LEI N. 2.059, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1924

Dispõe sobre o processo de menores delinquentes

O Doutor Carlos do Campos, Presidente do Estado de São Paulo,
Faço saber que o Congresso Legislativo decretou e eu promulgo a lei seguinte:

Artigo 1.º
- Fica creado na comarca da Capital, para amparo e protecção processo e julgamento dos menores abandonados o delinquentes, o cargo de juiz privativo de menores.


Artigo 2.º
- As suas attribuições serão;

1) - processar e julgar o abandono de menores e os crimes ou contravenções por elles praticados;
2) - proceder á verificação do estado physico e moral dos menores sujeitos ás suas deliberações, e, ao mesmo tempo da situação moral social e economica dos paes, tutores e responsaveis pelos alludidos menores;
3) - ordenar as medidas concernentes ao tratamento, collocação, guarda, vigilancia, e educação dos menores abandonados e delinquentes;
4) - nomear os commissarios de vigilancia, retribuidos e acceitar e dispensar os voluntarios ou gratuitos que se offerecerem;
5) - conceder e revogar o livramento condicional aos menores internados em escolas de refórma, na cormarca da sua jurisdição;
6) - designar a pessoa sob cuja vigilancia deverá ficar cada um dos menores que obtiver esse favor e a fórma da mesma vigilancia;
7) - decretar a suspensão ou a perda do patrio poder, relativamente aos menores abandonados a delinquentes;
8) - nomear-lhes e destituir-lhe os tutores;
9) - fixar a pensão devida pelo pae, mãe ou pessoa obrigada á prestação de alimentos;
10) impôr as multas a que se referem os paragraphos 15 e 31 do artigo 3º da. lei n. 4.242, de 5 de Janeiro de 1921, e artigo 33, n. 6, letra a, do regulamento approvado pelo decreto nº 16.272, de 20 de Dezembro de 1923;
11) - fiscalizar os estabelecimentos publicos ou privados, em que se acham menores sob sua jurisdicção, tomando  as providencias que lhe parecerem convenientes;
12) - Fiscalizar, por intermedio dos commissarios de vigilancia, a observancia dos artigos 210, 211, § unico; 212 §1º e 2º; 213 §1º, 2°, 3º 4,º e 5º do decreto 2918, de 9 de Abril de 1918, que baixou por autorisação contida na lei n 1596, de 29 de Dezembro de 1917;
13) - organizar um relatorio annual, minucioso e documentado, do movimento do juizo, remottendo-o, no primeiro mez do anno seguinte á Secretaria da Justiça e da Segurança Publica;
14) - cumprir e fazer cumprir as disposições dessa lei e respectivo regulamento.

Artigo 3.º
- O juizo privativo de menores se comporá, além do respectivo juiz, dos seguintes funccionarios:
1 curador e promotor;

1 medico;
1 escrivão;
1 escrevente habilitado;
3 commissarios de vigilancia (2 homens e 1 mulher);
2 officiaes de justiça;
1 servente e porteiro.
Artigo 4.º- Ao curador competirá promover os processos de abandono, de suspenção ou perda do patrio poder, de nomeação e designação da tutela e de cobrança das multas impostas pelo juizes de menores; servindo como promotor publico nos processos contra menores delinquentes.
Artigo 5.º - Ao medico incumbirá proceder a todos os exames periciaes e observações dos menores sujeitos ás decisões do Juizo, e fazer ás pessoas das familias dos menores as visitas necessarias para as investigaçõs dos antecedente hereditarios e pessoas destes.
Artigo 6.º- Aos commissarios de vigilancia caberá procederem a todas as investigações concernentes aos menores, ao meio em que estes viverem e ás pessoas que os cercarem; deterem ou apprehenderem os menores abandonados ou delinquentes, apresentando-os ao juiz; cumprirem as determinações e ordens que por este lhe forem dadas.
§ 1.º - Os commissarios de vigilancia serão de immediata confiança do juiz.
§ 2.º - Poderão ser admittidos como commissarios, voluntarios ou gratuitos, pessoas de um ou outro sexo, que, pelo mesmo juiz, forem considerados idoneas.

