LEI N. 323, DE 22 DE JUNHO DE 1895

Dispõe sobre as terras devolutas, sua medição, demarcação e acquisição, sobre legitimação ou revalidação das posses e concessões, discriminação do dominio publico do particular, e de outras providencias.

O Doutor Bernardino de Campos, Presidente do Estado de S. Paulo.
Faço saber que o Congresso do Estado decretou e eu promulgo a lei seguinte :

CAPITULO  I

DAS TERRAS DEVOLUTAS

Artigo 1.º - As terras devolutas situadas dentro dos limites do Estado de S. Paulo e a elle exclusivamente pertencentes, ex-vi do art. 64 da Constituição dos Estados Unidos do Brazil, não poderão ser adquiridas por outro titulo que não seja o de compra.
Artigo 2.º - Consideram-se terras devolutas:

§ 1.º - As terras que não estiverem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, até a data da lei n. 601, de 18 de Setembro de 1850, ou em virtude das disposições desta e do regulamento n. 1318, de 30 de Janeiro de 1854.
§ 2.º - As que não estiverem applicadas a algum uso publico, federal, estadal ou municipal.
§ 3.º - As que não estejam comprehendidas por concessões ou posses capazes de revalidação ou de legitimação, nos termos da presente lei.
§ 4.º - As que estiverem comprehendidas por concessões para estabelecimento de burgos agricolas ou para outro fim, quando incursas em commisso.

Artigo 3.º - Serão reservadas :

§ 1.º - As terras que forem reclamadas pelo Governo da União para obras de defeza, fortificações, construcções militares e para o leito e dependencias das estradas de ferro decretadas por lei federal.
§ 2.º - As que forem necessarias para fundação, uso e dominio das povoações, na fórma da lei n. 16, de 13 de Novembro de 1891.
§ 3.º - As que forem necessarias para a concessão de vias ferreas, para a abertura de quaesquer outras vias de communicação, ou para outros quaesquer serviços decretados por lei do Estado.
§ 4.º - As que actualmente estiverem empregadas no serviço da colonização e aldeamentos dos indigenas, e as que forem necessarias para fundação de nucleos coloniaes de nacionaes ou extrangeiros.
§ 5.º - As que convierem para conservação de mattas uteis ou para plantio, cultura e desenvolvimento de arvores florestaes, com applicação aos serviços e construcções do Estado.
§ 6.º - As que forem necessarias para alimentação e conservação das cabeceiras dos mananciaes e rios.


CAPITULO II

DA MEDIÇÃO E DEMARCAÇÃO

Artigo 4.º - As terras devolutas serão medidas, demarcadas, divididas e descriptas por engenheiros e agrimensores do Estado.

§ 1.º - Serão medidas e divididas de preferencia as terras contidas nas zonas povoadas, ou a ellas contiguas, e as que se acharem servidas por vias ferreas ou fluviaes, formando tantos districtos quantos convierem.
§ 2.º - Das medições e demarcações que se fizerem será levantada uma planta exacta e detalhada, assignalando as correntes de agua, accidentes do terreno, bem como as posses encravadas e as confinantes.
§ 3.º - A descripção constará de relatorios completos, em que serão tambem apreciados o valor e propriedades culturaes do solo, a qualidade e quantidade das mattas encontradas e si estas devem ou não ser reservadas para o Estado.

CAPITULO III

DA VENDA DAS TERRAS

Artigo 5.º - Satisfeitas as prescripções do capitulo antecedente, as terras devolutas serão vendidas em hasta publica, ou como melhor convier, caso não haja licitantes, sendo as vendas annuaes mediante as seguintes regras :

