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Comissão de Direitos Humanos - 15ª Legislatura


04/09/2003 - Secretário de Estado da Administração Penitenciária, Dr. Nagashi Furukawa - A Questão Prisional no Estado de São Paulo

ATA DA PRIMEIRA REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA DA DÉCIMA QUINTA LEGISLATURA

Aos quatro dias do mês de setembro do ano dois mil e três, às dez horas, no Plenário D. Pedro I da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, realizou-se a Primeira Reunião Extraordinária da Comissão Direitos Humanos, da Primeira Sessão Legislativa da Décima Quinta Legislatura, presidida pelo Senhor Deputado Renato Simões. Presentes os Senhores Deputados Rosmary Corrêa, Edson Aparecido, Maria Lúcia Prandi e Giba Marson. Ausentes os Senhores Deputados Roberto Alves, por motivo justificado, Havanir Nimtz, Ítalo Cardoso e Jorge Caruso. Presentes ainda, acompanhando os trabalhos da Comissão, os Senhores Deputados Pedro Tobias e Rogério Nogueira e também o Promotor Carlos Cardoso, Assessor de Direitos Humanos da Procuradoria de Justiça do Estado. Havendo número regimental, o Senhor Presidente deu início à reunião solicitando a leitura da Ata da reunião anterior que, por solicitação da Deputada Rosmary Corrêa, foi suspensa e dada por aprovada. A reunião tinha como objetivo debater "A Questão Prisional no Estado de São Paulo", principalmente o Complexo de Campinas/Hortolândia e a situação da mulher encarcerada, com a presença do Secretário de Estado da Administração Penitenciária, Dr. Nagashi Furukawa. Estavam também presentes representantes do Movimento Nacional de Direitos Humanos/SP, do Centro de Justiça Global, da Comissão Municipal de Direitos Humanos, do ILANUD, da Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo, do Instituto Terra Trabalho e Cidadania, do Fala-Preta - Organização das Mulheres Negras, da AFACE - Associação de Familiares e Amigos do Cidadão sem Liberdade, da B'Nai B'rith do Brasil, da Associação Olha o Menino, da Pastoral Carcerária Nacional, da Comissão Teotônio Vilela e do Deputado Sebastião Arcanjo. O Senhor Presidente convidou o Dr. Nagashi Furukawa a fazer parte da Mesa e a fazer suas considerações iniciais. O Secretário, entre outras coisas, informou que atualmente existem cerca de 120.000 presos no Estado, dos quais 95.000 estão sob a responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária, equivalentes a quase oitenta por cento do total; outros 25.000 presos encontram-se sob a responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública. Segundo ele, a grande dificuldade enfrentada pela Secretaria é executar obras para receber a enorme quantidade de presos que todos os meses entra no sistema carcerário; os recursos são insuficientes e a lei de licitações torna o processo moroso. Ainda assim, declarou o Secretário, milhares de vagas foram criadas nos últimos anos. Além disso, reclamações de maus tratos e tortura têm diminuído conforme dados da Ouvidoria, como também o número de homicídios e de fugas nas prisões. Comentou as dificuldades de se melhorar a eficácia na administração direta, comparou seu baixo desempenho com os bons resultados obtidos na administração compartilhada de presídios; acrescentou que, neste caso, ficam a cargo das entidades conveniadas a alimentação dos presos, manutenção em geral e os serviços de assistência médica, odontológica, psicológica e social, ficando a administração direta com a parte disciplinar e de segurança. Informou que o custo mensal de um preso na administração direta chega a setecentos e oitenta reais, enquanto na gestão compartilhada está em torno de quatrocentos e oitenta reais. Ressaltou que a total desativação das carceragens nos distritos policiais é preocupação permanente do Governo, que gostaria de poder fazê-lo até o final do ano. Após, falaram os Senhores Deputados Rosmary Corrêa, Giba Marson, Maria Lúcia Prandi e Renato Simões. A Deputada Rosmary Corrêa elogiou o Secretário por atender sempre prontamente aos convites da Assembléia. Disse que ele tocou num ponto básico, a carceragem nos distritos policiais, que a preocupação de todos é a desativação nos 