5 DE ABRIL DE 2024

12ª SESSÃO SOLENE PARA ENTREGA DO COLAR DE HONRA AO MÉRITO LEGISLATIVO A EUNICE PAIVA (IN MEMORIAM), CLARICE HERZOG E ANA DIAS

        

Presidência: BETH SAHÃO

        

RESUMO

        

1 - BETH SAHÃO

Assume a Presidência e abre a sessão às 19h45min.

        

2 - ADRIANO GARCIA

Mestre de cerimônias, nomeia a Mesa e demais autoridades presentes.

        

3 - PRESIDENTE BETH SAHÃO

Informa que a Presidência efetiva convocara a presente solenidade para "Entrega do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo a Eunice Paiva (In Memoriam), a Clarice Herzog e a Ana Dias”, por solicitação desta deputada.

        

4 - ADRIANO GARCIA

Mestre de cerimônias, convida o público para ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro".

        

5 - ROSA COSTA CANTAL

Advogada e ativista de Direitos Humanos, a representar o grupo "Tortura Nunca Mais”, faz pronunciamento.

        

6 - ROGÉRIO SOTTILI

Diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, faz pronunciamento.

        

7 - ANTONIO FUNARI FILHO

Presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, faz pronunciamento.

        

8 - MAURICE POLITI

Diretor-administrativo do Núcleo Memória, faz pronunciamento.

        

9 - MONICA SEIXAS DO MOVIMENTO PRETAS

Deputada estadual, faz pronunciamento.

        

10 - SIRLENE MACIEL

Codeputada da Bancada Feminista, faz pronunciamento.

        

11 - PRESIDENTE BETH SAHÃO

Tece considerações sobre a relevância desta solenidade.

        

12 - ADRIANO GARCIA

Mestre de cerimônias, tece considerações regimentais sobre a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo. Faz registro da história de Eunice Paiva (in memoriam). Anuncia a exibição de vídeo a homenageá-la.

        

13 - MARCELO PAIVA

Escritor, filho de Eunice Paiva, faz pronunciamento.

        

14 - ADRIANO GARCIA

Mestre de cerimônias, faz registro da história de Clarice Herzog. Anuncia a exibição de vídeo a homenageá-la.

        

15 - IVO HERZOG

Filho de Clarice Herzog, a representá-la, faz pronunciamento.

        

16 - ADRIANO GARCIA

Mestre de cerimônias, faz registro da história de Ana Maria do Carmo Silva Dias. Anuncia a exibição de vídeo a homenageá-la.

        

17 - ANA DIAS

Homenageada, faz pronunciamento.

        

18 - ADRIANO GARCIA

Mestre de cerimônias, anuncia a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo à Eunice Paiva (In Memoriam), à Clarice Herzog e à Ana Dias.

        

19 - VERA PAIVA

Filha de Eunice Paiva, faz pronunciamento.

        

20 - PRESIDENTE BETH SAHÃO

Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão às 21h23min.

        

* * *

 

- Assume a Presidência e abre a sessão a Sra. Beth Sahão.

 

* * *

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Senhoras e senhores, muito boa noite. Sejam todos bem-vindos à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Esta sessão solene tem a finalidade de outorgar o Colar de Honra ao Mérito legislativo do Estado de São Paulo às Sras. Eunice Paiva (in memoriam), Clarice Herzog e Ana Dias.

Comunicamos aos presentes que esta sessão solene está sendo transmitida ao vivo pela TV Alesp e pelo Canal Alesp no YouTube. Convidamos para compor a Mesa Diretora a deputada estadual Beth Sahão. (Palmas.) A Sra. Ana Dias. (Palmas.) O Sr. Marcelo Paiva. (Palmas.) A Sra. Vera Paiva (Palmas.). E o Sr. Ivo Herzog. (Palmas.)

Com a palavra a deputada estadual Beth Sahão, por favor.

 

A SRA. PRESIDENTE - BETH SAHÃO - PT - Boa noite a todas e a todos. Sejam muito bem-vindos à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, muito bem-vindas. Vamos iniciar esta sessão. Sob a proteção de Deus, vamos iniciar os nossos trabalhos nos termos regimentais. Esta Presidência dispensa a leitura da Ata da sessão anterior.

Sras. Deputadas e Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta sessão solene foi convocada pelo presidente desta Casa de Leis, o deputado André do Prado, atendendo a minha solicitação, com a finalidade de outorgar o Colar de Honra ao Mérito Legislativo às Sras. Eunice Paiva (in memoriam), Clarice Herzog e Ana Dias.

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Anunciamos também a presença do Sebastião Paiva na nossa Mesa Diretora. Por favor, o garoto Sebastião. (Palmas.)

Convido a todos os presentes para, em posição de respeito, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, executado pela orquestra Lira Musical de Diadema, sob a regência do maestro Marcelo Kurumin.

 

* * *

 

- É executado o Hino Nacional Brasileiro.

 

* * *

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Registramos e agradecemos a prestigiosa presença do presidente da TV dos Trabalhadores, Paulo Salvador. Representando o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Wilma Amaro.

Representando a Associação Centro Comunitário do Conjunto Habitacional Engenheiro Prestes Maia, Eulália Sales. A irmã de Fernando Santa Cruz, desaparecido político, Rosalina Santa Cruz; vice-presidente do grupo “Tortura Nunca Mais” de São Paulo, Rosa Cantal.

Senhoras e senhores, neste momento convidamos, então, para fazer uso da palavra, Rosa Costa Cantal, advogada e ativista dos direitos humanos, representando o grupo “Tortura Nunca Mais” de São Paulo. (Palmas.)

 

A SRA. ROSA COSTA CANTAL - Boa noite a todas, a todos e a todes. Cumprimento a Mesa aqui na pessoa da deputada Beth Sahão, que teve a iniciativa de prestar esta magnífica homenagem a três mulheres batalhadoras, guerreiras, que continuaram a luta dos seus maridos depois que eles foram brutalmente assassinados pela ditadura.

Eu sou a Rosa Cantal, sou vice-presidente do grupo “Tortura Nunca Mais” e estou aqui tendo a honra de representar o grupo “Tortura Nunca Mais”. Gostaria de deixar uma saudação inicial aqui da Rose Nogueira, a nossa presidente. Ela está com um problema de saúde e não pôde vir, mas deixou um grande abraço. Ela está aqui de coração.

E acho que é muito importante dizer que esta Assembleia Legislativa... é a primeira vez na história que ela tem a maior representatividade feminina. Ela está contando com 25 deputadas - após um episódio na última legislatura em que a deputada Isa Penna foi assediada sexualmente aqui dentro. Então, é uma honra a gente estar ocupando este espaço.

Como mulheres, a gente precisa ocupar, porque ainda somos poucas no Parlamento, porque ainda recebemos menos do que os homens, porque ainda temos dupla ou tripla jornada.

