DECRETO N.º 5.204, - DE 22 DE SETEMBRO DE 1931

Dispõe sobre a competencia dos escrivães de paz para o exercicio das funções de tabelião de notas.

O DOUTOR LAUDO FERREIRA DE CAMARGO, Interventor Federal no Estado de São Paulo, usando das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 11, § 1.º, do Decreto Federal n.º 19.398, - de 11 de novembro de 1931,
Considerando que a comissão revisora do decreto n.º 5.121, - de 21 de julho ultimo, que dispunha sobre a competencia dos escrivães de paz para o exercicio das funções de tabellão de notas, apresentou ao Governo o parecer abaixo:
"I - As recentes modificações do serviço judiciario não podiam deixar de ferir interesses individuais, quasi sempre em conflito com os da coletividade. Só louvores merece, pois, o Governo passado, que enfrentou corajosamente a tempestade, para bem servir a causa publica. Entretanto, não poderia ele proprio, como não pode o Governo depois constituido, deixar de examinar as reclamações e sugestões formuladas pelos interessados, para, sem prejuizo dos objetivos visados, serem atendidas as que forem justas. E' o que explica a nomeação dos signatarios deste, para o exame das aludidas sugestões e reclamações. Um dos membros da comissão teve a honra de prestar apagada mas dedicada colaboração no estudo de alguns dos atos impugnados. Não sente, por isso, constrangido, quer para sustentar as suas opiniões, quer para modifica-las quando convencido da possibilidade de conciliarem o bem publico e o interesse dos funcionarios.
Iniciamos o nosso trabalho examinando a questão da competencia dos escrivães de paz para atos de tabelionato, regulada pelo decreto n.º 5.121, - de 21 de julho do corrente ano. Sobre essa questão versa o presente parecer.
2 - A lei de 15 de outubro de 1827 dispunha no art. 6.º:
"Cada juiz de paz terá um escrivão ....... Este escrivão servirá igualmente de tabelião de notas, no seu distrito, sómente para poder fazer e aprovar testamentos".
O art. 1.º da lei de 30 de outubro de 1830 modificou aquele dispositivo, preceituando:
"Os escrivães dos juizes de paz das freguezias ou capelas fóra das cidades ou vilas serão ao mesmo tempo tabeliães de notas nos seus respectivos distritos".......
O decreto n.° 1.437, - de 7 de fevereiro de 1907, art. 73, assim consolidou o preceito legal:
"Os escrivães de paz, nos distritos fóra das vilas e cidades que forem séde de comarca, são ao mesmo tempo tabeliões de notas".........
Como se vê, nenhuma duvida poderia haver quanto á competencia, para os atos do tabelionato, dos escrivães dos distritos extra-urbanos. Surgiram, porém, divergencias com relação aos distritos situados na Capital do Estado e seus arredores. Alguns desses distritos, quando creados, constituiam nucleos de população depois separados da cidade, e, portanto, aos respectivos escrivães podiam funcionar como tabeliães. Mas a cidade cresceu e os desenvolveu, deixando de haver, entre ela e eles, solução de continuidade. Daí frequentes duvidas, resolvidas de modo sempre hesitante.
3 - Com o decreto n.º 5.121, procurou o Governo disciplinar definitivamente a questão, em todo o territorio do Estado, para segurança do direito das partes. E o fez agrupando os cartorios de paz em tres categorias:
a - cartorios situados nos municipios onde não esteja a séde da respectiva comarca;
b - cartorios situados em municipios onde se encontrem tambem a séde da comarca;
c - cartorios situados no municipio da Capital.
Nos cartorios da primeira categoria, conservaram os escrivães de paz a função de tabelião de notas. Nos cartorios da segunda categoria, foram retiradas as aludidas funções dos escrivães dos distritos situados até 30 Kms. da séde da comarca. Os cartorios da terceira categoria ficaram sujeitas a regimen especial, declarando o decreto nominalmente, quais os distritos onde os escrivães serão tambem tabeliães.