50 distritos restantes; perguntou se existe um planejamento para isso. Lamentou o fato de as mulheres estarem engrossando as estatísticas da criminalidade. Enfatizou que considera um equívoco e discorda da eliminação do exame criminológico. O Deputado Giba Marson pediu a opinião do Secretário sobre o aumento brutal de prisões. Indagou se os presos perigosos têm as mesmas regalias dos demais presos e se é fato que familiares de presos vêm instalando residência até mesmo ao lado de presídios de segurança máxima. Solicitou esclarecimentos sobre a situação de São Bernardo do Campo. A Deputada Maria Lúcia Prandi registrou o espírito democrático do Secretário e cumprimentou as entidades da sociedade civil. Expressou sua preocupação com a situação dos jovens, seu envolvimento com o narcotráfico, e mencionou a gravidade do sistema penitenciário na Baixada Santista. Lamentou que o sistema penitenciário no Estado não tenha se estruturado para receber mulheres e pediu especial atenção à saúde da mulher presa. Observou o fato de que, no caso das mulheres, há um percentual muito maior delas em distritos policiais. Disse que não tem visto melhora significativa nos presídios conveniados. Fez observações sobre a situação da presa estrangeira. Indagou como se está caminhando quanto ao combate à corrupção no sistema carcerário. O Presidente saudou o Secretário e agradeceu por seu comparecimento à reunião da Comissão de Direitos Humanos para discutir o sistema penitenciário. O Deputado Renato Simões, entre outros assuntos, comentou a desoneração da Secretaria de Segurança motivada pelo aumento de eficiência da Secretaria de Administração Penitenciária, o que deveria resultar em repasse de verbas daquela para esta Secretaria. Sugeriu um planejamento estratégico que estabeleça essa compensação. Lamentou que a remissão de penas torne-se, na prática, um direito não cumprido. Declarou que o presídio de Hortolândia encontra-se na contramão da política penitenciária de fechamento de unidades grandes. Propôs cuidado com a transferência de encargos para ONGs que não estariam, muitas vezes, capacitadas a resolver o problema em sua complexidade. Disse que a penitenciária do Tatuapé, mesmo reformada, continua muito ruim e que o melhor seria desativá-la. O Secretário, entre outras coisas, respondeu que a situaçãodo Complexo Campinas/Hortolândia está controlada com as novas unidades lá construídas e que não tem notícias de que familiares de presos estejam se instalando nas imediações. Quanto às mulheres, informou que diversas medidas têm sido tomadas, como a instalação do Centro de Atendimento à Saúde da Mulher; e que, embora a maioria das mulheres condenadas ainda não tenha sido transferida para o sistema penitenciário, o processo está em andamento. O Secretário lembrou que não tem o controle do número de entradas e saídas nos presídios e que, por isso, tem dificuldade para dizer com exatidão quando vai ser possível desativar totalmente as carceragens. Disse que essa meta poderia ser alcançada até o final do próximo ano, não fosse o brutal aumento no número de prisões ocorrido nos últimos anos. Falou das dificuldades para nomeação de novos servidores e que não adianta construir sem a garantia de que haverá funcionários. Informou sobre a expansão do número de leitos para presos doentes; e sobre a criação de acomodações para mulheres condenadas passarem 4 a 6 meses com filhos recém-nascidos fora da penitenciária. Respondeu que o enorme aumento no número de prisões deve-se a maior eficiência da Polícia e ao crescimento da criminalidade. Deu esclarecimentos sobre as dificuldades enfrentadas para a instalação do Centro de Detenção Provisória de São Bernardo do Campo, inclusive a resistência e restrições da comunidade e da Prefeitura. Lembrou que há 9 meses não ocorrem rebeliões e que para isso contribuiu a retirada de regalias. Disse não ter notícia de familiares residindo próximo de presídios. Informou que são 6.000 mulheres numa população carcerária total de 120 mil pessoas. O Secretário reconheceu o desequilíbrio da quantidade de mulheres em distritos policiais em comparação aos homens e forneceu os números: de um