Doação de órgãos: transplantados relatam transformação de vida após receberem 2ª chance

Nesta quinta-feira (6), é celebrado o 'Dia Estadual do Doador de Órgãos', propositura pioneira aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo na década de 1990
05/06/2024 17:41 | Dia Estadual | Fagner Moura - Fotos: Arquivo Pessoal

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Transplantados relatam histórias de superação<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2024/fg326759.jpeg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Patrícia Fonseca: superação de limites<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2024/fg326581.webp' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Priscila e Patrícia: esporte e vida<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2024/fg326583.jpeg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Priscila Pignolatti e seu irmão Henrique: doação<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2024/fg326579.jpeg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Airton Andrade: conscientização<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2024/fg326582.webp' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo é pioneira, em âmbito nacional, na discussão de proposituras para o incentivo à doação de órgãos. Nesta quinta-feira (6), celebra-se o 'Dia Estadual do Doador de Órgãos', primeira lei estadual aprovada sobre o tema - Projeto de Lei nº 320/1990. Nesta mesma data, comemora-se o 'Dia Internacional dos Transplantados', oportunidade para conscientizar sobre a importância de salvar vidas.

A Alesp reuniu histórias de transplantados que tiveram uma nova oportunidade de seguir em frente mediante o gesto de familiares, que optaram pelo gesto generoso da doação.

Rim

Priscila Pignolatti descobriu que precisava de um transplante após sofrer várias crises de enxaqueca e a pressão arterial se manter alta constantemente, mesmo sendo uma pessoa magra e com rotina de atividades físicas sem histórico familiar de doenças renais. Foi através de um ultrassom que descobriu que tinha cisto nos rins.

Foram duas décadas de controle com exames periódicos e alimentação balanceada. Com o passar do tempo, os rins começaram a piorar, mas não precisou passar por hemodiálise. Os médicos que acompanharam seu caso indicaram o transplante.

"Eu não precisava entrar numa lista de espera. Conversei com meus irmãos sobre a possibilidade de doar o órgão e realizar o exame de compatibilidade", recordou ela.

A mãe e dois irmãos se prontificaram a doar o rim. "Eles moravam em Belo Horizonte. Trouxe eles para São Paulo e realizaram os testes pelo SUS. Os três eram compatíveis, porém apenas um irmão teve 100% de compatibilidade. Os demais tiveram apenas 50%". Seu irmão mais velho, Henrique Pignolatti, realizou uma bateria de exames para validar a doação.

Pignolatti atualmente vive com três rins, sua recuperação foi muito rápida. Em um mês já estava liberada para a realização de atividades físicas. Seu irmão obteve a mesma liberação 45 dias depois da cirurgia.



Priscilla Pignolatti e seu irmão Henrique: doação (Foto: Acervo Pessoal)

Coração

Patrícia Fonseca sofria de problemas cardíacos desde a infância, marcada por uma rotina de exames e cirurgias. "Quando nasci falaram que eu não ia sobreviver, que meu coração era muito fraco", relatou.

Por causa da sua condição, não podia realizar atividades físicas e chegou a trancar a faculdade por um ano para ficar acamada, cada vez mais debilitada. Com 29 anos de idade, ficou internada na Unidade de Terapia Intensiva, ligada a aparelhos. "Foi no meu aniversário de trinta anos que recebi o melhor presente da minha vida: um novo coração", recorda emocionada.

O transplante trouxe um mundo de possibilidades. Após a reabilitação, Patrícia começou a praticar esportes, que era sua grande vontade. Um ano após o procedimento começou a correr. E, dois anos após ter recebido o órgão, se tornou a primeira brasileira transplantada do coração a participar do World Transplant Games, evento esportivo reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional e considerado como as olimpíadas para pessoas transplantadas no triathlon.



Patrícia Fonseca se tornou triatleta e participa de competições internacionais. (Foto: Acervo Pessoal)

Fígado

Airton Andrade nunca teve uma doença pré-existente. De repente, estava com a pele amarelada (icterícia) e foi ao hospital. A partir dos exames foi diagnosticado que seu fígado havia parado de funcionar e se tratava de uma hepatite fulminante, provavelmente provocada pelo uso de medicamentos. Seu avô faleceu pelo mesmo motivo.