§ 1.º - A divisão das terras será feita dentro do maximo marcado nesta lei, em lotes de tantos hectares quantos convierem, tende-se em vista a situação e o fim a que se destinarem.
§ 2.º - Os lotes terão as estradas geraes indispensaveis e serão orientados, sempre que o permittirem as circumstancias locaes, por linhas que corram de norte a sul, conforme o verdadeiro meridiano, e por outras que as cortem em angulos rectos.
§ 3.º - A maior porção vendida a cada comprador não poderá exceder de quinhentos hectares em terras virgens, mattas ou de cultura ; quatro mil ectares em terras de campo proprias para creação e cincoenta hectares nos lotes suburbanos.
§ 4.º - Ao mesmo comprador não poderão ser vendidas as terras devolutas confinantes com o lote que escolher, salvo si o lote escolhido não attingir ao maximo da lei.
§ 5.º - Os lotes serão vendidos e pagos a vista sobre a base minima de dez mil réis o hectare, em terras de cultura, de dois mil réis em terras de campo de crear e de vinte mil réis nos lotes suburbanos, incluindo-se nestes preços o custo da medição e demarcação.
§ 6.º - A venda fóra da hasta publica será feita pelo preço que se a|ustar, nunca abaixo dos minimos estabelecidos no § antecedente, pelo modo e com as formalidades que o regulamento estatuir.
§ 7.º - Realizada a venda e pago o respectivo preço, será entregue ao comprador o competente titulo de propriedade, sujeito este aos emulumentos devidos que serão de vinte mil réis por cem hectares ou fracção de cem hectares vendidos.

Artigo 6.º - Serão considerados lotes suburbanos os que ficarem dentro do raio de dezoito kilometros do palacio do Governo, na capital, e doze kilometros das casas das camaras municipaes, nas cidades e villas do Estado.
Artigo 7.º - Na venda das terras devolutas serão sempre preferidos, em egualdade de condições, aquelles que, apezar de as occuparem sem titulo legal, nelles tiverem cultura ou bemfeitorias e morada habitual.

CAPITULO IV

DA LEGITIMAÇÃO OU REVALIDAÇÃO DAS POSSES E CONCESSÕES

Artigo 8.º - Estão sujeitas á legitimação ;

§ 1.º - As posses de terras que, não tendo tido outro titulo de acquisição além de sua occupação primitiva, sa acharem cultivadas, ou com principio de cultura e morada habitual do occupante ou de quem o represente, na data da promulgação da presente lei.
§ 2.º - As posses que, havidas por occupação primitiva, ainda mesmo quando não preenchidas as demais condições do § anterior, tiverem sido alienadas a outrem, mediante qualquer titulo habil, em data anterior a 24 de Fevereiro de 1891.
§ 3.º - As posses comprehendidas em sesmarias ou outras concessões, as quaes, não tendo sido legitimadas, houverem sido declaradas boas por sentença passada em julgado entre os sesmeiros ou ou concessionarios e posseiros, em acção e juizo contenciosos, antes da promulgação da presente lei, ou aquella que se liverem estabelecido e mantido, sem opposição dos sesmeiros ou concessionarios, antes de 15 de Novembro de 1889.
Fóra destes casos, taes posses só terão direito á indemnizacão pelas bemfeitorias existentes.
Artigo 9.º - Não serão consideradas terras cultivadas, nem se haverão por principio de cultura, as simples roçadas e derrubadas, ou as queimas de mattas ou campos, sem que sejam acompanhadas de cultura effectiva, ou pelo menos tenham tido cultura nos dous annos anteriores a esta lei.
Artigo 10. - A legitimação comprehenderá as terras cultivadas e os terrenos aproveitados e necessarios para pastagens dos animaes que tiver o posseiro, e outro tanto mais de terreno devoluto que houver contiguo, não podendo a área total da posse legitimada exceder a mil hectares em terras de cultura, e dous mil em cerrados ou campos.

§ 1.º - A legitimação das posses de que trata o § 2.°, do arligo 8.° só comprehenderá as terras que as constituirem, não podendo exceder a sua área total o maximo estabelecido neste artigo.
§ 2.º - As posses de que trata o § 3.° do artigo 8.° serão legitimadas em toda a sua extensão qualquer que ella seja.