Artigo 7.º - Serão nomeados:
a) o juiz, o curador , o medico e o escrivão por decreto do presidente do Estado, livremente;
b) os demais funccionarios pelo juiz.

Artigo 8. º
- É classificado como de entrancia especial o cargo de juiz de menores, creado por esta lei.

§ unico. - Os vencimentos do pessoal juizo serão os da tabella annexa.

Artigo 9.º - As funcções de juiz de menores fóra da capital, serão desempenhadas pelos juizes de direito e onde houver mais de um, o competente será o da 2ª vara. O cargo de curador será exercido pelo 2º promotor publico da comarca. Sevirão como commissarios de vigilancia os officiaes de justiça ou pessoas idones que, voluntariamente e sem retribuição pecuniara, a isso se prestem.
Artigo 10 - O juiz de menores será substituido, nos casos de vaga, impedimentos e licenças; na comarca da capital, pelo juiz da 1º vara de orphams: nas outras comarcas, de accôrdo com os preceitos communs. Segundo esses preceitos far-se-á substituição dos demais funccionarios.
Artigo 11 - O processo para verificação do estado de abandono de menores, de suspensão, perda e reintegração do pátrio poder e de nomeação e destituição de fatores será summarissimo.
§ 1.º - Este processo poderá ser promovido ex-officio por iniciativa do curador ou por outra qualquer pessoa.
§ 2.º - Da decisão caberá recurso de appellação, no effeito devolutivo sómente para o Tribunal de Justiça. Ao accordam por este preferido só poderão ser oppostos embargos de declaração. Para a execução, serão devolvidos os autos ao juizo a quo.
Artigo 12. - As multas serão cobradas por acção executiva, intentada pelo curador, cabendo da decisão final recurso de appellação para o Tribunal de Justiça, nas mesmas condições do artigo antecedente.
Artigo 13. - Qualquer autoridade policial, logo que tenha conhecimento de crime ou contravenção imputados a menor, communicará, immediatamente, o facto ao Juizo competente, prestando-lhe todas as informações que possuir.
§ 1.º - Jamais o fará transportar em carro destinado á conducção de presos, determinando que o seu transporte se opere sob a vigilancia de funccionarios da policia civil.
Paragrapho 2.º - Nenhuma deliberação tomará o juiz, sem prévio exame medico na pessoa do menor, para o fim de artigo 3°, paragrapho 18 da lei n. 4.242, da 1921.
Artigo 14. - Os processos a que forem submettidos os menores serão sempre secretos. Todavia, salvo circumstancias especiaes a criterio do juiz poderão assistil-os os paes ou representantes legaes dos menores, as autoridades e os membros das sociedade de protecção ou patronato. O julgamento dos recursos será também secreto.
Paragrapho 1.º- A denuncia deverá ser minuciosa trazendo a indicação necessarias á sua elucidação. Recebendo-a, o juiz abrirá a instancia de instrucção atrazo nunca superior a 15 dias.
Paragrapho 2.º - Durante a instrucção, o promotor publico e o menor poderão, a criterio do juiz, solicitar todas as diligencias que entenderem necessarias á prova da denuncia ou da defeza, que deverá ser préviamente deduzida por escripto.
Paragrapho 3.º - Finda a instrucção, o juiz designará audiencia de julgamento, em que ouvirá, verbalmente, cada um por sua vez, o promotor publico e o defensor. O juiz lavrará sua sentença no prazo de tres dias, publicando-a em mãos do escrivão.
Paragrapho 4.º - Em caso algum será permittido á parte offendida intervir no processo como auxiliar da accusação.
Artigo 15. - É o Poder Executivo autorizado a mandar construir, em terrenos do Instituto Disciplinar, ou onde for mais, conveniente, uma Escola de Preservação para menores de 14 annos do sexo masculino e uma Escola de Preservação e Reforma para menores de 18 annos do sexo feminino,
Paragrapho 1.º - Nestes estabelecimentos, que serão distantes um do outro, que não terão nenhuma communicação entre si e que comportarão tantos pavilhões quantos forem necessarios, os menores serão divididos em tres classes completamente separados a saber: 1ª menores abandonados; 2ª menores pervertidos; 3ª menores delinquentes.