4 - A comissão pós de parte as reclamações em que apenas se invoca o interesse pecuniario dos serventuarios.
Sua função é puramente tecnica, e, portanto, não pode atender a motivos de ordem sentimental.
Examinando as representações dos habitantes de diversos distritos que acima agrupou na segunda categoria, chegou a conclusão de que tais reclamações são procedentes.
O criterio da distancia (30 Kms.) não é uniforme no sistema do decreto n.º 5.121. Assim, Capital, ha distritos, como o de Nossa Senhora do O', muito proximos da séde da comarca, que conservam a antiga regalia. No Interior, o escrivão de paz de Mogi-Guassu, por exemplo, conserva a função tabeliôa, emquanto que a perdem os de Jaguari e Posse, situados a distancias muito maiores de Mogi-mirim, que é a séde da comarca. O mesmo aconteve em muitas outras comarcas. Assim, para que as populações sejam tratadas com igualdade, seria necessario ou adotar como criterio unico o raio de 30 Kms., qualquer que fosse o municipio em que estivesse o distrito, ou permitir que todos os escrivães dos distritos situados fóra da séde da comarca sejam tabeliães de notas. A primeira solução prejudica evidentemente a comodidade do povo. Para procurar a séde da comarca, o habitante do distrito ficará sujeito a despesas de condução e hospedagem, que encacerão o custo do ato que praticar. Estando os escrivães de paz atualmente sujeitos á correição do juiz de direito e á inspeção frequente do Ministerio Publico, será preferivel manter o sistem ada lei de 1836, que, com esse corretivo, não oferecerá perigo algum. 5 - Mas, afrouxando o rigor do decreto 5.121, quan to ao numero dos escrivães de paz que devem ser autoriza dos a funcionar como tabellaes, pensa a comissão que é necessasrio restringir a conpetencia desses serventuarios aos negocios dos habitantes do respectivo districto, ou que se refiram a bens aí situados. Os atos de tabelionato, regu larmente, incumbem aos tabeliães. O que se faz com relação aos escrivães de paz é uma desclasificação em beneficio da comodidade publica. Portanto, não deve aproveitar a quem, por capricho, ou para encobrir algum negocio, abondone a séde da comarca e vá procurar o escrivão de paz de distri to onde nãoseja domiciliado. Podendo haver duvida so bre o domicilio das partes, é perigoso considerar nulo o ato praticado com infração dessa regra. Por esse motivo, deve se impor unicamente uma sanção disciplinar contra o es crivão. 6 - Quanto aos distritos da Capital parece que o cri terio do decreto n. º 5.121, é o melhor possivel. Enumeran do-se os distritos em que o escrivão é tambem tabelião, previnem-se questões futuras, provenientes do alargamento da cidade. Opoem, entretanto, os interessados :
a - que os escrivães de paz de alguns distrito ex cluidos, como sejam os de Penha, Sant'Ana, Lapa, Vila Ma riana, Ipiranga, etc., lavram escrituras desde muitos anos, tendo o poder executivo e o judiciario reconhecido a validade de tais atos;
b - que tais distritos são suburbanos e, portanto, es tão situados fóra da cidade, contida no perimetro ur bano;
c - que a restrição imposta á competencia dos escri vães diminuem sensivelmente a renda dos cartorios, deixan do os serventuarios em situação precarissima. O primeiro argumento não procede. Como vimos, aque les distritos puimitivamente, estiveram, de fato fóra da cidade, e por isso é que os escrivães podiam lavrar escrituras. A competencia foi mantida, porque o crecimento da cidade se operou insensivelmente, sem que o legislador providenciasse sobre a situação dos distritos. Os atos, la vrados com apoio do governo e dos juizes incumbidos de legalizar os livros de notas, não podiam deixar de ser considerados validos, em virtude da maxima - error com munis jus facit. Isto, porém, não que dizer que legislan do sobre o assunto, deva