Enfim, ainda somos mortas por nossos companheiros. Então, é muito importante essa afirmação das mulheres aqui sendo convocada por uma deputada - uma mulher combativa, de guerra -, e estar homenageando estas três figuras: a Ana Dias, a Clarice Herzog e a Eunice Paiva (in memoriam). Estão aqui os familiares delas também.

Então, o grupo “Tortura Nunca Mais” também tem uma história, o qual foi fundado por perseguidos, presos e familiares de desaparecidos políticos em 1976, ainda como uma entidade clandestina, que veio a se tornar uma organização social só em 1986, regulamentada.

Então, de lá para cá são muitos os desafios, e continuamos com os desafios, tendo em vista que o governo federal decidiu não comemorar publicamente, ou “descomemorar”; enfim, relembrar o golpe de 1964.

Então, estamos aqui e não vamos nos esquecer dos nossos mortos, dos nossos presos, dos nossos torturados, que são parte dessa história que precisa ser recontada, que precisa estar nas bocas e na cabeça das pessoas para que a gente reconte essa história e para que ela nunca mais aconteça.

Então, por memória à verdade e à justiça, pela “Reinstala já” da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, ditadura nunca mais, tortura nunca mais. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Convidamos, então, o diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, à tribuna, por favor. (Palmas.)

 

O SR. ROGÉRIO SOTTILI - Boa noite a todos, boa noite a todas. Obrigado, deputada Beth Sahão, por esta iniciativa corajosa, linda e merecida. Uma ideia, que nasceu de uma conversa do Ivo Herzog com o Marcelo, levou o Instituto Vladimir Herzog a fazer um levantamento sobre a existência de mulheres que transformaram a sua vida na luta por justiça, porque perderam alguém muito querido e muito importante por causa da ditadura.

Não eram militantes, não eram ativistas e não eram guerrilheiras; eram mulheres que amavam e eram mulheres que exigiam justiça. A ditadura matou, a ditadura torturou, a ditadura fez desaparecer, censurou, destruiu e sequestrou. Não podemos nos esquecer, não podemos virar a página; não vamos nos esquecer e não vamos virar a página.

Não vamos nos esquecer, porque nós acreditamos e apostamos em uma realidade diferente, em um Brasil diferente agora e no futuro. Se não tiver responsabilização para todos aqueles que cometeram crimes de lesa humanidade e crimes contra a democracia, essa violência volta, essa violência continua.

Ela está no nosso dia a dia, ela está no Jacarezinho, ela está na Baixada Santista, em Paraisópolis e ela está no 08 de janeiro.

Ana, Eunice e Clarice, heroínas dessa história, mulheres que representam centenas de outras mulheres, que transformaram e fizeram da sua vida uma vida de luta por justiça e pela defesa da democracia. Nossa homenagem e nossa gratidão.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Neste momento, convidamos, então, Antonio Funari Filho, presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. (Palmas.)

 

O SR. ANTONIO FUNARI FILHO - Boa noite a todos. Queria cumprimentar a deputada Beth Sahão pela brilhante ideia de prestar esta homenagem. Nós temos, na história deste País, heróis que a gente deve - seguindo a mitologia grega, que diz que “só morrem aqueles que são esquecidos” - manter vivos.

E essas três heroínas, além de continuarem o trabalho dos seus maridos, dando continuidade ao que eles estavam fazendo - o que os tornou heróis - conseguiram manter viva a memória desses heróis brasileiros.

Neste momento, a Comissão de Justiça e Paz, que participa da vida, da sua história; fundada por Dom Paulo Evaristo Arns, participa vivamente da história dessas heroínas, sente-se no dever de fazer um apelo, um apelo que deve ser dirigido ao presidente da República, um apelo para que reabra e reative a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. (Palmas.)

Este volume aqui foi dos dez anos da comissão. Na época, o ministro era o Vannuchi, o presidente da Comissão Especial era o Marco Antônio Barbosa; e, cumprindo a lei de 1995, que foi promulgada no governo Fernando Henrique, o ministro da Justiça era o Jobim e o chefe de gabinete do Jobim era o José Gregório.

Então, é um apelo, porque hoje eu me dirigi ao Frei Chico, irmão do Lula, que é nosso amigo e que teve o apoio da Comissão de Justiça e Paz quando... ele ultimamente foi enrolado, quiseram colocá-lo no mensalão. Então, a comissão decidiu que se tratava de uma perseguição política, como fizeram sempre.

Então, é importante que a gente relembre, sim, o passado, porque o passado de pessoas como as homenageadas é um passado de glórias, é um passado para levantar este País, é um passado que tem que ser comemorado.

Quem não quer voltar ao passado, quem quer pôr uma pedra em cima do passado, na realidade, são aqueles que têm um passado criminoso, como foi essa ditadura militar, uma ditadura criminosa que merece ficar na história deste País no mundo.

Então, dito isso, eu queria pedir para todos que fizessem... ou se mobilizassem para que a gente conseguisse convencer o presidente a reabrir essa comissão. (Palmas.)

E nós vamos tomar uma primeira providência. O Júlio - que é da Comissão de Justiça e Paz - e eu almoçamos hoje com o Frei Chico, o irmão do Lula, e pedimos a ele...

Vamos pedir para ele levar esse livrinho para o Lula, para ele ler e para ver o quão importante é essa comissão. É a melhor maneira de a gente homenagear estas heroínas e os heróis deste País.

Hoje saiu uma notícia de um médico que foi torturado pelo Ustra e depois atendeu ele como médico. O torturador e o torturado, com o torturador sendo atendido pelo torturado, e ele tratou esse torturador como se deve tratar um ser humano. Aí que é importante a gente distinguir entre nós e eles, nós não podemos nos confundir.

É por isso que a história tem que ser revivida e mantida, até porque a gente tem que seguir essa orientação dos gregos: “mortos são aqueles que não são lembrados”. Vamos manter todos eles na memória deste País.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Convidamos então, neste momento, o diretor administrativo do Núcleo Memória, Maurice Politi, por favor.

 

O SR. MAURICE POLITI - Boa noite a todas e a todos. Cumprimento a Mesa, na pessoa da deputada, esta ilustre Mesa que está aqui representada tão bem por ela. Queria, em nome dos conselheiros, dos diretores e da equipe do Núcleo Memória, agradecer também o convite para estar aqui, falar um pouquinho e me dirigir a vocês neste ato que é de justiça.

Este é um ato de justiça para três heroínas da nossa história, que têm que figurar no livro dos “Heróis do Brasil” e das “Heroínas do Brasil”. Queria também lembrar...

Aproveitar a presença aqui de tantos ex-presos políticos, como eu, para lembrar também alguns capítulos da história da Ana Dias, certamente da Eunice e da Clarice, que eram - eu me lembro agora - as mulheres que ficavam na porta do Presídio Tiradentes, esperando para entregar um pouco de comida para os presos, esperando ser recebidas por policiais que as humilhavam para que elas pudessem visitar os seus presos.

