Opinião - Intolerância de quem?
A ofensa à honra alheia praticada com o fim de discriminar o ofendido em razão de sua raça, cor, religião, sexo, orientação sexual, caracteriza o crime de injúria qualificada pelo preconceito.
O racismo, por sua vez, é crime inafiançável e imprescritível, e consiste em segregar e negar direito a grupos específicos ligados por questões de raça, etnia, origem, sexo e assim por diante.
Avançando nessa linha, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, o PL 122/2006, o qual acrescenta um polêmico § 5º ao artigo 20 da Lei do Racismo, criminalizando qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica.
Referido artigo 20 tipifica o induzimento ou incitação ao preconceito. O parágrafo que se quer acrescer pretende agora incluir "qualquer tipo de ação" de cunho preconceituoso, alcançando idéias, conceitos ou dogmas, mesmo os de ordem religiosa ou moral. O pronome indefinido "qualquer" não deixa margem a interpretações equívocas. Nada fica de fora.
Embora motivada pela proteção à dignidade humana, a tipificação é vaga, genérica e imprecisa, afrontando o princípio constitucional da reserva legal, cujo pressuposto básico é a definição exata daquilo que se quer incriminar.
Além da legalidade, há outras garantias constitucionais ameaçadas, tais como inviolabilidade da liberdade de consciência, liberdade de manifestação do pensamento e a de que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política.
Vivemos em uma sociedade complexa e pluralista, na qual convivem as mais variadas culturas, religiões e comportamentos sociais, em tolerância recíproca às concepções ideológicas contrastantes.
O Direito Penal deve atuar de forma residual e ficar reservado apenas para casos evidentes de abuso, em que haja o claro intuito de ofender ou restringir direitos. O mais é pura liberdade de expressão do pensamento.
Nossa sociedade é uma sociedade de riscos e devemos sopesar os prós e contras de cada um deles, pois a cada direito corresponde o ônus da restrição de um comportamento. O risco de tolerarmos a livre expressão do pensamento alheio é o de ouvirmos algo que nos desagrade, mas é compensado pelo direito de também externarmos nosso ponto de vista.
Há países em que pessoas são presas, torturadas e mortas por recusarem-se a se submeter à religião oficial. No Brasil, temos liberdade para professarmos a nossa fé e nossas idéias, e essa garantia não pode ser suprimida. Seria contraditório permitir a liberdade de pensamento e, ao mesmo tempo, considerar crime o juízo emitido por alguém em razão de sua fé ou convicção. Divergir e aceitar o que nos contraria e magoa faz parte de um processo de aprimoramento das relações sociais dialéticas.
No caso de excessos proferidos com o nítido propósito de agredir, evidentemente haverá crime, já punido pela legislação em vigor. Afirmar, no entanto, que determinada relação de convívio humano é pecaminosa ou imoral, ou recusar as bençãos religiosas à união afetiva contrária aos dogmas de certa religião ou culto, não pode ser considerado preconceito para fins da repressão penal. O Estado é laico, mas cada culto é livre para seguir suas regras, sem interferência do Poder Público.
Nesse ponto, a pretensa inovação legislativa revela-se inconstitucional. Cabe aqui o conhecido pensamento de Voltaire: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las".
*Fernando Capez é procurador de Justiça licenciado, deputado estadual pelo PSDB, mestre pela USP e doutor pela PUC/SP.
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