Artigo 11. - As posses anteriores a 1850, que se acharem registradas nos livros ecelesiasticos, de conformidade com a lei n. 601, de 18 de Setembro de 1850, deverão ser legitimadas de accôrdo com a presente lei, respeitada a extensão da área marcada na primeira, e seu respectivo regulamento.
Artigo 12. - Poderão ser revalidadas as sesmarias ou concessões feitas em data anterior a lei n. 601, de 18 de Setembro de 1850, cujas terras estiverem cultivadas, ou com principio de cultura e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionario, ou de quem o represente, embora não tenham sido cumpridas as demais condições com que foram concedidas.
No acto da revalidação será respeitada a disposição do § 3.° do art. 8.°.
Artigo 13. - O Governo marcará os prazos dentro dos quaes deverão ser rerequeridas medidas e demarcadas as terras sujeitas á legitimação ou revalidação, fazendo correr por conta dos respectivos posseiros ou concessionarios as despesas com a medição e demarcação, de conformidade com a tabella de preços que houver de regular taes serviços.

§ 1.º - O prazo de apresentação dos requerimentos não poderá exceder a dous annos e o da subsequente legitimação ou revalidação a dez annos, ambos contados da execução desta lei.
§ 2.º - A legitimação ou revalidação é sujeita aos mesmos emolumentos taxados na presente lei para a concessão do respectivo titulo de propriedade.
§ 3.º - Serão tambem applicados ás posses descriminadas no artigo 8.°, exclusivamente, os preços minimos estabelecidos no art. 5.°, § 5.°, nelles incluidas as despesas de medição e demarcação.

Artigo 14. - Todo o posseiro ou concessionario de terras, em circumtancias de serem legitimadas ou revalidadas, que deixar de cumprir o exigido no artigo antecedente será reputado cahido em commisso, e as terras occupadas pelo mesmo se haverão por devolutas para serem vendidas.
Artigo 15. - Ao occupante que for reconhecidamente pobre, a juizo do Governo, e tiver morada habitual na terra cultivada, poderão ser dispensadas as despesas mencionadas no art. 13 para a respectiva legitimação, comtanto que a área total da posse não exceda a cento e vinte hectares e a legitimação se ultime no prazo geral estatuido naquelle mesmo artigo.

CAPITULO V

DA DESCRIMINAÇÃO DAS  TERRAS

Artigo 16. - O Governo fará descriminar o dominio publico do particular:
No acto da descriminação serão respeitados os limites das posses e concessões que se acharem legitimadas ou revalidadas, bem como os das que forem legitimaveis ou revalidaveis ou admissiveis pela presente lei.

§ 1.º - A confrontação dos limites das terras possuidas ou occupadas será regulada pelo teor do titulo legal de propriedade exhibido pelo possuidor: ou de accôrdo com os assentamentos dos registros ecclesiasticos, creados pela lei n. 601, de 18 de Setembro de 1850.
§ 2.º - A despesa com a confrontação, avivamento das picadas e marcos ou de collocação destes, correrá por conta do proprietario, posseiro ou concessionario e do Estado, repartidamente.

Artigo 17. - Os engenheiros e agrimensores, encarregados da medição demarcação e discriminação das terras, a ellas procederão administrativamente, deixando decidir por arbitros as questões de facto que se derem entre os confinantes.

§ 1.º - Os arbitros serão nomeados pelos interessados, e caso entre os primeiros haja divergencia de laudos, nomearão de accôrdo um terceiro que desempatará adoptando um ou outro laudo; desta decisão haverá recurso necessario para o Governo.
§ 2.º - Não suspenderá a medição qualquer recurso ou reclamação da parte dos interessados, os quaes depois de ultimada ella, e dentro do prazo de trinta dias, terão vista do processo, si o requererem, afim de no termo improrogavel de quinze dias, para todos deduzirem os seus direitos.

Artigo 18. - Sempre que os reclamantes recorrerem ao poder judiciario as duvidas e questões pendentes sobre as terras possuidas não poderão impedir as deligencias tendentes á execução da presente lei na fórma deste capitulo.

CAPITULO VI

DO REGISTRO TORRENS

Artigo 19. - O Governo fará organizar o registro Torrens, de que trata o decreto n. 451 B, de 31 de Maio de 1899, tornando obrigatorio para as terras que forem legitimadas, revalidadas ou adquiridas do Estado e facultativo para as que pertençam ao dominio particular, de accôrdo com esta lei.