Então, neste dia, eu queria homenagear todas as mulheres, não só aquelas que hoje estão sendo condecoradas pela deputada, mas todas as mulheres que passaram pelos cárceres - fossem presas na Torre das Donzelas, fossem visitantes daqueles que estavam ali esperando ver a família.

Então, a todas elas, a todas as mulheres ex-presas, perseguidas, torturadas, violentadas, estupradas; visitantes e que buscaram justiça como fizeram essas três heroínas hoje homenageadas, a Ana, a Eunice e a Clarice.

Eu queria, então, parabenizar todas elas e agradecer.

Muito obrigado e justiça para todos. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Convidamos, então, neste momento, a deputada Monica Seixas a comparecer aqui na tribuna. Por favor, deputada. (Palmas.)

 

A SRA. MONICA SEIXAS DO MOVIMENTO PRETAS - PSOL - Boa noite a todas, boa noite a todos. Beth, mais uma vez um mandato de luta que muito nos honra, combativo na linha de frente, que não deixou passar neste marco dos 60 anos da ditadura militar.

Em memória daquelas que lutaram, dos desaparecimentos, das mortes, da tortura, de amores perdidos; mas também de todas as outras mulheres, como aqui já lembradas, torturadas, violentadas, mortas e separadas dos seus filhos ou, até mesmo, dos seus maridos.

De todas as homenageadas aqui hoje, eu queria falar da família Rubens Paiva, se me permitem. Não conheci dona Eunice e também não conheci, por óbvio, o seu Rubens, mas tive o prazer de reconhecê-los a cada fala da Veroca - permitam-me chamá-la assim -, minha amiga, que me consola, que me apoia e que me incentiva já há muitos anos; e do Marcelo, que eu julgo como um grande responsável, inclusive, pela minha primeira eleição, em 2018.

Uma família que viveu no seio a angústia da luta pela redemocratização no Brasil e que, depois disso, nunca parou de lutar por esticar as cordas da democracia, porque eleger mais mulheres, eleger mulheres pretas, não se privar de discutir o estado de violência generalizada que atinge o nosso povo, é continuar o legado de Rubens Paiva.

Então, aos filhos de Eunice e Rubens, que continuam incessantemente lutando pela democracia. Obrigada por fazer parte da nossa trajetória. À memória da mãe, muito merecida. Também deixar aqui o meu agradecimento e o meu abraço ao neto Chico, meu grande amigo nessa trajetória.

E é isso, mulheres parem e “maternam” o mundo. Eu estava lendo aqui um trecho do livro, que hoje o mandato da Beth também ajudou a publicar, em que o Marcelo narra o dia em que a mãe apareceu nas capas dos jornais erguendo, como um troféu, um atestado de óbito. Mais de 20 anos de luta para poder enfim dizer: “A ditadura matou o Rubens”.

É uma grande homenagem, é um grande dia. O meu muito obrigada pelas lágrimas, pela luta e pelo sangue de todos vocês, até hoje, por continuarem lutando para que, quem sabe um dia, a gente tenha um Estado Democrático de Direito para todas as pessoas. Porque a gente só começou essa luta, mas a gente sabe que ela não é uma realidade ainda para todo mundo.

Obrigada, Beth.

Obrigada a todos. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Senhoras e senhores, registramos também a honrosa presença da co-deputada da Bancada Feminista, Sirlene Maciel, a quem convidamos a vir à tribuna para ouvirmos a palavra. (Palmas.)

 

A SRA. SIRLENE MACIEL - Boa noite a todas, todos e todes. Quero aqui primeiramente saudar a deputada Beth Sahão. Saúdo toda a Mesa. E parabenizar por este evento para o qual nós, do mandato coletivo da Bancada Feminista, viemos com muito prazer.

Porque para nós é muito importante resgatar a memória e, principalmente, trazer esta honra ao mérito dessas mulheres, que são mulheres que... nós existimos porque elas resistiram.

A história da luta das mulheres, inclusive na política, existe, porque tiveram mulheres com coragem e com força neste País que vieram antes de nós. E eu considero que esta homenagem é sobre isso.

São as mulheres que puderam resistir - inclusive tem uma dessas mulheres aqui presentes hoje na Mesa - e que nos fortalecem todos os dias. É por isso que existe hoje uma força e uma luta das mulheres aqui na Assembleia Legislativa.

E nós precisamos passar a limpo todos os crimes da ditadura militar, essa é uma dívida do nosso País com o povo brasileiro. É fundamental reabrir a Comissão da Verdade.

É fundamental que a gente não tenha que passar por golpes e por tentativas de golpes, porque a ditadura foi um período muito ruim do nosso País, um período terrível, um período de assassinatos, de violência, de mortes e de tentativas de calar a democracia. E hoje, se a gente não faz isso...

É por isso que a deputada Beth Sahão está de parabéns, porque é parte dessa memória. A gente não vai deixar esquecer, a gente vai resistir e é fundamental que a gente passe todos esses crimes a limpo para que a gente possa, neste País, nunca mais ter um 08 de janeiro, ter pessoas se levantando e se achando no direito de afrontar a democracia brasileira.

Então, nós da Bancada Feminista saudamos muito, saudamos todas essas heroínas da história. E queremos aqui dizer muito obrigada a todas e todos que estão aqui, que lutaram contra a ditadura militar no Brasil e que continuam lutando hoje contra o golpismo que assola nosso País, que assola as mulheres e, principalmente, que assassina o povo negro na periferia, como nós vimos aqui acontecer no genocídio, neste estado de São Paulo - como há tempos não se via -, o genocídio na Baixada Santista.

Nós não vamos nos esquecer e queremos também justiça.

Então, por justiça, reparação e memória, ditadura nunca mais. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Neste momento, então, convidamos para fazer uso da palavra a deputada Beth Sahão, por favor. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - BETH SAHÃO - PT - Bem, mais uma vez cumprimentar todas e todos, agradecer a presença. Destacar os nossos homenageados... os familiares das nossas homenageadas: o Marcelo, a Vera e a Ana Dias - que está aqui pessoalmente -, o Ivo Herzog e todos aqueles que representam movimentos na luta pelos direitos humanos, porque inclusive alguns deles nos ajudaram muito para que nós pudéssemos organizar este evento de hoje.

Não é uma tarefa tão fácil assim. Esta Assembleia Legislativa hoje não tem o mesmo perfil que já teve às vezes em um passado mais recente. É uma composição bastante diferente, mais dura, mais polarizada, em que tem embates muitas vezes que a gente nem gostaria de enfrentar.

Mas temos que fazê-lo pela defesa da democracia, pela defesa da justiça, pela defesa da verdade e daquilo que nós consideramos que seja importante para o estado de São Paulo.