total de 6.698 mulheres presas no Estado, 4.093 encontram-se em distritos policiais (60 por cento) e 2.605 no sistema penitenciário, sendo que este número deve passar em breve para 3.200 Mas que, com as providências em andamento, o desequilíbrio deve estar em breve solucionado. Pretende transferir mulheres para Franco da Rocha, ao lado da Febem, porém com melhores condições do que as atuais. Reconheceu que a atenção à saúde dos presidiários ainda está longe do ideal, mas considerou uma grande conquista integrá-los ao SUS, o que vai agora viabilizar a transferência de recursos federais para esse fim. Confirmou que os processos de extradição são muito morosos, dependem da Polícia Federal, lembrando que os presos estrangeiros não têm o benefício da liberdade provisória. Informou que corrupção no sistema penitenciário ainda existe, porém não mais institucional, generalizada, forma esta que, garantiu, não existe mais; acrescentou que toda denúncia é apurada pela Corregedoria e as punições acontecem, inclusive casos de maus tratos e tortura. Recordou que a grave situação das carceragens em distritos policiais vem de longe, há mais de 20 anos, quando o Governo de então aumentou de 50 para 100 o número de distritos abrigando presos; que essa situação é responsabilidade de todas autoridades, inclusive do Judiciário, que "todos nós deveríamos ter nos insurgido contra isso desde 1976 quando essa situação foi criada." Falou da importância do Fundo Penitenciário Nacional. Recordou a situação de Campinas anterior à construção do Complexo Penitenciário, quando os presos provisórios não tinham onde ficar, todo dia havia fugas, numa situação muito pior do que na Capital. Falou da sintonia da sua Secretaria com a de Segurança Pública, que considera normal a disputa por recursos e esclareceu que tem recebido reforços orçamentários. Informou que presos de cidades médias do interior deverão ficar nos novos centros de ressocialização, e os presos de cidades de grande porte do interior nos Centros de Detenção Provisória. Lembrou que, nesta gestão, foram criadas mais de 2.500 vagas em regime semi-aberto, número esse que considera suficiente. Informou haver 35.000 presos já julgados trabalhando nas oficinas de trabalho. Disse da idéia de se transferir mulheres do Tatuapé para a Penitenciária do Estado, no Carandiru. Usaram também a palavra Michael Mary Nolan, do Instituto Terra Trabalho e Cidadania, Heidi Cerneka, da Pastoral Carcerária Nacional, Olga Espinoza Marila (ou Mairla?), do ILANUD, Deisi Benedito, do Fala-Preta - Organização das Mulheres Negras, e Dalva Rodrigues Carvalho, da Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo. A Senhora Michael lembrou que os recursos federais se destinam estritamente ao sistema penitenciário e que não chegam às carceragens administradas pela Polícia que, no caso das mulheres, são maioria. Defendeu o fechamento da unidade do Tatuapé. Registrou o caráter vexatório das revistas. Disse que os processos de expulsão de presos estrangeiros estão sustados por falta de defensores federais. A Senhora Heidi perguntou sobre a possibilidade de transferência de presas do interior para a Capital. Elogiou as melhorias ocorridas nas condições das presas que se encontram amamentando seus bebês e pediu aumento do espaço para elas. A Senhora Olga perguntou se existem programas para os egressos além do sistema administrado pela FUNAP, e se existe algum programa específico para a mulher egressa. Observou que a mulher presa é sempre mais abandonada que o homem preso devido à rejeição social, muitas vezes até por parte da família. A Senhora Deisi comentou o caso da mulher presa idosa que precisa de remédios e da mulher negra com anemia falsiforme. Comentou a insatisfação das presas brasileiras com o que consideram privilégios das estrangeiras, referiu-se à proposta de um Plano Nacional da Mulher Presa. Questionou as referências a privilégios ou regalias, argumentando que tomar banho não é regalia. Disse que a sociedade é mais punitiva com a mulher presa. A Senhora Dalva comemorou o ingresso dos sentenciados no SUS, mas lembrou que, por falta de pessoal de escolta, muitas vezes eles não