Quinta feira - 19 de agosto de 1954

Especial Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 50 anos de uma tragédia brasileira
18/08/2004 18:08

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José Antônio Soares <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Jose Antonio Soares.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Documento de Gregório <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/documentosgregorioA.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Documentos revelam envolvimento de Gregório com o jogo do bicho<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/documentosgregorioJOGODOBICHO.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Vicente Paula Lima, ex-presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/VicentePaulaLima.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Na Base Aérea do Galeão, às 10 horas, foram apresentados à imprensa os envolvidos no crime da Tonelero. O primeiro a aparecer foi Gregório Fortunato, acompanhado por seu advogado, Carlos Araújo Lima. O ex-chefe da guarda estava bem disposto, demonstrando boa aparência e, segundo os jornais, "vestido com elegância".

O segundo a entrar na sala foi João Valente, ex-subchefe. Afável e sorridente, elogiou o tratamento recebido por parte da Aeronáutica e, em tom de blague, disse que "estava comendo peru".

O assassino do major Vaz, Alcino João do Nascimento, entrou em seguida também enaltecendo o tratamento dos oficiais da FAB, inclusive a boa qualidade do colchão de molas em que estava dormindo.

O motorista Nelson Raimundo declarou que não queria sair da Base do Galeão, pois temia sofrer represálias, caso fosse transferido para uma prisão.

Finalmente apareceu Climério, que não disse absolutamente nada. Estava pálido, abatido e parecia acuado na presença de todos.

Foi preso em Muriaé, Minas Gerais, com Cr$ 30 mil no bolso em cédulas novas, José Antonio Soares, sócio e compadre de Climério, quando fugia em um táxi para a cidade de Campos, no Estado do Rio de Janeiro. Estava em companhia de seu pai e sua mulher. Conhecido na região como ladrão de cavalos, Soares estava portando um revólver "Smith & Wesson", calibre 38, e afirmou que "Jafet não tinha sido o mandante". Ricardo Jafet era o ex-presidente do Banco do Brasil, cunhado de Paulo Salim Maluf, e teve o seu nome envolvido no crime, mas nada ficou apurado contra ele. A FAB mandou um avião buscar Soares e conduzi-lo para o Galeão. A polícia civil só chegou duas horas depois ao local. José Antonio Soares era o último dos envolvidos que ainda estava livre.

Foi divulgada a íntegra do depoimento prestado por Alcino ao IPM no Galeão. Declarou: "foi Lutero quem armou o meu braço para o crime". O coronel Adil esclareceu pontos de uma entrevista radiofônica que foi explorada pelo governo e cuja gravação foi transmitida imediatamente pela "A Voz do Brasil" e pela rádio Nacional com o propósito de inocentar o deputado Lutero Vargas.

O presidente do inquérito policial civil, Silvio Terra, perguntado sobre os acusados pelo atentado, afirmou que "qualquer juiz condenará essa gente à pena máxima".

Envolvido no inquérito por ter dado guarida aos implicados no assassinato do major Vaz, foi detido pela Aeronáutica e preso no Galeão Arquimedes Manhães, que havia sido assistente de Roberto Alves, ex-secretário particular do presidente da República. Ambos foram demitidos após envolvimento no escândalo do algodão, quando compraram o produto em baixa e depois entregaram-no ao Banco do Brasil pelo valor do financiamento que haviam feito, beneficiando-se da manobra realizada. Sabedor da prisão, seu patrão, o japonês Iassutaro Matsubara, dono de uma firma na cidade de Marília, tentou visitá-lo na prisão e acabou também detido, depois de Arquimedes ter afirmado no IPM que ele havia conseguido 500 mil cruzeiros para a campanha de Alves a deputado federal.

O jornalista Carlos Lacerda foi a São Paulo, onde proferiu palestras. Discursou no Instituto de Engenharia, no Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e nas estações de televisão Tupi e Record, que transmitiram em cadeia de emissoras radiofônicas da capital e do interior do Estado. Lacerda, para surpresa de todos, apresentou vários documentos do arquivo de Gregório, dizendo não saber quem os havia entregado a ele.

Diversas entidades de classe sediadas na capital paulista apoiaram a saída de Vargas, inclusive o presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, deputado Vicente de Paula Lima (UDN), que declarou: "Sou favorável à renúncia do sr. Getúlio Vargas. É a única solução para a normalização da vida nacional".

Na Câmara Federal, o deputado Castilho Cabral (PSP-SP), que presidiu a CPI do escândalo que envolveu Samuel Wainer e seu jornal, o Última Hora, sustentou que acórdãos de diversos tribunais, publicados na Revista Forense, obrigavam a renúncia do presidente da República. O Instituto dos Advogados, em reunião de seus integrantes, pediu às Forças Armadas que retirassem o sr. Getúlio Vargas do Palácio do Catete e garantissem a posse do sr. Café Filho, vice-presidente eleito, para que a legalidade fosse restaurada no país.

Em reunião do almirantado, no Ministério da Marinha, "para estudo das várias sugestões tendentes a solucionar a presente crise nacional dentro dos preceitos da Constituição", ficou decidido que continuariam os entendimentos entre os altos chefes das Forças Armadas".

O ministro Zenóbio declarou: "A ordem será mantida. Nessa promessa, empenho minha própria honra".

A Comissão do Inquérito Policial Militar da Aeronáutica, constituída para apurar o crime da Tonelero, após analisar os documentos apreendidos no Catete, pertencentes ao arquivo de Gregório Fortunato, divulgou o conteúdo pela imprensa. Tal fato constituiu uma peça importante da escalada oposicionista, habilmente explorada pela imprensa e pelos parlamentares da UDN, que exigiram a renúncia de Getúlio. O exame desse material revelou a cumplicidade do ex-chefe da guarda numa série de transações financeiras vultosas e ilícitas, envolvendo negociatas com departamentos e diversos membros do governo. O escândalo envolvia inclusive o jogo do bicho no Rio de Janeiro, que contribuía financeiramente para uma caixinha administrada por Gregório. A denúncia mais grave foi a de obtenção de um empréstimo de três milhões de cruzeiros, junto ao Banco de Brasil, para a compra de um pedaço de terra de uma fazenda de propriedade de Manuel Vargas, o Maneco, filho do presidente da República.

Estarrecido e decepcionado com o conteúdo dos documentos divulgados, foi chamado ao Palácio do Catete o coronel João Adil de Oliveira, que confirmou os fatos que estavam sendo apurados. À medida que o responsável pelo IPM narrava ao presidente os escândalos, a corrupção, seu acabrunhamento crescia. Sua fisionomia tornou-se contristada. Ele intercalou a narrativa com expressões como: "Que coisa incrível!", "Que miséria!", "É de estarrecer!", "É de pasmar!". Ao término da explanação do coronel Adil, o presidente Getúlio Vargas desabafou: "Tenho a impressão de me encontrar sobre um mar de lama".

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