E esta Assembleia não poderia se omitir diante dos 60 anos do golpe militar. É uma semana emblemática para todos, e eu vou aqui fazer uma breve leitura daquilo que eu considero que seja minimamente relevante nesta noite.

“Nesta semana, relembramos o dia mais nefasto da história republicana brasileira. Há 60 anos, um golpe militar apoiado por diversos setores da sociedade civil depôs o presidente, constitucionalmente eleito, João Goulart.

“Desde então, o País foi jogado numa longa e terrível noite de 21 anos, marcada pelo arbítrio do Estado. Em 31 de março de 1964, um golpe de estado derrotou a democracia brasileira, impondo um ‘estado de exceção’ que perseguiu opositores; instituiu torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados; crimes de lesa humanidade praticados por agentes públicos, em nome do autoritarismo e da ordem militar”.

“Também vivenciamos cassações de mandatos, o fechamento de Casas Legislativas e do Congresso Nacional, a imposição de mandatos de parlamentares biônicos, a censura das artes e da imprensa, a perseguição e morte de opositores políticos. Este País ainda vivenciou o desaparecimento de liberdades públicas e individuais.

“Essas são algumas das marcas do período de exceção, cuja lembrança não deve, jamais, ser festejada, senão assegurada como compromisso para que nunca mais aconteça.

“Dentre incontáveis vítimas da ditadura militar, relembramos a memória do deputado Rubens Paiva, preso torturado e morto nos porões do DOI-Codi do Rio de Janeiro, em 1971. Até hoje, o seu corpo permanece desaparecido.

“Também rememoramos o jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi de São Paulo, em 1975. Ainda recordamos a memória de Santo Dias, operário sindical assassinado pelo regime durante uma manifestação grevista, em 1979. Essas três mortes foram decorrentes do ‘terrorismo de estado’, instituído pelo governo militar e os seus apoiadores.

“Apesar de tanto sofrimento e do luto, emergiram mulheres de grande coragem e dignidade: Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva; Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog; e Ana Dias, viúva do operário Santo Dias.

“Elas empreenderam lutas em favor da verdade e da justiça, acerca das mortes dos seus maridos, passando a dedicar as suas vidas em favor da democracia, dos direitos humanos, da memória e da justiça da transição do nosso País.

“Superar o ‘terrorismo de estado’; impedir as práticas de torturas, estupros e execuções sumárias; encontrar os corpos dos desaparecidos, devolvendo-os aos seus familiares; afastar todo tipo de censura.

“Assegurar liberdades políticas; devolver mandatos; garantir anistia aos crimes políticos; punir torturadores e comandantes do arbítrio; assegurar a realização de eleições livres e plurais; promover e preservar direitos humanos.

“Essas são pautas que guiaram as vidas dessas mulheres. As causas e a luta pela democracia se tornaram imprescindíveis para elas. Quando o seu marido foi preso, Eunice também foi levada aos cárceres da ditadura, ficando incomunicável durante 12 dias.

“Com a morte do seu marido, o deputado Rubens Paiva, ela abraçou os seus filhos e empreendeu força para lutar pela busca do seu companheiro de toda a vida. Formou-se em direito e se tornou advogada de grandes causas, como a defesa dos povos indígenas. E me parece que ela foi uma das primeiras advogadas a lutar pela causa dos povos indígenas.

“Hoje, felizmente, nós temos outras mulheres - e outros homens - seguindo essa mesma toada, mas ela foi certamente pioneira nesse sentido. A morte do jornalista Vladimir Herzog fez com que Clarice revelasse uma latente coragem. ‘Mataram o Vlado’, gritou contra a versão oficial e garantiu que a memória do seu marido fosse escrita nos marcos da verdade.

“Ele foi morto sob tortura, afastando a tese de suicídio que, inclusive, impediu os devidos ritos fúnebres. Junto a Dom Paulo Evaristo Arns, ao rabino Henry Sobel e ao reverendo James White, ela foi grandiosa durante a realização do culto ecumênico em memória de ‘Vlado’, um grande ato contra a ditadura então.

“Desde então, dedicou-se à luta a favor de justiça pelo seu marido, contra a repressão do regime militar e a favor da democracia.

“Em uma manhã do mês de outubro do ano de 1979, durante uma greve em defesa dos direitos dos trabalhadores, a Polícia Militar matou o operário Santo Dias. Diante do fato, Ana Dias ouviu a ordem para que desaparecessem com o corpo do seu marido, ingressou na viatura e desobedeceu ao comando para descer do carro.

“Persistente, assegurou que trabalhadores e militantes sociais - ao lado de Dom Paulo, mais uma vez - realizassem um velório digno, tornando-se mais um marco na luta pela redemocratização.

“Inserida na luta pela força do luto, liderou o Movimento Contra a Carestia, seguiu a sua vida, e segue, até os dias atuais, em defesa da democracia e da emancipação das mulheres.

“A luta dessas mulheres fez com que suas trajetórias fossem escritas na história do Brasil, tornando-as verdadeiras heroínas do nosso País. Sim, são heroicas as pessoas que se dedicam a enfrentar o ‘terrorismo de estado’. Por vezes, pagando o preço com as suas próprias vidas.

“São heroínas as pessoas que, da dor, encontram forças para se dedicar e proteger a democracia. Heroico é um povo que, contra o arbítrio do Estado, impõe as bandeiras da liberdade, da igualdade e da cidadania.

“Nesta noite, quando o nosso mandato homenageia Eunice Paiva, Clarice Herzog e Ana Dias, nós pretendemos homenagear também milhares de brasileiras e brasileiros que morreram nos calabouços da repressão política.

“Ainda entendemos as nossas homenagens... desculpem-me, estendemos nossas homenagens a muitas cidadãs e cidadãos que emprestaram as suas vidas à luta em favor da democracia, desde a redemocratização até os dias atuais.

“Nosso objetivo é resgatar a memória, revelar a verdade e lutar por justiça para que tais atrocidades nunca mais se repitam. Nossa luta é contra o apagamento histórico dessas mulheres em memórias da ditadura, e contra a persistência do golpismo em nossa época. O 08 de janeiro de 2023 não pode ser esquecido, foi uma tentativa de golpe e não vamos admitir nenhuma forma de anistia.

“Esta é uma noite histórica para o Parlamento paulista. Nesta sessão solene, rendemos nossas homenagens à Eunice Paiva, Clarice Herzog e Ana Dias, ao mesmo tempo em que desejamos registrar nos Anais desta Casa Legislativa para que soe por todos os corredores e ecoe por todas as ruas, avenidas e praças deste estado: ditadura nunca mais. (Palmas.)

“Mas é preciso gritar mais do que isso. Tortura nunca mais, censura nunca mais, nunca mais presos e desaparecidos políticos, nunca mais parlamentos fechados, nunca mais artistas calados e nunca mais a sociedade amedrontada.

“Pela memória dos que lutaram contra a ditadura militar, para qual repetimos: temos ódio e nojo. Pela luta das mulheres, como Ana, Eunice e Clarice, bradamos: democracia para sempre.”