são levados ao atendimento. Disse também faltar estrutura para os familiares nos dias de visitas, como banheiros. O Secretário Furukawa discordou que o presídio do Tatuapé não sirva, disse considerá-lo melhor que muita favela, muito cortiço, e que não se pode esquecer que estamos no Brasil onde há muita gente honesta morando embaixo da ponte. Confirmou que há cadeias públicas do interior abrigando ainda mulheres, mas que estão sendo providenciadas as transferências. Declarou que já houve sensível avanço em relação à saúde da mulher e que está providenciando novas melhorias. Informou que existe uma política de atendimento a egressos afeta ao Departamento de Reintegração Social, que foi transferido da Secretaria da Saúde para a sua Secretaria. Falou da importância do envolvimento de outras secretarias e municípios. Informou que a unidade do regime semi-aberto feminino, localizado no presídio do Butantã, será transferida para a Penitenciária do Estado. Disse ser fundamental conseguir o equilíbrio entre o número de entradas e o de saídas no sistema penitenciário e que, na atual situação, sem o controle sobre isso, é impossível atender adequadamente a demanda. Lembrou que não se pode esquecer que estamos num país sem dinheiro suficiente parasaúde, habitação, com 22 por cento de desemprego. O Dr. Carlos Cardoso lembrou as atribuições legais do Ministério Público quanto ao ingresso de criminosos no sistema carcerário e na proteção aos direitos humanos dos encarcerados. Transmitiu, em nome do Procurador Geral de Justiça, o reconhecimento do esforço gigantesco desenvolvido pelo Governo na modernização do sistema penitenciário nos últimos 9 anos. Lembrou que o progresso alcançado coincidiu com o enorme aumento da criminalidade e da população encarcerada, e que há questões cujo enfrentamento cabem ao Poder Executivo liderar. Destacou que, a despeito de todos os esforços, é preciso que o conjunto do Governo estadual atente para a dramaticidade da situação do sistema carcerário no Estado de São Paulo. Mencionou que, na visita a distritos policiais, pode-se verificar a situação animalesca em que vivem muitos detentos, onde, em muitos casos, não há qualquer contato com o sol. Observou que, em que pesem os crescentes investimentos da União e do Estado, a assistência judiciária, por exemplo, permanece errática e morosa. Lembrou que, apesar dos inegáveis progressos na área de saúde, o atendimento frequentemente restringe-se a situações extremas, e falta prevenção. Disse haver ainda muita ociosidade dos presos, apesar da grande expansão ocorrida com as oficinas de trabalho. Conclamou à ampliação dos programas de reinserção social de egressos, articulando-se o conjunto do Governo e sociedade, com o objetivo de se diminuir as reincidências. O Secretário argumentou que, se a chave da saída do sistema penitenciário estivesse nas mãos do Governo, essa situação de desumanidade estaria resolvida. Associou a falta de competência legal do Executivo para controlar a entrada e saída do sistema penitenciário às normas que impedem a contratação de funcionários além do necessário. Informou que o Governo já investiu cerca de 700 milhões de reais no sistema. Afirmou que muitos daqueles que já deveriam estar saindo das penitenciárias, não estão saindo, e lamentou a insensibilidade do Poder Judiciário para esse fato. O Secretário questionou a atual distribuição de competências legais em relação à matéria. O Presidente comunicou a todos o convite feito ao Presidente do Tribunal de Justiça para comparecer a uma reunião da Comissão de Direitos Humanos. Comunicou também o convite recebido pela Comissão para visitar a carceragem da Polícia Federal, que estendeu às entidades presentes. Nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e encerrou os trabalhos, que foram gravados pelo Serviço de Audiofonia e, após transcrição taquigráfica, farão parte desta Ata lavrada por mim, Francisco José Magalhães de Toledo, que secretariei a reunião, e assino após Sua Excelência.

Aprovada em reunião de 11/09/2003

a) RENATO SIMÕES - Presidente

a) Francisco J. M. Toledo - Secretário

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