Casa de Leis e referência cultural: conheça a história do acervo artístico da Alesp
29/07/2024 16:00 | Espaço aberto | Gustavo Oreb Martins - Fotos: Carol Jacob/ Bruna Sampaio/ Acervo Alesp





Antes mesmo de ser chamada dessa forma, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo já se permitia interagir com múltiplos campos artísticos, participando, indireta ou diretamente, de movimentos disruptivos nacionais como a Semana da Arte Moderna de 1922 e a fundação da Academia Brasileira de Letras. Sem perder as raízes, o Parlamento Paulista mantém em sua sede um rico acervo artístico até os dias de hoje. Ao todo, são 1126 obras espalhadas pelo Palácio 9 de Julho.
Inaugurada no dia 25 de janeiro de 1968, aniversário da Capital paulista, a sede atual da Alesp tem como norte, desde a origem do projeto arquitetônico, aproveitar completamente o seu potencial artístico, incluindo espaços próprios para exposições no edifício, como o Hall Monumental e o espaço V Centenário.
Além disso, a localização do Palácio - por si só considerado por lei um patrimônio cultural do Estado - contribui para a formação de um polo cultural na cidade, estando próximo de instituições como o Museu Afro Brasil, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP).
No entanto, a construção dessa identidade não veio da noite para o dia. A ideia da criação de um acervo de obras de arte teve início oficialmente apenas em agosto de 2002, como conta Jair Borba, gestor da Divisão de Biblioteca e Acervo Histórico da Alesp. "Tudo começou com apenas 71 obras, que incluíam retratos dos antigos presidentes da Assembleia e outras obras que faziam parte das sedes anteriores do Legislativo", explica.
Retratos dos presidentes da Assembleia Legislativa são algumas das obras mais antigas do acervo
Formação do acervo
Ainda de acordo com Jair, o principal período de crescimento do acervo ocorreu entre 2003 e 2012. Para se ter uma ideia, após os anos de 2004 e 2005, a quantidade de obras saltou de 234 para 809. "Mais de mil peças foram doadas naquela década, formando a grande coleção que temos hoje. Após esse auge, houve uma significativa diminuição na quantidade de doações, mas ainda mantemos as portas abertas aos artistas que tiverem desejo de doar e agregar ainda mais repertório cultural ao Parlamento", ressaltou o gestor, acrescentando que cada peça passa pela curadoria de sua equipe antes de ser adicionada ao restante da seleção.
Graças a essas doações, o acervo conseguiu atingir um alto nível de variedade em suas exposições. Hoje, ele conta com pinturas, esculturas, fotografias, gravuras, xilogravuras, litogravuras, livros, mobílias, colagens, vitrais, entre outros trabalhos produzidos por artistas de todo o Brasil, além de criações de artistas estrangeiros.
Movimento artístico
Um exemplo dessa abertura para novas mentes criativas pode ser visto na figura de Cassiano Araújo, artista plástico responsável pela confecção e doação da obra em formato de "Tríptico" (três quadros que formam uma única imagem) exposta na Assembleia. Segundo ele, "expor obras autorais em um espaço democrático como o Palácio 9 de Julho proporciona união e integração com a sociedade, fortalece nossas raízes latino-americanas e eleva a cultura política com as inspirações provindas da beleza da arte".
Tríptico "PAX XXI", produzido por Cassiano Araújo
Para os quadros laterais, Araújo disse ter usado predominante a cor de ouro puro, com a finalidade de simbolizar a força dos povos indígenas das Américas. "A peça é marcada pela ausência de desenhos, contém apenas formas, marcando os movimentos da natureza, sobretudo das areias dos desertos que perpassam importantes histórias religiosas de todo o mundo", detalha.
Já na imagem central da obra tripla, o pintor optou por destacar a lua nova, como forma de simbolizar a força do conceito de recomeço, além de outros elementos subliminares na figura. "A estrela de cinco pontas representa proteção espiritual, que traz energia, força, saúde e conhecimento. Também estão subentendidos os elementos da água, fogo, ar e terra como partes intrínsecas às necessidades e origens da humanidade", destaca.