o poder publico manter uma com petencia que já nenhuma razão justificativa podia encon trar, em que colocaria alguns escrivães de paz em situação privilegiada e singular. Tambem não proceder o segundo argumento. A muni cipalidade dividiu a cidade em diversos perimentros - cen tral, urbano e suburbano - para disciplinar o lançamento de impostos, as edificações, o transito de veiculos etc. Dai não resulta, porém, que a cidiade seja constituida ex clusivamente do perimetro urbano. Sant'Ana e o Ipiranga, Vila Mariana e a Lapa são partes integrantes da grande capital paulista, como Perdizes, Santo Cecilia e Bela Vista. Os habitantes daquelis distritos moram na capital, e com a pequena despesa do bonde atingem os cartorios dos tabeliães da cidade. Resta o terceiro argumento. Querem os serventuarios que se atenda á situação precaria que lhes acarreta a brus ca diminuição da renda, e pedem se lhes mantenham, pelo menos emquanto viverem, os proventos atuais. O argu mento é dos de ordem sentimental, a que acima aludimos, e, por isso, como observamos, escapa á nossa apreciação. Si o Governo, por equidade, quizer favorecê-los, modifica rá, nesse sentido, o projero anexo. Em que se consubstan ciam as conclusões da comissão. São Paulo, 11 de setem bro de 1931. Costa Manso, relator, Jorge da Veiga , Noé Azevedo."
Considerando que o Governo adota as conclusões da referida comissão, bem como o teôr do projeto apresentado.
Decreta:
Art. 1.º - Exercerão as funções de tabelião de notas:
a - no municipio da Capital, os escrivães de paz dos distritos de Cantareira, Itaquera, Lageado, Nossa Senhora do Ó, Osasco e São Miguel;
b - nos demais municipios, os dos distritos cuja séde esteja fóra da cidade que for cabeça de comarca.
§ unico - Quaesquer escrivães da paz, entetanto, poderão reconhecer firmas nos papeis para o casamento civil, quando o processo correr no seu cartorio.
Art. 2.º - Os livros de notas dos escrivães de paz se rão, de agora em diante,abertos, encerrados, numerados e rubricados pelo juiz de direito corregedor do cartorio (decreto n.o 4.786, - de 1930, art. 2.º, n.º III).
Art. 3.º - Ressalvada a hipotese do § unico do art. 1.o, a competencia dos escrivães de paz, como tabeliães de notas, limita-se aos atos em que uma das partes, pelo menos, seja domiciliada no distrito, ou que versarem sobre imovel, aí situado, no todo ou em porção.
§ unico - O ato lavrado com infração do disposto nes- te artigo não será nulo; mas o escrivão que, depois deste decreto, o executar, ficará sujeito á multa de cem a quinhentos mil réis por infração, imposta pelo juiz de direito corregedor do cartorio, logo que venha a saber da falta.
Art. 4.º - São válidos os atos de tabelionato praticados até a vigencia deste decreto pelos escrivães de paz dos distitos não mencionados ano art. 1.o, mas que, por ato judicial ou do governo, estavam autorizados a execu tá-los.
§ unico - Os livros do notas deses serventuarios se rão apresentados ao juiz de direito corregedor, dentro de quinze dias, a contar da publicação deste decreto, afim de serem por ele encerrados. Os livros não apresentados no prazo,serão imediatamente aprendidos e recolhidos á Repartição de Estatistica e Arquivo do Estado, sujeito o escrivão á pena de cinco a trinta dias de prisão.
Art. 5.º - O disposto nos artigos. 1º e 2º, não prejudica as atribuições dos tabeliaes de notas.
Art. 6.º - O presente decreto entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrario. O Secretario de Estado dos Negocios da justiça e Segurança Publica assim o entenda e faça executar.
Palacio do Governo Provisorio do Estado de São Paulo 22 de setembro de 1931.
Laudo Ferreira De Camargo Abrhão Ribeiro.
Publicado na Secretaria da justiça e Segurança Publica do Estado,aos 22 de Setembrode 1931.
Carlos Villalva.
Diretor Geral.