Barreiras burocráticas impossibilitam acesso de PCDs à isenção de IPVA

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11/04/2023 11:36 | Atividade Parlamentar | Da assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Conforme assumiu o auditor fiscal Luiz Fernando Garcia, que representou a Secretaria da Fazenda na audiência pública híbrida promovida por Carlos Giannazi (PSOL) em 5/4, a mudança de regras para a concessão de isenção de IPVA para as pessoas com deficiência (PCDs), ocorrida em 2020, usou a pandemia como pretexto para reduzir as despesas do Estado, retirando o benefício de 76% das pessoas que o possuíam.

O caráter draconiano da lei de 2020 (Lei estadual 17.293, originada do PL 529), entretanto, teria sido corrigido em 2021, quando, segundo Garcia, a norma estadual passou a se adequar à legislação federal. "Na lei do IPVA, a condição para se conceder a isenção repete ipsis litteris o que está na Lei Brasileira de Inclusão (LBI - Lei federal 13.146/2015)".

Barreiras

Na prática, o fim do benefício a milhares de PCDs continua existindo, agora por causa de barreiras burocráticas criadas pelo Estado. O editor do Diário PCD, Abrão Dib, que coordenou a audiência pública, afirmou que há 42 mil pessoas - de acordo com dados do Estado - enfrentando a necessidade de provar que ainda possuem algum tipo de deficiência. "O amputado precisa provar que continua amputado, a família que tem uma criança autista precisa provar que o filho continua autista."

Em vez de continuar credenciando a rede de médicos do Detran, que tem capilaridade em todos os municípios para prosseguir atestando ou não os casos de deficiência, o Decreto 66.470/2022, de fevereiro de 2022, exigiu que os laudos fossem expedidos exclusivamente pelo Imesc (Instituto de Medicina Social e de Criminologia). "Até maio de 2022, o Imesc não havia conseguido nem publicar o edital de credenciamento das clínicas", destacou Dib, relatando que os 13 pontos de atendimento são tão poucos em relação ao tamanho do território que é comum as pessoas terem de viajar 500 quilômetros para realizar a perícia.

Exame-relâmpago

O valor pago por perícia aos médicos credenciados (R$ 211) tem dificultado a adesão de um maior número de clínicas, conforme explicou o médico perito Felipe Salles, membro titular do Grupo de Trabalho Interdisciplinar criado especificamente para organizar as perícias para fins de concessão de isenção de IPVA. Ele também informou que o modelo escolhido para os exames foi a avaliação biopsicossocial, definida pela LBI.

Remuneração baixa por um exame detalhado - o periciando deve ser submetido a um questionário de 50 perguntas, muitas das quais nada relacionadas à deficiência relatada, como, por exemplo, quantas vezes por semana o entrevistado pratica relações sexuais - traz consigo um efeito colateral: a fraude. Para fazer com que o teto remuneratório estabelecido pelo Imesc se torne atrativo, muitas clínicas vêm agendando consultas de cinco em cinco minutos, intervalo de tempo em que seria impossível realizar o questionário, os exames, a análise de radiografias etc.

"Em muitos casos esse questionário não vem sendo aplicado, só cinco ou seis perguntas, mas ele aparece totalmente respondido, com informações aleatórias", denunciou Sandra Saltini, representante do Movimento PCD.

Imposições desumanas

Luís Augusto, de Ribeirão Preto, tem um filho de quatro anos com autismo severo (nível 3). O local mais próximo para realizar a perícia seria em Araçatuba, a 400 quilômetros. Entretanto, o transtorno impossibilita que a criança viaje, porque após 20 minutos no carro surgem as crises. "Ele começa a se debater, sai até do cinto de segurança, é muito perigoso", explicou. A solução encontrada foi por via judicial, pela qual conseguiu impor ao Imesc a obrigação de aplicar perícia domiciliar, que foi finalmente realizada em 30/3. "Eu imagino quantas pessoas vivem situações semelhantes a acabam perdendo a isenção do IPVA, à qual elas têm direito."