Viva Clarice Herzog, viva Ana Dias e viva Eunice Paiva.

Muito obrigada e uma boa noite a todos. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Senhoras e senhores, vamos então dar sequência a nossa sessão solene prestando as nossas homenagens. O Colar de Honra ao Mérito Legislativo é a mais alta honraria conferida pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Foi criado em 2015 e é concedido a pessoas naturais ou jurídicas, brasileiras ou estrangeiras, civis ou militares que tenham atuado de maneira a contribuir para o desenvolvimento social, cultural e econômico do nosso estado, como forma de prestar-lhes pública e solenemente uma justa homenagem.

Morta aos 86 anos em 13 de dezembro de 2018, Eunice Paiva foi esposa e mãe das filhas e do filho de Rubens Paiva, ex-deputado cassado em 1964 e desaparecido após ser preso, torturado e assassinado pela ditadura militar no Rio de Janeiro, em janeiro de 1971. E, desde então, até a sua partida, lutou de forma incansável pela busca de informações do paradeiro do marido.

A história da sua luta foi escrita por um dos filhos do casal, o escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, no livro “Ainda Estou Aqui”, lançado em 2015. Além de Marcelo, ela deixou ainda os filhos: Vera Silva, a Veroca; Eliana; Ana Lúcia, a Nalu; e Maria Beatriz, a Babi.

Durante um evento da Festa Literária Internacional de Paraty, em 2014, Marcelo Rubens Paiva destacou o sofrimento da sua mãe pelas novas revelações: “Meu pai morreu no dia em que a minha mãe foi presa. Ela foi deixada na cela por mais de 12 dias. Para que? É melhor nem pensar”, afirmou.

Em seguida, citou o estranhamento de se sentir no dever de agradecer por não terem matado também Eunice, a quem chamou de “heroína da família”. Uma mulher, de fato, dona de um destemor ímpar em prol da verdade.

Logo após ser libertada, e com a informação de que o marido havia sido assassinado, passou a reivindicar o direito e o reconhecimento da sua morte e a revelação de onde o corpo estaria, algo que jamais descobriu.

Paulistana de primeira geração e filha de uma italiana e um italiano, ela cresceu no bairro do Brás. Eunice trazia consigo a determinação de quem não se furtou de brigar com o pai pelo direito de estudar. Era uma aluna brilhante e assim passou em primeiro lugar no vestibular para letras, na tradicional Universidade Mackenzie, aos 18 anos.

Foi amiga de grandes escritores, como Lygia Fagundes Telles, Antônio Calado e Haroldo de Campos. Sem deixar de ser uma ávida leitora, dedicou-se ao cuidado das quatro filhas e do filho, e como companheira do seu grande amor de juventude e marido até a prisão e o desaparecimento.

Rubens foi preso em 20 de janeiro de 1971, e Eunice no dia seguinte. Em 1973, ela ingressou na faculdade de direito. Conciliava a vida de mãe e de “pai” de cinco filhos com a rotina estudantil.

Tornou-se uma advogada respeitada e se engajou em lutas sociais e políticas. Eunice participou dos debates sobre as políticas indigenistas do regime até o final da ditadura e se tornou uma das poucas especialistas em direito indígena do País.

Em 1987, ao lado de outras parceiras, fundou a ONG em que atuou até 2001 na defesa e autonomia dos povos indígenas. Em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte que promulgou a Constituição Federal Brasileira.

Ela participou do movimento social de pressão pelo esclarecimento de assassinatos e dos desaparecimentos de corpos de presos políticos, que culminou com a promulgação da Lei 9.140, de 1995, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em razão da participação em atividades políticas durante a ditadura militar.

Em 1996, após 25 anos de luta por memória, verdade e justiça, Eunice conseguiu que o Estado Brasileiro emitisse oficialmente o atestado de óbito de Rubens Paiva.

A psicanalista, pesquisadora e professora universitária Mariana Rodrigues Festucci ressalta que Eunice Paiva, com a sua militância e crítica ao regime ditatorial, arriscou a própria vida, pois, conforme revelaram documentos do SNI, o Serviço Nacional de Inteligência - na guarda do Ministério da Justiça atualmente - que vieram a público somente em 2013, tanto ela quantos os seus filhos foram vigiados por agentes militares de 1971 até 1984.

Ocorre que, para Eunice, mesmo sob risco capital, não restará outra alternativa senão desafiar a lei vigente, justamente porque, no rastro de Antígona, ela desejou honrar o que a lei deixara descoberto: a dignidade humana.

E, como registrou o Instituto Vladimir Herzog, por ocasião da sua morte, Eunice morreu no dia que a promulgação do AI-5 completava 50 anos. Um protesto de quem nunca deixou de lutar por um País democrático, mais justo e que garanta o direito à memória e à justiça de todos os seus cidadãos.

Assistiremos então, neste momento, a um vídeo à homenageada.

 

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- É exibido o vídeo.

 

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E, para fazer uso da palavra, convidamos, então, o Sr. Marcelo Paiva, filho de dona Eunice Paiva. (Palmas.)

 

O SR. MARCELO RUBENS PAIVA - Boa noite. Boa noite a todas e todos. Boa noite aos representantes que aqui falaram antes. Deputada Beth, muito obrigado por esta grande homenagem. Sobre a Ana, eu só queria fazer uma correção, porque o marido dela foi morto em 1976 e a gente se lembra muito bem dessa data.

Ao Ivo, um grande batalhador, junto à sua mãe Clarice, que não pôde vir hoje. À minha irmã Vera; ao meu filho Sebastião - que tem que sair daqui a pouco, porque ele tem futebol amanhã muito cedo; ao meu outro filho que está ali, o Joaquim.

E eu queria falar muito pouco, muito rápido. Depois, se a Veroca quiser falar alguma coisa, ela fala. Ouvindo aqui tudo o que foi dito, especialmente pela cúria, que foi muito importante, foi um lindo discurso que o senhor fez...

E como nós somos gratos ao Dom Paulo, que foi o primeiro grande guerreiro a se colocar contra a ditadura depois do AI-5 e montou na cúria todo o arquivo não só brasileiro, mas latino-americano - de argentinos e chilenos - de pessoas desaparecidas. Ele começou a coletar o nome de torturadores e contar a história que está agora sendo contada pouco a pouco nesses livros da Comissão da Verdade.

É um grande aliado que fez a missa da morte do Herzog, em que estava; inclusive, que foi um marco na luta pela redemocratização. Então, eu deixo aqui a minha saudação à cúria, ao Dom Paulo e a todos vocês por essa luta.

E acrescentar tudo o que você falou em relação a dar o livro para o Lula... recomendá-lo a fazer, sim, um “Museu da Memória”, que foi proposto pelo Flávio Dino quando visitou o Chile e ficou impressionado, e que o projeto foi engavetado por ele. (Palmas.)

