Falta de professores impede continuidade de cursos de letras da FFLCH-USP

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22/05/2023 14:25 | Atividade Parlamentar | Da Assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Giannazi (ao centro) com professores e estudantes<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-05-2023/fg301350.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Foi-se o tempo em que passar na Fuvest garantia aos jovens universitários cursar a habilitação para a qual foram selecionados. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a falta de professores vem fazendo com que os calouros tenham de disputar entre si as poucas vagas disponíveis para a língua estrangeira escolhida, como se fosse um segundo vestibular. Pior que isso, no Departamento de Línguas Orientais, há cursos que correm o risco iminente de desaparecer, como russo e até mesmo japonês, apesar da presença massiva dessa cultura na formação da sociedade paulista.

Com dois turnos lotados, o curso de japonês está desfalcado porque uma das professoras está estudando no Japão. Foi pedida a contratação de um docente substituto, mas a reitoria simplesmente negou. "É por meio dos professores que vão às universidades japonesas que são obtidas bolsas para os estudantes", frisou a professora Leiko Matsubara Morales. Ela repudiou as novas formas de contratação, precarizadas, que não são contempladas pelo RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa). "Onde fica a produção [científica]? Nós não podemos ficar repetindo as mesmas coisas. Temos que continuar fazendo essa massa crítica crescente, como nossos antecessores fizeram conosco", questionou.

Leico pontuou ainda que o curso de japonês da USP, que iniciou suas atividades em 1963, deixou há tempos sua característica inicial, quando era mais procurado à colônia japonesa. "Hoje, 95% dos alunos não são descendentes." Apesar disso, o curso tem pouco respaldo dos órgãos de pesquisa brasileiros. "É muito desgastante ficarmos sempre pedindo tupo para o governo japonês", lamentou.

Evasão e improviso

Dirigente da Associação de Docentes da USP, Vanessa Montes afirmou que boa parte dos 849 estudantes que ingressam todos os anos nas 16 habilitações do curso de letras estão sendo enganados, uma vez que as únicas matérias de fato garantidas são a do curso de língua portuguesa, vinculado ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Para os outros cursos, os alunos têm de passar por um rankeamento que "é quase como se fosse uma segunda peneira", já que o número de vagas está sendo reduzido. "A pontuação necessária aumenta, junto com a chance de não se conseguir ingressar na habilitação desejada. E isso resulta em evasão", concluiu.

Ela também criticou os pacotes que estão sendo feitos nas disciplinas da licenciatura, onde as aulas de metodologia de línguas diversas são feitas em conjunto. Isso já acontece com francês e italiano. Mas a perspectiva com o fim do contrato de um professor temporário, que já não pode mais ser prorrogado, é que também sejam unificadas as metodologias em línguas orientais - árabe, armênio, chinês, coreano, hebraico, japonês e russo - junto com alemão, latim e grego. "A rigor, nem poderíamos chamar isso de disciplina", acusou.

Colapso anunciado

O Departamento de Letras Modernas (inglês, francês, alemão, espanhol e italiano) foi o que mais perdeu professores nesse processo de desmonte. Adrián Pablo Fanjul, que há uma semana deixou a chefia do departamento, já havia advertido o Conselho Universitário, no final do ano passado, de que neste semestre muitas disciplinas iriam colapsar. Juntaram dois processos, o acúmulo do sucateamento, que impede a reposição de professores efetivos, e a recente proibição do recurso que vinha sendo utilizando nos últimos anos para dissimular a falta de professores, ou seja, a contratação de professores temporários. "Agora, para contratar um temporário tem que ser porque ele efetivamente está substituindo alguém, não porque o gestor decidiu desmontar."

Adrián também denunciou que, além da proporção cada vez menor de professores em relação ao número de alunos, a atual reitoria deliberou que a partir de 2025 a reposição dos professores que se aposentarem vai ser feita 50% como reposição e 50% em uma concorrência entre unidades. "Os critérios não vão ser nem a quantidade de alunos por curso, nem os planejamentos dos cursos, mas uma concorrência por suposto mérito, que vai ser avaliado pela própria reitoria, sem critérios, sem pareceres e sem qualquer transparência. A reitoria acaba de fazer um balão de ensaio com 63 cargos, mas se nós permitirmos, em 2025 serão centenas."

Arlene Elizabeth Clemesha, professora de história árabe do Departamento de Letras Orientais, afirmou que no ano que vem essa habilitação em árabe vai perder três dos seus sete professores. "Nós somos o único curso no Brasil que, além da língua, tem literatura, filosofia e história", comparou, explicitando a importância desses conhecimentos para um país que busca proeminência internacional, inclusive com o diálogo sul-sul.

A maior presença na audiência pública foi de estudantes, sem dúvida os maiores prejudicados pelo desmonte dos cursos. A diretora do centro acadêmico Júlia Silva, coordenou os trabalhos, e o primeiro depoimento foi de Mandi Coelho, também dirigente do CA e membro da Congregação da FFLCH. Mandi relatou um trabalho de semanas que resultou na elaboração de um dossiê que aponta 80 vagas de professor em aberto para que se restabeleçam as condições de 2014. "Se são 80 na Letras, qual será o total de professores que faltam em toda a universidade?", indagou.

Mandi e muitos outros estudantes citaram a necessidade de se repetir a histórica greve de 2002, iniciada pela FFLCH, que foi a maior movimentação estudantil ocorrida nas últimas décadas, junto com a ocupação da reitoria em 2007.

Dinheiro não falta

Carlos Giannazi (PSOL) assegurou que a USP tem hoje o maior orçamento de toda a sua história aprovado pela Assembleia Legislativa: R$ 8,4 bilhões. "Não é falta de recursos, é uma política de sucateamento que vem de longe", disse, solidarizando-se também com os 26 marinheiros do Instituto Oceanográfico que ainda estão sob ameaça de demissão.

Como encaminhamentos da audiência pública, Giannazi vai acionar o Ministério Público e o Tribunal de Contas acusando o reitor Carlos Gilberto Carlotti de improbidade administrativa, uma vez que ele não está garantindo as atividades-fim da universidade. Além disso ele vai requerer que o reitor seja convocado pela Comissão de Ciência e Tecnologia. Por fim o movimento ainda vai redigir uma moção de apoio à luta contra as terceirizações na USP, processo que está por trás da ameaça de demissão dos marinheiros e também da desumanidade que está sendo cometida contra as funcionárias da limpeza, que estão proibidas de usar o Busp, circular que liga os prédios da Cidade Universitária à estação de metrô. "Essas mulheres são obrigadas a andar para poderem ir trabalhar, lembra muito a história de Rosa Parks", afirmou o estudante Pedro Pequini, que sugeriu o encaminhamento.

alesp