§ unico. - Nos casos da obrigatoriedade será o registro do immovel, isento de qualquer taxa relativa á primeira matricula, que nas demais circurmstancias, si houver de estabelecer para a formação do fundo de garantia exigido no mencionado decreto de 31 de Maio de 1890.

CAPITULO VII

DA REPATIÇÃO DE TERRAS

Artigo 20. - Fica o Governo auctorizado a crear o pessoal necessario á execução dos serviços prescriptos nesta lei
A Repartição de Terras, Colonização e Immigração incumbirá a Superintendencia desses serviços a conservação e fiscalização das terras devolutas.
Artigo 21. - O Governo estatuirá no regulamento que organizar e submetter á approvação do Congresso, em sua primeira reunião:
I - As attribuições, numero e vencimentos do pessoal technico e auxiliar;
II - O processo a seguir na medição, divisão, demarcação e venda das terras devolutas ;
III - As providencias necessarias para a legitimação, revalidáção e discriminação das terras;
IV - A tabella de preços a que se refere o artigo 13.
V - As disposições relativas ao registro Torrens ;
VI -As regras a se observarem no levantamento das plantas e determinação das coordenadas geographicas ;
VII - Todas as medidas qae convierem á fiel execução desta lei ;
VIII - Penas de multa de 100$000 até 500$000.

CAPITULO VIII

DISPOSIÇÕES GERAES

Artigo 22. - As terras devolutas que se venderem, legitimarem, revalidarem ou concederem ficarão sempre sujeitas aos onus seguintes.

§ 1.º - Ceder o adquirente o terreno preciso para estradas publicas de uma povoação á outra ou algum porto de embarque ou estação de estrada de ferro, salvo o direito de indemnização por bemfeitorias existentes ;
§ 2.º - Dar servidão gratuita aos visinhos quando lhes for indispensavel para sahirem á uma estrada publica, povoação ou porto de embarque e e com indemnização quando lhes for proveitosa por encurtamento de mais de 1 1/2 kilometro de caminho,
§ 3.º - Sujeitar-se ás disposições das leis que regularem a exploração das minas que se encontrarem nas terras de seu dominio.

Artigo 23. - Ao ex-voluntario da patria que não tiver obtido concessão de terras devolutas em qualquer ponto do paiz e que, na epocha da promulgação da Constituição Federal, tinha residencia no Estado, será concedida uma área de terras devolutas de vinte hectares na interior do Estado.
Estas concessões serão isentas de emolumentos e a medição e demarcação dos respectivos lotes serão feitas por conta do Estado.
Artigo 24. - Dos actuaes campos de uso commum o Governo reservará os que forem necessarios para logradouro publico.
Artigo 25. - O producto da venda e legitimação das terras e o dos emolumentos e multas, de que trata esta lei, serão arrecadados pelo Thesouro e escripturas como renda do Estado.
Artigo 26. - O Governo pedirá annualmente os creditos necessarios para as despesas com os serviços constantes desta lei:

§ unico. - Para attender a taes despesas no primeiro anno de exercício desta lei é o Governo auctorizado a despender até a quantia de 80:000$000, abrindo para isso os necessarios creditos.

Artigo 27. - O Goveno promoverá desde já, de accordo com o Federal, a revisão de todas as concessões de terras feitas pelo Governo da União, para o fim de serem declaradas pelo poder competente, immediata ou opportunamente caducas todas aquellas cujas clausulas, ou algumas dellas, nao tiverem sido cumpridas pelo concessionario, nos termos do contracto ou acto respectivo.
Artigo 28. - Revogam-se as disposições em contrario
Palacio do Governo do Estado de S. Paulo, aos vinte e dias de Junho de mil oitocentos e noventa e cinco.

BERNARDINO DE CAMPOS.
Theodoro Dias de Carvalho Junior.

Publicada na Secretaria dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, aos vinte e dous de Junho de mil e oitocentos e noventa e cinco - O director-geral, Eugenio Lefévre.