Um ato, um gesto infeliz, sobre o qual a gente espera que ele mude de ideia, porque o que nós precisamos é exatamente resgatar essa memória, fazendo um grande museu, como existe o Museu do Holocausto e como existe o museu no Chile, para que, bom, como já foi dito várias vezes, isso não aconteça nunca mais.

E só vou encerrar para falar uma coisa muito importante: o passado está presente.  O passado está naquelas camisetas com as quais as pessoas circulam, “Ustra Vive”... e que tinha pessoas com cartazes escritos “AI-5”, e que tinha pessoas defendendo o golpe militar, que quase tivemos no final de 2022 e que tivemos em 08 de janeiro.

O passado está presente na prisão da aminha amiga Preta Poeta, que vive ameaçada constantemente por ser preta e por ser poeta... e a Polícia Militar de São Paulo tem ojeriza a pretos, a pretas e a poetas. (Palmas.)

O passado está presente quando eu escutei a deputada Monica dizer que tem medo de uma blitz. Eu acabei de escutar isso dela. Ela tem medo de ser parada em uma blitz por policiais que, de repente, resolvam acabar com a vida dela como acabaram com a vida da Marielle.

Então, eu acho que a gente, quando fala sobre o passado, está falando sobre hoje, sobre o que está acontecendo na Baixada Santista, sobre o que está acontecendo com os yanomamis e sobre o que vai acontecer se nós não continuarmos essa luta sobre a qual muita gente pede para a gente virar a página. Mas a gente não deve virar a página.

Tortura nunca mais.

Ditadura nuca mais.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Convidamos então para o uso da palavra a Sra. Vera Paiva, filha de Eunice Paiva (in memoriam) que aqui a representa neste ato hoje. Passaremos então agora à homenagem à Sra. Clarice Herzog, que sem dúvidas é e sempre será uma mulher à frente do seu tempo.

A que todos nós conhecemos é só uma parte de tudo aquilo que ela representa. Socióloga e publicitária reconhecida, foi pioneira na luta por memória, verdade, justiça e, sobretudo, ao levantar a sua voz em um tempo feito por homens e para homens, enfrentando tudo e todos com a sua natural coragem.

Nas palavras da jornalista Miriam Leitão: “independente e forte, culta e intensa, bonita e ousada”. Clarice era uma jovem estudante de ciências sociais quando conheceu Vladimir Herzog na década de 1960. Mais tarde, já recém-casados, quando o País vivia o mais duro regime militar, buscaram asilo na Inglaterra.

Apesar da violência de Estado e das duras perseguições, retornaram ao Brasil em 1968. Sete anos depois, “Vlado” seria assassinado após ter se apresentado voluntariamente nas instalações do DOI-Codi, no Quartel General do II Exército, no município de São Paulo, para prestar esclarecimentos sobre as suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro.

Viúva aos 34 anos, Clarice foi a primeira a romper o silêncio e a dizer: “mataram o ‘Vlado’”. Ela conduziu os dias seguintes à morte com intervenções que davam cada vez mais visibilidade ao que tinha acontecido. Dali para frente, travou muitas lutas em defesa da justiça e da democracia.

Clarice sempre repetiria a mesma denúncia, a de que “Vlado” - seu marido e pai dos seus filhos - fora assassinado pela ditadura. Ao ser tão determinada, ela enfrentou um país inteiro e se acostumou ao esquecimento e à impunidade.

A longa resistência de Clarice é uma luz que ilumina os erros que o País tem cometido diante da sua própria história, e a sua voz continua a ecoar pelos tempos até hoje.

Depois daquele 25 de outubro de 1975, quando Vladimir sucumbiu após tortura e morte nos porões do DOI-Codi, iniciaram-se muitas lutas. A primeira foi contra a mentira, porque ao exército não bastou matar, quis também forjar uma cena de suicídio, como destaca a jornalista Miriam Leitão no livro “Heroínas Dessa História”. Sequer tiveram o cuidado de montar uma farsa crível.

Para um judeu, a versão do suicídio era uma violência a mais, ele teria que ser enterrado junto aos muros do cemitério. Clarice inclusive deixou registrado exatamente para que a história não fosse distorcida. Quem lavou o corpo dele contou que ele estava arrebentado internamente.

E foi exatamente nos instantes finais da despedida, já no cemitério, que começaria a longa resistência. O rabino Henry Sobel decidiu que enterraria “Vlado” na parte central do cemitério, negando na prática a versão do suicídio. Os jornalistas iniciaram uma mobilização, na missa ecumênica, uma semana depois.

A Catedral da Sé reuniu, pela primeira vez, três sacerdotes de religiões distintas: Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor presbiteriano James White. A ampla igreja ficou pequena para as oito mil pessoas que foram chorar a morte de “Vlado”, ao mesmo tempo em que ignoravam as claras ameaças das forças de repressão.

Clarice não recuou diante de ameaças anônimas que recebia até mesmo por telefone, nem com a constante vigilância de policiais na porta da sua casa. Em plena ditadura, entrou na justiça contra o Estado Brasileiro, com uma ação declaratória de culpa pela morte de Herzog.

Em 1978, ela conseguiu uma sentença histórica do juiz Márcio José de Moraes, que condenou o Estado, obrigando-o a indenizar a família do jornalista Vladimir Herzog pela sua morte.

Em 2009, aceitou levar o caso Herzog à Corte Interamericana de Direitos Humanos - da Organização dos Estados Americanos - com o apoio do Centro Pela Justiça e Direito Internacional, um precedente importantíssimo para todas as famílias de mortos e desaparecidos políticos.

Em 2018, conquistaram a condenação do Estado Brasileiro pela omissão em elucidar o crime e punir os torturadores de “Vlado”. Pela primeira vez, um tribunal internacional concluiu que o Brasil cometeu crimes contra a humanidade durante a ditadura militar.

Em 2013, 38 anos depois do crime, Clarice conseguiu a retificação do atestado de óbito não mais como suicida, mas como vítima da violência do Estado Brasileiro. Por mais de 40 anos, manteve-se incansável nas lutas pela democracia.

Desde 2009, atua como presidente honorária do Instituto Vladimir Herzog, uma organização da sociedade civil criada para manter vivos a história e o legado de “Vlado”.

E nosso agradecimento especial à Clarice Herzog por toda a sua luta de ontem e de hoje.

Viva Vladimir Herzog e viva a democracia. (Palmas.)

Assistiremos, então, a um vídeo da homenageada.

 

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- É exibido o vídeo.

 

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O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Convidamos então para fazer uso da palavra o Sr. Ivo Herzog, filho de Clarice, que aqui a representa neste ato. (Palmas.)

 

O SR. IVO HERZOG - Boa noite a todas e a todos. Eu vou contar um pouco da história da minha mãe, algumas coisas que acho que talvez não estejam no que se conhece da parte mais pública dela.

