O poeta social e a realidade social*
DA REDAÇÃO
Que a poesia de Carlos Drummond de Andrade tem um sentido social, um sentido "político" na significação mais alta da palavra, todos o reconhecem. Mas nem todos se dão conta desta significação: de dois lados opostos, a sua poesia sofre a interpretação como poesia tendenciosa, o que seria uma significação muito mais baixa, provocando acusações e elogios igualmente equívocos. Quanto às primeiras, não vale a pena ocupar-se com elas; provêm daqueles espiritozinhos, invidiosi d´ogni altra sorte [invejosos de todos os outros fados], que Dante encontrou no vestíbulo do Inferno, aconselhando Virgílio, a voz da Razão, ao poeta.
Non ragioniam di lor, uma guarda e passa
[neles não nos detenhamos, um olhar e basta].
Quanto àqueles elogios, porém, não basta objetar-lhes a índole essencialmente adeclamatória, isto é, atendenciosa, da poesia de Carlos Drummond de Andrade, nem o seu verso profundamente realista, em "Mãos dadas":
O tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Realmente, o problema não é tão fácil. O equívoco está na confusão entre o movimento poético e os movimentos da realidade social. Mas, não estarei caindo no mesmo equívoco? É lícito confrontar a poesia com uma realidade qualquer? É lícito confrontar a poesia lírica, expressão da experiência mais individual, com a realidade social, coletiva? O problema complica-se cada vez mais. A nossa época coletiva produz uma poesia, às vezes, hermética, mas que, em todo caso, não é e não pode ser poesia para todos. E a poesia antiga, que pretendeu ser para todos, estava e está rigorosamente separada da realidade. Devemos, porém, justamente ao conceito "Realidade" uma compreensão mais séria da poesia.
A realidade social faz parte da realidade geral, do mundo das sociedades, homens, bichos, coisas, objetos de toda espécie, daquele mundo que nos rodeia e limita, dando ao indivíduo a medida de sua solidão e a medida de sua capacidade de criar novas realidades. Fazer poesias, isto significaria transformar em luz própria a sombra que o mundo exterior deita na alma do poeta. Eis a definição, dada pelo poeta espanhol Pedro Salinas, na primeira de suas conferências Reality and the Poet in Spanish Poetry (Baltimore, 1940). O mundo, sempre "realista", mais realista do que o rei, não admite essa função real da poesia, não admite função nenhuma dela.
Assistiu, porém, a nossa época, ao desmoronamento de muitas realidades muito firmes, enquanto a poesia - diz Salinas - dá vida às sombras dos mortos e esperanças aos ainda não nascidos; "that is the ultimate miracle of poetry: that matter dies, perish, while the shadows remain and endure forever." [é este o mais último milagre da poesia: que a matéria morre, perece, enquanto as sombras permanecem e duram eternamente].
Recuperamos - após um século de subjetivismo romântico, que terminou em brincadeira, decoração, decadência e desespero - o papel objetivo da poesia. A poesia de Carlos Drummond de Andrade, expressão duma alma muito pessoal, é poesia objetiva. Não precisa de elogios subjetivos. Precisa duma interpretação objetiva.
Com isso, está eliminada a possibilidade duma interpretação personalista, psicológica, já inviável quando se trata dum poeta vivo, e particularmente de Carlos Drummond de Andrade, separando ele tão rigorosamente a sua vida particular e a sua poesia. Aliás, tal "dissociação da personalidade", estado de alma sempre fecundo para a poesia, não deixa de parecer estranha aos homens "normais". Provém daí a "estranheza" de toda a poesia de Carlos Drummond de Andrade, reflexo duma grande angústia e índice duma tensão dramática, dum conflito não resolvido, e que continua. O aspecto formal desse conflito, que exclui a harmonia, a da alma e das esferas, é a falta da rima:
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
A poesia de Carlos Drummond de Andrade, poesia de precisão máxima, está sem música. Isto seria uma falta para o pobre Banville, definitivamente enterrado, e os seus sequazes maníacos. Mas o tempo já mudou. Não descobrimos uma nova poesia, propriamente; antes, redescobrindo poesias antigas de índole diferente, reconhecemos que há poesias diferentes. Hoje, é preciso um catholic taste, como dizem os ingleses, para apreciar, ao lado dos diferentes verbos líricos do passado, o novo verbo lírico do tempo presente. Carlos Drummond de Andrade, representante de um novo verbo lírico, é um poeta muito diferente, e o "bom-gosto" mal-educado não basta para interpretar devidamente essa poesia, feita com a maior precisão duma inteligência superior. Não é poesia em imagens, à qual muitos estão acostumados; é poesia em conceitos, comprável, um tanto, à poesia conceptualista do barroco. Como esta e como toda poesia conceptualista moderna, está ameaçada de dois perigos: tornar-se livresca, bookish, como a de T. S. Eliot, ou cair em indisciplina formal, como a de Edward E. Cummings e Wallace Stevens. Carlos Drummond de Andrade está preservado disso pelo acordo raro de certa ingenuidade rústica com a mais rigorosa disciplina intelectual. Nunca será sentimental, em qualquer sentido. Assim, deu o passo decisivo da melancolia da sua época "pré-histórica" à angústia, com a qual o verdadeiro poeta Carlos Drummond de Andrade nasceu tarde. Desde então, defende a posição, que lhe custou, com a arma suprema da autodefesa do indivíduo: com o humor satírico, que, na sua poesia, não passa nunca dum incidente, mas é também índice significativo do seu dramatismo interior.
*Otto Maria Carpeaux. Origens e fins. Rio de Janeiro, CEB, 1943 [pp. 329-333]. Apud Carlos Drummond de Andrade, Poesia e Prosa, em um volume. 7ª ed. - Aparecida, Editora Nova Aguilar, 1992.
Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
Carlos Drummond de Andrade, Poesia e Prosa, em um volume. 7ª ed. - Aparecida, Editora Nova Aguilar, 1992, p. 57.
Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Idem, p. 68
Os Ombros Suportam o Mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Ib., p. 67/68
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