Principais obras
Entre as demais obras expostas no Parlamento, é impossível não destacar o quadro "Painel São Paulo", do artista plástico Rodrigues Coelho. Medindo 14 metros de comprimento por 4 metros de altura, a pintura retrata uma linha do tempo de momentos importantes da história do Estado. Ela foi doada como forma de celebrar os 170 anos do Legislativo, em 2005.
Outra peça icônica é a Forma Bipartida, exibida no jardim da Assembleia. A escultura é de autoria do artista Arcanjo Ianelli. Em vida, foi um pintor, escultor, ilustrador e desenhista autodidata. Estudou perspectiva na Associação Paulista de Belas Artes e teve contato com figuras históricas como a pintora, professora e desenhista Colette Pujol e com o pintor e professor Waldemar da Costa. Ianelli recebeu uma homenagem da Pinacoteca do Estado ao completar 80 anos, em 2002.
Estimado como um dos principais artistas do acervo, também se encontra Martins de Porangaba. O pintor, desenhista, professor de artes plásticas e fundador do Atelier J. Martins participou de exposições individuais e coletivas no Brasil e no Exterior. Porangaba tem duas pinturas na Assembleia paulista: a pintura abstrata "Entre as flores", feita com tinta acrílica, e "Vista do Interior", com tinta a óleo.
Já a pintora, desenhista, ilustradora, curadora, artista multimídia e poeta Sara Goldman Belz possui três obras de sua autoria no acervo do Parlamento. São elas: "Pastoral Noturna", pintura de tinta a óleo; "O Leque", em placa de madeira, fibra de vidro e tinta acrílica; e uma litogravura denominada "Muito Prazer". A artista já foi diretora do Paço das Artes, assessora da Secretaria de Estado da Cultura e presidente da Associação Profissional dos Artistas Plásticos do Estado de São Paulo (Apap).
Por fim, localizadas no jardim da Casa de Leis, sobressaem-se igualmente obras como a "Máscara Ancestral", de Emanoel Araújo e a "Árvore do Conhecimento" e "Labelo dell Abbondanza", ambas de Elvio Becheroni.
Semana de 1922
Historicamente citada como um marco para o desenvolvimento da cultura nacional, a Semana de Arte Moderna de 1922 é outro elo de ligação entre a Alesp e a arte. Idealizada para questionar o uso saturado de moldes tradicionais europeus e movimentos artísticos conservadores, aqueles poucos dias de apresentações foram responsáveis por imprimir características marcantes da sociedade do começo do século 20.
O evento foi realizado entre os dias 13 e 17 de fevereiro daquele ano e, em cada dia, o festival trabalhou um aspecto cultural diferente: pintura, escultura, literatura, poesia e música. Entre os participantes da famosa Semana, três deles viriam a se tornar deputados da Alesp alguns anos depois: Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cândido Motta Filho. Os três participaram da segunda noite de festivais, no dia 15 de fevereiro, dedicada especialmente à literatura e à poesia.
O primeiro palestrante foi o poeta, jornalista e advogado Menotti del Picchia, um dos articuladores da Semana de Arte Moderna. Ele foi eleito deputado estadual entre os anos 1926 e 1930, quando a Assembleia Legislativa funcionava num antigo prédio na atual praça João Mendes. Picchia pertencia ao Partido Republicano Paulista e, na Alesp, participou das comissões de Redação; Instrução Pública; e Fazenda e Contas.
Entre diversos prêmios que ganhou, Menotti recebeu o Prêmio Jabuti, um dos principais do país. É também um dos parlamentares estaduais que entrou para a Academia Brasileira de Letras. O poeta ainda se elegeu deputado federal por São Paulo em três legislaturas. Como deputado da Alesp, o modernista foi co-autor do Projeto de Lei 76/1928, que dispunha sobre a educação pública paulista. A íntegra do projeto está disponível no site do Acervo Histórico.
Já Plínio Salgado foi eleito um pouco depois de Picchia, em 1928, quando os dois participaram de debates em defesa dos ideais modernistas na Alesp. Assim como o colega, Salgado fez parte da Comissão de Instrução Pública no Parlamento. Também ficou conhecido por liderar a Ação Integralista Brasileira, movimento político da década de 30. O integralista apresentou, na Semana de Arte Moderna, o texto denominado "Arte Brasileira" e, pouco tempo depois, publicou o poema "O Eco", no periódico modernista Klaxon, em novembro de 1922.