Mas vou repetir de novo uma coisa que foi falada algumas vezes aqui, que alguns anos atrás, participando da Flip em Paraty... a única vez que eu fui a uma Flip e me colocam para fazer uma fala. Eu sou engenheiro naval e me puseram junto ao Marcelo Rubens Paiva, então, não tinha como eu me dar bem naquele dia.

Então, ao invés de eu falar alguma coisa, eu aprendi muito com o Marcelo e comecei aprendendo quando ele disse que o pai dele e o meu pai não foram heróis, eles foram vítimas dessa história, e os verdadeiros heróis ou as verdadeiras heroínas foram as suas companheiras, as mulheres, as nossas mães... enfim, essas mulheres.

E a partir daquela... talvez uma fala sem grandes pretensões do Marcelo, saiu um dos mais importantes projetos do Instituto Vladimir Herzog, que é o “Heroínas dessa História”, e que hoje vocês recebem a biografia das três homenageadas aqui.

O livro original tem 15 biografias, mas nós já temos catalogadas mais de 70 heroínas dessa história de todo o Brasil, as mais diferentes lutas com as mais diferentes questões.

Quero iniciar agradecendo à deputada Beth, em nome de quem eu agradeço esta Casa. E eu acho que é muito simbólico... no ano em que um governo tido como de esquerda opta para que se esqueça dos 60 anos, de repente uma Casa Legislativa do Estado de São Paulo, que eu tenho dificuldade de dizer que é um governo de esquerda, mas tem a coragem e a determinação - talvez porque tenha à frente uma mulher - de fazer as devidas homenagens a essa data. Muito obrigado, deputada.

Clarice nasceu em São Paulo e viveu praticamente toda a sua vida na região de Pinheiros. Filha de João e Inês Ribeiro Chaves, irmã mais velha de João e Valdir, logo na adolescência percebeu que, para realizar os seus sonhos, precisaria conquistá-los com determinação. Estudiosa, cursou uma escola pública, o Colégio Fernão Dias.

Para poder ser livre e consumir a cultura que efervescia já no final dos anos 1950, fez ensino médio técnico. Ela era química, formou-se em química e começou... em um outro dia desta semana inclusive eu descobri a carteira de trabalho dela, que tem uns registros dela como química industrial.

O seu desempenho acadêmico rendeu-lhe uma bolsa de estudos, sobre a qual nunca contou para o seu pai. Ela usou o dinheiro para comprar livros, ir ao cinema e ir ao teatro. Mais tarde, iria se formar em sociologia na USP. O golpe de 1964 levou ela e o meu pai a saírem do Brasil.

Teve que abdicar da sua carreira profissional por alguns anos, em solidariedade ao meu pai. Aproveitou a estadia em Londres para expandir a família, com a minha chegada e a do meu irmão. Volta ao Brasil em 1968 e logo inicia uma carreira de sucesso na área da pesquisa publicitária. Desenvolveu-se na área das pesquisas qualitativas.

Em 25 de outubro, no início da noite, recebe a visita de dois diretores da TV Cultura. Antes que eles digam qualquer coisa, ela já sabia e berra: “Mataram o ‘Vlado’”.

No sepultamento, foi possível ver a força dessa mulher, que enfrentaria por toda a sua vida a ditadura. Quando agentes da repressão tentaram apressar o enterro, antes da chegada da minha avó, ela gritou, colocou o seu corpo na frente deles e disse: “Não enterrem”. Ela exigiu que esperassem que a minha avó chegasse.

A cena para mim foi inesquecível, um prenúncio. Por toda a sua vida, Clarice disse “não” à ditadura. A partir daquela data, o objetivo da sua vida passa a ser a verdade e a justiça sobre o assassinato do meu pai.

Ela se torna uma “workaholic”. Eu vejo aqui algumas companheiras de trabalho dela, o que me alegra muito, estarem aqui prestigiando e conhecendo esse lado da profissional de publicidade.

Dizia que os seus filhos não poderiam ter as suas oportunidades futuras prejudicadas pela morte do pai deles. A empresa para qual trabalhava, uma multinacional, ofereceu transferi-la para outro país após a morte do meu pai, onde ela pudesse se sentir mais segura. Sua resposta foi imediata: “Este é o meu País, eu tenho que buscar a verdade e a justiça para os meus filhos”.

Enfrentou o “estado de exceção”, processando a União pela responsabilidade da morte do meu pai, apesar de desaconselhada pelos amigos mais próximos. Em 1978, a primeira vitória, na sentença histórica do juiz Márcio de Moraes que, além de condenar a União - e isso é uma coisa que poucas pessoas sabem - também ordena a investigação das circunstâncias do assassinato do meu pai. Essa parte da sentença até hoje não foi cumprida.

A luta continuou aqui no Brasil e no exterior. Ela teve que reviver aqueles dias de terror por incontáveis vezes... e olhem que a gente tem a Ana Dias, eu acho que ela deve se lembrar disso. Não é, Ana? Falar sobre isso gera uma coisa aqui dentro que ninguém consegue entender. Perdi o texto.

Em 2017, como parte do processo que a família moveu junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, ela teve que prestar um depoimento na Costa Rica e ser interrogada pela AGU, a Advocacia Geral da União. Na plateia, representantes das forças armadas brasileiras, devidamente uniformizados para intimidá-la.

Apesar dos 40 anos do crime, do relatório nacional da Comissão da Verdade e de tantos outros documentos que provam o que aconteceu em 25 de outubro, a AGU buscou intimidar e constranger Clarice Herzog.

Porém, no banco estava sentada Clarice Herzog, guardando para si mesma muito sofrimento ao responder de forma firme aquele interrogatório. Eu convido quem quiser a assistir, o material é público, está na internet.

Quem teve a oportunidade de conhecer a minha mãe, viu durante aquela sessão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos os primeiros sinais da doença que hoje nos impede de ter a presença da minha mãe aqui com a gente.

Os mais de 40 anos de luta custaram a ela a sua saúde, e infelizmente ela sofre do mal de Alzheimer, já em estado avançado, requerendo atenção contínua de cuidadoras para que ela possa ter esse final de vida com o mínimo de dignidade. (Palmas.)

Clarice é uma das heroínas dessa história. Clarice é mãe de Ivo e André, avó do Lucas - o Lucas chegou, o Lucas Herzog -, Sofia, Helena, Ramiro e Eric, de Thor e Flora.

Clarice é companheira de Gunnar, que há 46 anos está ao seu lado, segurando a sua mão e testemunhando a vida de uma mulher destruída não somente por um crime bárbaro, mas principalmente pela impunidade aos assassinos e aos mandantes.

Obrigado. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - E Ana Maria do Carmo Silva Dias, há quase 45 anos viúva, persiste para que a história do marido, o operário Santo Dias da Silva, não seja esquecida.