O caso se agravou rapidamente. Airton passou por hemodiálise e começou a ter problemas pulmonares. Foi inserido na fila de espera para transplante com classificação de urgência. Com apenas dois dias de internação em terapia intensiva, recebeu um novo fígado. Por ser jovem, ter uma rotina de exercícios físicos e não ser habituado a consumir bebidas alcoólicas, teve uma recuperação rápida.

Após a recuperação, ele decidiu integrar um grupo formado por Patrícia Fonseca, para ajudar a trazer informações sobre a importância do transplante. "Muita gente tem receio de falar sobre doação por causa do tema morte, mas é preciso lembrar que esse gesto levará vida a outras pessoas", relatou.



Airton Andrade: conscientização. (Foto: Acervo Pessoal)

Incentivo

Patrícia e Priscila são exemplos de vidas transformadas após o transplante. Juntas formaram um grupo para conscientizar sobre a importância da doação de órgãos, o 'Instituto Sou Doador'. A iniciativa reúne histórias de superação e realiza orientações importantes pela internet. "Viver tudo isso e sentir a saúde pela primeira vez me tocou demais. Eu queria que outras pessoas também vivenciassem essa transformação," relatou Patrícia.

Compartilhar a emoção de recomeçar a vida foi o motor para incentivar a doação de órgãos. Relatos de quem teve uma segunda chance "ajudam a quebrar o tabu, mostrando que é possível levar uma vida normal após o transplante", relata Priscila, que atualmente é presidente do instituto.

O trabalho desenvolvido por elas ajuda as famílias a tomarem a decisão sobre a doação de órgãos. Segundo João Erbs, coordenador da Central de Transplantes de São Paulo, "não existe nenhum documento que garanta a vontade do doador após o falecimento. A família é soberana na tomada da decisão".

Porém, quem deseja formalizar esse desejo pode preencher a Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO), que é uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Colégio Notarial do Brasil e o Ministério da Saúde. Essa informação pode auxiliar familiares a permitirem a retirada dos órgãos e garantirem uma nova oportunidade para quem precisa.

Superação

Priscila sempre praticou atividades físicas, mas não tinha muita resistência. "Quando eu fiz o transplante, parece que trocou a bateria do carro. Virei outra pessoa com outra energia". Gradativamente recuperou a rotina de exercícios e seis meses após a sua cirurgia, realizou a primeira prova de corrida.

Atualmente, além de participar na modalidade triathlon do World Transplant Games, atua em competições nacionais, latino americanas e internacionais. Ano passado, participou do Iroman, no Rio de Janeiro. "Sou a primeira mulher transplantada renal do mundo a competir na distância de 70,3 quilômetros", comemora.

A partir do trabalho do instituto, foi aprovada a Lei Federal nº 14.722/2023, que recebeu o título de Lei Tatiane (em homenagem a Tatiane Penhalosa, que faleceu aos 32 anos por não conseguir um transplante de coração). A lei foi redigida por iniciativa do 'Sou Doador' e criou uma política nacional de incentivo. Somente no ano de 2019, 5 mil famílias recusaram a doação de órgãos dos parentes no Brasil. A recusa representou 49% das possíveis doações no primeiro semestre de 2023, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

A Alesp foi pioneira nessa iniciativa. A partir da Lei n° 12.145/2005, de autoria do ex-parlamentar Said Mourad, foi instituída a 'Semana de Esclarecimento e Incentivo à Doação de Órgãos, nas escolas de ensino fundamental e médio, no âmbito do Estado de São Paulo'.

Priscila também escreveu o livro infantil 'Adorável Dora', junto com o amigo Marcelo Gianesi, que foi transplantado de medula. A obra aborda situações cotidianas da personagem de oito anos de idade, desvendando o tema sobre doação de órgãos de forma lúdica e estimulante.

O livro entrou no programa nacional do livro didático e será distribuído aos alunos do ensino fundamental da rede pública de ensino. "Foi uma maneira de introduzir o assunto para crianças no ambiente escolar", concluiu Priscila.