Outro deputado estadual que participou da Semana e, posteriormente, do Movimento Verde-Amarelo, foi o jornalista e advogado Cândido Motta Filho, que também foi um dos fundadores da revista modernista Klaxon. Em seu tempo, também atuou como docente da Faculdade do Largo São Francisco, foi ministro do Supremo Tribunal Federal e, em 1960, entrou para a Academia Brasileira de Letras.
Das grandes obras da Semana de Arte Moderna, fazem parte do acervo da Alesp a primeira edição do livro "Losango cáqui" (1926), de Mário de Andrade, assim como "A angústia de D. João" (1922) e "República dos Estados Unidos do Brasil" (1928), ambos de Menotti del Picchia.
Também está presente no acervo um exemplar da primeira edição de Corpo de Baile (1956), de Guimarães Rosa, representante da terceira fase do modernismo.
Participantes da Semana de 1922 e deputados estaduais de SP: Plínio Salgado, Menotti del Picchia e Cândido Motta Filho
Literatura
Voltando ainda mais no tempo, quando o Legislativo Paulista ainda era oficialmente reconhecido como "Assembleia Legislativa Provincial", entre 1835 e 1889, diversos parlamentares foram relevantes no campo da literatura nacional.
Essa tradição pode ser vista no exemplo do deputado Herculano Marcos Inglês de Souza, que atuou no Parlamento entre os anos de 1880 e 1883. O advogado, jornalista, professor, contista e romancista foi responsável por fundar a cadeira número 28 da ABL em 1897.
Sousa é considerado o introdutor do naturalismo na literatura brasileira, movimento que usava a escrita não apenas como entretenimento, mas como instrumento de denúncia social. O principal representante do naturalismo no Brasil foi Aluísio Azevedo, com o livro "O cortiço".
Na fundação da ABL, os integrantes homenagearam personalidades que marcaram a cultura brasileira elegendo um patrono para cada cadeira. O deputado Theophilo Dias de Mesquita foi um deles. Sobrinho do poeta Gonçalves Dias, o patrono da cadeira número 36 foi deputado provincial paulista entre os anos de 1886 e 1887. Sua principal obra, "Fanfarras", foi elogiada por escritores como Manuel Bandeira e Antônio Cândido.
Outro nome entre os deputados escritores foi Antônio Joaquim da Rosa, eleito por quatro vezes deputado provincial, entre 1852 e 1857, e entre 1876 e 1877. Rosa também foi presidente da Assembleia Provincial entre 1º de fevereiro de 1876 e 6 de fevereiro de 1877.
Patrono da cadeira 19 da Academia Paulista de Letras, escreveu os romances: "A feiticeira" (1849), "A assassina" (1854), "A cruz de cedro" (1854), além das poesias "Canto do cisne" e "vivo-morto" (1876-1885), "Gozar e morrer" (1881) e "A ermida de Santo Antônio" (1881).
Visconde de Sabugosa
Para concluir, a última curiosidade é sobre um deputado que não escreveu livros, mas tem um importante papel na literatura brasileira. José Francisco Monteiro foi avô de Monteiro Lobato e serviu de inspiração para a criação do personagem Visconde de Sabugosa.
Deputado provincial paulista entre 1862 e 1863, José Francisco recebeu o título de Visconde de Tremembé, em 1887, e era proprietário das terras imortalizadas como o Sítio do Pica-Pau Amarelo por Monteiro Lobato. Cafeicultor, Visconde de Tremembé foi colaborador da iluminação pública da cidade de Taubaté em 1867 e da Companhia de Bondes a Vapor entre Taubaté e Tremembé. Entre seus principais feitos também chegou a angariar fundos e recrutar voluntários para o Exército Brasileiro durante a Guerra do Paraguai.
José Francisco Monteiro, deputado que inspirou o personagem Visconde de Sabugosa criado por seu neto, Monteiro Lobato
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