaço pequeno, mas de muita relevância para nós. Aqui preservamos a Mata Atlântica como parte do nosso modo de vida", relata Sonia Ara Mirim.
Sonia Ara Mirim em protesto contra o marco temporal, em 2024
A luta do povo Guarani é, antes de tudo, uma luta por reconhecimento. "A nossa casa é a floresta", reforça Ara Mirim, que desde 2013 atua como ativista na luta indígena. Ela iniciou sua caminhada em busca da demarcação de territórios no estado e no combate à criminalização sofrida pelas comunidades indígenas urbanas.
"O estado precisa nos reconhecer. Somos seres humanos iguais a qualquer outro. Mas não temos nossos direitos garantidos", desabafa. Apesar de alguns avanços terem sido feitos em nível estadual e federal, ela ressalta que a maior parte da preservação da cultura dos povos indígenas é feita por eles mesmos. "Tudo que reivindicamos está ligado à terra. Sem terra, não tem vida digna", conta.
Atualmente, existem 38 terras indígenas no estado de São Paulo, das quais 31 possuem algum tipo de reconhecimento pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em 2024, sete terras indígenas foram demarcadas no estado, sendo elas: Jaraguá, Peguaoty, Djaiko-aty, Amba Porã, Pindoty - Araça-Mirim, Tapy'i/Rio Branquinho e Guaviraty. Juntas, as áreas somam mais de 18 mil hectares e abrigam cerca de 982 indígenas, reconhecendo territórios ocupados tradicionalmente pelos povos Guarani e Guarany Mbya.
Direito das mulheres indígenas
"Eu sou fruto da violência, mas também sou a semente e a esperança", conta Jennyffer Bekoy Tupinambá, ativista indígena e defensora dos direitos das mulheres e das crianças.
Vinda de Olivença, Bahia, Bekoy Tupinambá ao chegar sozinha a São Paulo em 2018 carregava nas costas a dor do assassinato do marido e o peso de fugir da violência que sofreu na infância. Três meses depois, trouxe as três filhas para recomeçar a vida em um território onde, como ela mesma diz, as pessoas "falavam mais sobre violência contra as crianças".
A atuação como ativista teve início em 2020, pelo Instituto Liberta, organização voltada ao combate da exploração sexual de crianças e adolescentes. A partir dali, Bekoy passou a se ver também como representante indígena e das mulheres quando não se viu representada nos índices oficiais.
"O meu despertar foi em relação a trazer dados que comprovassem que meu povo e as mulheres sofriam violência", relata. Desde então, ela usa o seu rosto para "humanizar os dados" e dar visibilidade às mulheres indígenas que passam pela mesma situação.
Hoje, ela ressignifica a própria trajetória ao afirmar que ser indígena é um ato de sobrevivência. "As minhas filhas são as primeiras mulheres da minha família que não sofreram abuso sexual. Por isso eu luto", conta.
Jennyffer Bekoy Tupinambá em protesto contra a violência da mulher indígena
Apesar de não ter nascido em São Paulo, Bekoy considera a capital paulista sua nova casa justamente por poder dar visibilidade a essas causas, algo que, segundo ela, está no seu sangue. "Ser tupinambá é respeitar o passado, é estar com os pés fincados no presente lutando por um futuro. Ser tupinambá é andar em coletivo", relata.
São Paulo, território indígena
A história e cultura de São Paulo, assim como a do restante do Brasil, está intrinsecamente ligada aos povos indígenas, que vivem no estado desde antes da colonização. Uma das marcas disso está nos topônimos (nomes geográficos como ruas, avenidas, bairros e distritos) que estão presentes no vocabulário paulista.
Na capital, não faltam exemplos: Ibirapuera, Jabaquara, Cambuci, Pacaembu, Mooca, Anhanguera, Tamanduateí, Tatuapé, Moema, Sapopemba, Tietê, Ipiranga, Sacomã e Itaquera. E a lista continua: Congonhas, Morumbi, Grajaú, Jaraguá, Jaguaré, Turiassu, Carandiru, Pari, Canindé, Jaçanã, entre outros.
A maioria desses nomes faz referência a elementos da natureza, como rios, árvores e animais. "Dentro da história do território de São Paulo, existem muitas histórias com os povos originários, porque essa região era coberta por floresta e rica em rios. Nossa relação e respeito com a natureza sempre foi muito forte", explica Bekoy.
Ela destaca que a presença Tupinambá no estado de São Paulo é antiga e profunda - e que resiste até hoje em nomes, tradições e também em mitos. "Ubatuba tem uma história impressionante com o nosso querido Cunhambebe, um importante líder indígena tupinambá. Há um mito forte ali: dizem que, quando chove muito ou algo dá errado, é Cunhambebe quem não permite que a cidade suba", relata.
A história de Cunhambebe, embora envolta de lendas e mitos, é parte importante da narrativa da colonização do Brasil, pois representa a resistência indígena frente ao domínio português. "Onde tinha orla, havia Tupinambá. Nós não éramos um povo da mata fechada, e sim da costa. Mas por conta da invasão dos colonizadores, fomos sendo empurrados para o interior", contextualiza.
A partir dessas histórias ancestrais, Bekoy reflete sobre a forma como os povos indígenas sempre souberam dialogar com a terra: "Nossos povos usavam os próprios elementos da natureza como proteção, sobreviviam em comunhão com ela", conta.
A liderança Guarani Sonia Ara Mirim reforça a importância dessa conexão ancestral. "O povo Guarani existe há milênios. Nunca perdemos nossa origem, identidade ou língua. Temos uma relação muito forte com a floresta, com os animais silvestres, com tudo que vive", relata.
Diante dessa conexão profunda e ancestral com a natureza, os Guarani resistem ao tempo, à urbanização e à invisibilização na metrópole mais populosa do país. "São Paulo é um território indígena e nunca vai deixar de ser. Esse território sempre foi nosso, mesmo com a cidade crescendo. São Paulo faz parte da vida dos povos originários", afirma Ara Mirim.
O que precisa mudar?
Apesar das dificuldades enfrentadas pelas comunidades indígenas, as ativistas veem com esperança a concretização de leis que garantam seus direitos. "Eu compreendo que a gente tá num processo real de reconhecimento. Mas trazendo para São Paulo, acredito que é um pouco mais difícil essa compreensão de valor de vida porque aqui está o mercado financeiro", avalia Bekoy Tupinambá.
Ela também chama atenção para a necessidade de mais representatividade indígena e de mulheres nos espaços de poder. "O meu povo não tem grandes líderes dentro do Estado e nem dentro de nenhum outro âmbito parlamentar", ressalta.
Já para Sonia Ara Mirim, a transformação passa pela educação para desconstruir estereótipos. "As pessoas ainda nos chamam de índio, de tribo. Não sabem que a gente vive aqui no Pico do Jaraguá. É um trabalho de formiguinha, mas é necessário. As pessoas ainda querem que a gente seja igual à população de São Paulo, mas nós temos nosso próprio modo de viver", defende.
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