Priscilla e Patrícia participam juntas de competições de triathlon (Foto: Acervo Pessoal)

Intervivos

A doação de órgãos intervivos é permitida por lei, desde que seja precedida de uma rigorosa investigação clínica que comprove que o doador é saudável, minimizando os riscos para o procedimento. Antes da cirurgia é preciso comunicar ao Ministério Público que a doação é realizada de livre e espontânea vontade e que não está comercializando o órgão. Caso o receptor não seja parente, é necessário obter autorização judicial.

Pessoas vivas podem realizar a doação de um dos rins, um dos pulmões ou parte do fígado. Para efetivar o transplante, é preciso a autorização do Comitê de Ética do hospital onde será realizado o procedimento.

Fila de espera

Atualmente, mais de 23 mil pessoas estão na fila de espera para a recepção de um órgão. Desse total, 75% são pacientes que possuem doença renal crônica e passam por sessões de hemodiálise.

Entre aqueles que aguardam pela doação (rim, coração, fígado, pulmão ou pâncreas), a maioria é formada por homens (59%). No contexto geral das estatísticas, a faixa etária predominante é de 50 a 64 anos de idade.

Em segundo lugar está a espera por uma córnea. São pacientes que necessitam tratar de ceratopia bolhosa, ceratocone, ceratite ou que tiveram queimaduras químicas da córnea ou que possuem distrofias do estroma da córnea. Em São Paulo, são 4.815 pessoas que aguardam pelo transplante, a maioria mulheres (55%) com idade superior a 65 anos de idade.



Recorde

Em 2023, o estado de São Paulo bateu recorde nos transplantes realizados. Foram 8.597 procedimentos, o maior número registrado em seis anos e 7% superior ao registrado no ano anterior. O transplante de córnea liderou com 5.659 procedimentos (65%), seguido dos transplantes de órgãos, que corresponderam a 34%.

Segundo dados do Ministério da Saúde, até o final de maio de 2024 o estado de São Paulo realizou 1.027 transplantes de órgãos. Foram 691 transplantes de rim; 243 de fígado; 53 de coração; 17 de pâncreas e rim; 16 de pulmão; e sete de pâncreas. Transplantes de córnea, contabilizados à parte, correspondem a 2.108 casos.

Pioneirismo

O primeiro transplante realizado no Brasil se deu no Rio de Janeiro, em 17 de abril de 1964, no Hospital dos Servidores do Estado. Na ocasião, um paciente de 18 anos portador de doença renal crônica recebeu o rim de um bebê de nove meses que tinha hidrocefalia.

Já em 1968 foi realizado o primeiro transplante do coração, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pela equipe do médico Euryclides Zerbini, que posteriormente fundou e dirigiu o Instituto do Coração.

Legislação

Na Alesp, as primeiras proposituras para o incentivo à doação de órgãos, inéditas em âmbito estadual, ocorreram em 1989, por iniciativa dos parlamentares Edson Ferrarini, Waldyr Trigo, Afanasio Jazadji e Sylvio Martini.

Em 1991 foi aprovada a primeira lei estadual sobre o tema, de autoria do ex-deputado José Coimbra, que instituiu o 'Dia Estadual do Doador de Órgão', fruto do Projeto de Lei nº 320/1990. A data é comemorada anualmente no dia 6 de junho e faz referência ao 'Dia Mundial dos Transplantados'. Ao todo, são oito leis aprovadas pela Alesp que incentivam a doação de órgãos no estado de São Paulo.

Atualmente, dois projetos sobre o tema tramitam na Assembleia Legislativa. O Projeto de Lei nº 1586/2023, de autoria dos deputados Rogério Nogueira e Carla Morando (ambos do PSDB), estabelece diretrizes para a implementação da 'Política Estadual de Conscientização e Incentivo à Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos'. O projeto já recebeu aval da Comissão de Saúde da Casa.

O Projeto de Lei nº 1668/2023, de autoria também do deputado Rogério Nogueira, propõe a gratuidade do transporte público coletivo para doadores de sangue, medula óssea, órgãos e tecidos. Segundo o parlamentar, o projeto visa ao "aumento do coeficiente de altruísmo da população paulista, ao incentivo e contribuição à formação sólida do banco de dados de doação em respeito e solidariedade ao ser humano".

A propositura encontra-se em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Redação e recebeu voto favorável do relator, deputado Carlos Cezar (PL).

alesp