Se Luís Augusto teve de gastar com advogado para obter a perícia domiciliar, Donizete José Enoc, de Amparo, teve de pedir ajuda ao filho para pagar o IPVA do seu veículo. O tributo deveria estar suspenso, uma vez que ele já agendou perícia no site do Imesc antes da data limite, 28/2. Mas essa informação não foi repassada para a Secretaria da Fazenda e para o Detran, o que tornou impossível renovar o licenciamento do seu veículo por causa do débito do IPVA. Na verdade, a isenção de Donizete jamais deveria ter sido condicionada a qualquer renovação pericial, uma vez que sua deficiência se trata da amputação de uma perna na altura do joelho.

Inconstitucionalidade

Para o advogado Marcos Antônio da Silva, representante da Comissão 48, a Lei estadual 17.473/2021 e a Portaria SRE 30, que a regulamentou, têm constitucionalidade questionável. Para ele, a competência para a elaboração dos critérios da avaliação biopsicossocial seria da União e, enquanto eles não forem definidos, os laudos deveriam se basear apenas na constatação da deficiência.

"São avaliadas condições que nada dizem respeito à dirigibilidade dos veículos. Existem perguntas no questionário que servem somente para subestimar o grau de deficiência das pessoas, tirando-lhes o direito às isenções. Há casos de pessoas amputadas sendo classificadas como com deficiência leve", argumentou o advogado, que também acusou o Imesc por não considerar as indicações e propostas levadas pelas entidades representativas das PCDs, o que contraria a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, diploma que tem força de emenda constitucional.

Projeto de Lei 597

Em outubro de 2022, Carlos Giannazi protocolou, com o apoiamento de outros 22 parlamentares, o Projeto de Lei 597, cujo principal foco é possibilitar que os laudos para a isenção de IPVA possam ser emitidos por médicos credenciados pelo Detran ou pelo SUS. O projeto reajustaria também o valor máximo dos veículos que podem ser adquiridos com isenção, uma vez que o valor atual, de R$ 70 mil, deixou de ser compatível com o mercado de veículos novos.

Mais do que protocolar o PL 597, Giannazi o elegeu como prioritário no acordo feito na Assembleia segundo o qual cada parlamentar poderia levar à votação uma única propositura.

Aprovado em Plenário em 21/12/2022 - na forma de substitutivo, com várias alterações impostas pelo governo Rodrigo Garcia e pela equipe de transição de Tarcísio de Freitas -, o PL seguiu para a sanção do governador em 10/2. Frustrando todas as expectativas, em 8/3 o novo governador vetou integralmente o projeto.

Veto sem fundamentação

Participando da audiência, a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL/SP) se comprometeu a mobilizar o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal. "Todos nós, que desempenhamos funções públicas, temos de atuar dentro dos limites dos princípios da administração pública. E não há justificativa nenhuma para esse veto, a não ser a implantação de uma política permanente de exclusão das pessoas com deficiência." Membro titular da Comissão de Administração e Serviço Público, Luciene pretende promover, no âmbito daquele órgão temático, uma audiência pública questionando a fundamentação do veto assinado pelo governador Tarcísio.

O vereador paulistano Celso Giannazi (PSOL) contou que o Conselho de Inclusão Escolar também combate, em nível municipal, o mesmo tipo de desumanidade: obrigar pessoas com deficiências permanentes a se submeter a perícias periódicas para manter seus direitos. "É uma indignidade, uma crueldade sem tamanho."

Também participaram da reunião a deputada estadual Andréa Werner (PSB), sua assessora jurídica Vanessa Ziotti, além de várias pessoas com deficiência que relataram uma série de dificuldades, como: problemas com o agendamento da perícia; a distância dos postos de atendimento; a recusa dos médicos de analisar os exames levados; a publicação de laudos equivocados, como por exemplo, com dados de outras pessoas (com problemas em outras partes do corpo); e a impossibilidade, neste momento, de se recorrer do parecer emitido.


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