Paragrapho 2.º - Além desses institutos, haverá uma Escola de Reforma para os maiores de 14 annos e menores de 18, do sexo masculino, e ahi serão tambem internados os maiores de 18 e menores de 21 annos condemnados como vadios, mendigos e capoeiras.
Paragrapho 3.º - Emquanto não estiverem concluidos os alludidos pavilhões, os menores do sexo masculino, que não houverem attingido 18 annos, assim como os maiores de 18 annos e menores de 21, condemnados por vadiagem, mendicidade e capoeiragem, serão recolhidos ao estabelecimento actual, fazendo-se as possiveis separações. Paragrapho 4.º - Os menores de qualquer sexo poderão ser entregues a instituições particulares do patronato, quando forem realmente abandonados. Si forem pervertidos ou delinquentes, poderão ser recolhidos a asylos cujo regimen se preste a regeneral-os.
Artigo 16 - As escolas de preservação ou reforma da capital e de Mogy-mirim, poderão ser recolhidos os menores abandonados, pervertidos e delinquentes de outras comarcas, mediante guia do respectivo juiz, acompanhada de copia do processo e de todas as informações convenientes. Esses menores ficarão á disposição do juiz a que forem remettidos.
Artigo 17.º - O juizo de menores, na comarca da capital, funccionará em edificio que o governo designará. No mesmo edificio poderá ser installado um abrigo provisorio, destinado ao recolhimento e guarda dos menores durante o processo do abandono ou criminal, devendo ser distribuidos em turmas, conforme o motivo do recolhimento, edada e perversão.
Artigo 18. - No regulamento que expedir para a execução da presente lei, estabelecerá o governo a organização interna das escolas de preservação e reforma, assegurando, de modo mais perfeito a applicação dos methodos adequados a cada classe de menores.
Artigo 19. - Fica o Poder Executivo autorizado a submetter ao regimen da presente lei os actuaes estabelecimentos destinados á detenção e correcção de menores, podendo crear e localizar onde mais convier novos institutos desse genero, ad referendum do Congresso.
Paragrapho 1.º - Para esse effeito poderá o Poder Executivo permutar ou alienar, no todo ou em parte, os terrenos annexos aos institutos disciplinares do Estado.
Paragrapho 2.º - Nos institutos que remodelar ou crear, procurará o Poder Executivo conformar o ensino ministrado aos menores ás exigencias da zona em que os mesmo estiverem localizados.
Artigo 20. - A associações e a particulares fica o direito de fundar, sobre as bases da presente lei e sob a fiscalização do juizo de menores, estabelecimentos destinados á internação e educação de menores de qualquer sexo, moralmente abandonados.
Paragrapho unico. - A esses estabelecimentos será concedida pelo Estado uma subvenção pecuniaria annual em proporção ao numero de menores recolhidos.
Artigo 21 - Fica creado na Capital e em cada comarca do Estado um Conselho de Assistencia e Protecção dos Menores, ao qual se applicarão, mutatis mutandis os artigos da Parte Especial, Cap. V do Decreto federal n. 16.272, de 20 de Dezembro de 1920.
Paragrapho unico. - Desse Conselho farão parte pessoas e instituições nomeadas pelo Secretario de Estado dos Negocios do Interior.
Artigo 22. - Fica o Poder Executivo auctorizado a abrir os creditos necessarios á execução da presente lei.
Artigo 23. - Revogam-se as disposições em contrario. 

O Secretario de Estado dos Negocios da Justiça e da Segurança Publica assim o faça executar.

Palacio do Governo do Estado de S. Paulo, 31 de Dezembro de 1924.
CARLOS DE CAMPOS.
Bento Bueno.

Publicada na Secretaria da Justiça e da Segurança

Publica, aos 31 de Dezembro de 1924. - O Director, Carlos Villalva.

Tabella de vencimentos a que se refere o paragrapho unico do artigo 8º.



O pagamento do escrevente habilitado ficará a cargo do escrivão

Palacio do Governo do Estalo de São Paulo, 31 de Dezembro de 1924.
Bento Bueno.