O assassinato de Santo ocorreu em 30 de outubro de 1979, dois meses após a aprovação da Lei da Anistia, regulamentada um dia após o crime.

A partir de então, Ana Dias firmou a responsabilidade de manter viva a semente de Santo, militante da oposição metalúrgica em São Paulo, morto pela Polícia Militar durante o piquete na fábrica de lâmpadas Silvânia, em Santo Amaro, na zona sul da Capital.

Na época em que o direito à greve ainda não era reconhecido, os grevistas lutavam por melhores condições de trabalho e salário, e pela livre expressão das suas reivindicações.

O assassinato de Santo Dias causou uma reviravolta na greve, que estava prestes a terminar e acabou ganhando um novo fôlego. Em uma assembleia, seis mil operários decidiram manter o movimento.

Alvo recorrente de ameaças e de tentativas de silenciamento, Ana Dias se manteve firme na resistência, motivada pelo propósito de preservar a memória e a história; e, como ela mesma diz, na força da mulher guerreira, tentando contar para os que estão chegando e para os que ainda vão vir que a luta não terminou, que a luta é essa, da mulher e do homem.

Por meio de um trabalho ligado à emancipação feminina na política, Ana Dias, a exemplo de outras mulheres, contestou as políticas econômicas do regime militar, reivindicando a diminuição do custo de vida na campanha popular da massa, que ficou conhecida como Movimento Contra a Carestia.

Também liderança da zona sul paulistana, Ana Dias mobilizou outras mulheres na reivindicação por uma vida mais digna e justa dentro das fábricas. Ela e o marido também militavam nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, ao lado de trabalhadores rurais e urbanos.

No final da década de 1960, afetados pelo êxodo rural, ambos migraram do interior de São Paulo para a Capital, onde fixaram moradia na periferia do Jardim Ângela.

Era uma vocação de luta e, ao mesmo tempo, de solidariedade que corria nas veias de ambos, e que aflorou em Ana com muito mais força ainda no dia do velório e sepultamento do marido.

Amparada desde o IML por dom Paulo Evaristo Arns, que temia por um ataque a bomba na Catedral da Sé, a cerimônia foi realizada na Igreja da Consolação. Ali os trabalhadores decidem sair em passeata, levando o corpo de Santo Dias para a Sé, ato que foi um divisor na vida de Ana Dias, que a partir dali entra de vez na luta pela redemocratização.

Ana Dias participa ativamente do Comitê Santo Dias e, anualmente, organiza atos públicos no local onde o marido foi assassinado. Ela também integra o Clube das Mães de Santa Margarida, na zona sul, um movimento de mães que se disseminou por diversos bairros da periferia.

Nas trincheiras de luta, Ana Dias conta com o engajamento da filha, Luciana Dias, e do filho, Santo Dias da Silva Filho.

Assistiremos agora a um vídeo da homenageada.

 

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- É exibido o vídeo.

 

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O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - E, neste momento, teremos a honra de ouvir as palavras da Sra. Ana Dias. Por favor. (Palmas.)

 

A SRA. ANA DIAS - Boa noite a todos e a todas. Mais uma vez, testemunhando aquela palavra que falei naquela hora de dor no assassinato do Santo, do medo de eles sumirem com o corpo do meu marido.

Mas que dom Paulo, muito fiel a todo aquele povo da periferia, aquele povo de luta... aquela luta que a gente aprendeu não na escola e nem com a família. Mas uma luta difícil, porque foram momentos muito difíceis que não terminaram.

Como eu disse muitas vezes, a luta não é um dia, não é um ano, mas é a vida toda. A luta para conquistar os nossos direitos, passar por uma ditadura, principalmente as mulheres, porque é muito difícil para o povo acreditar nas mulheres.

Obrigada a esta mulher que hoje fez esta homenagem à Clarice, à Eunice e a mim. Eu acredito que, se não fosse pelas mulheres, a luta nem existiria. (Palmas.)

As mulheres na periferia, quando conseguiram sair de dentro de casa, eu disse... e não só eu, mas muitas: “É muito difícil tirar a mulher de dentro de casa, porque ela foi educada pela avó, pela mãe e pela sociedade, porque a mulher é proibida de sair de casa. Mas quando ela sai e sabe dos seus direitos, ela nunca mais entra em casa e fica calada. A mulher é a luz, é a força, é a coragem”.

Eu acho que, se não fosse pela mulher, talvez a gente não conseguiria estar ou ter conquistado tanta coisa no nosso País, e continuar lutando para que nunca mais volte a ditadura.

Muito obrigada às mulheres. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Senhoras e senhores, é neste momento que convido os membros da Mesa de Honra a se dirigirem ao centro da tribuna para a outorga dos colares. (Pausa.)

Chamo então a Sra. Vera Paiva para receber...

 

A SRA. PRESIDENTE - BETH SAHÃO - PT - (Inaudível.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - A Ana Dias vai receber primeiro? Perdão. A Sra. Ana Dias, por favor, recebendo a comenda.

 

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- É feita a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo.

 

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Neste momento, então...

 

A SRA. PRESIDENTE - BETH SAHÃO - PT - (Inaudível.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Por favor, deputada.

 

A SRA. PRESIDENTE - BETH SAHÃO - PT - Por conta da lei que criou esta comenda da Assembleia, ela só pode ser colocada efetivamente na pessoa que está aqui, certo? Como a Clarice Herzog não pôde por impossibilidade - ela está doente - e a Eunice já faleceu, então nós vamos apenas entregar para os familiares.

Por isso, não estranhem que não será colocada no pescoço, apenas a Ana Dias que está aqui presente que teve isso. Mas isso não significa nada, porque o que vale é que a família está recebendo esta honraria. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Agora o Sr. Ivo Herzog recebendo a homenagem, representando a Sra. Clarice Herzog.

 

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- É feita a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo.

 

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O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Neste momento, a Sra. Vera Paiva vai receber a homenagem, representando a Sra. Eunice Paiva. (Palmas.)

 

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- É feita a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo.

 

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O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Convidamos então a Sra. Vera Paiva a usar a palavra. Por favor.

Enquanto as senhoras e os senhores retornam a nossa Mesa... senhoras e senhores, pedimos para que, ao final da solenidade, todos permaneçam no Plenário, porque, após o encerramento, prestigiaremos as apresentações musicais da orquestra Lira Musical, de Diadema, e da cantora Preta Ferreira, acompanhada pelo Anderson Sono ao violão.

Com a palavra, Vera Paiva.

 

A SRA. VERA PAIVA - Boa noite a todos, a todas e a todes. Eu não quis falar naquela hora, porque eu acho que precisava seguir para outras famílias. Agradeço muito à Beth Sahão por esta incrível iniciativa, mas eu quis falar por dois motivos.

Primeiro, um apelo ao presidente da República pelo... a gente tem chamado de “Reinstala Já” para a comissão. E a comissão, gente, se chama Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos, várias pessoas falaram outros nomes de comissões.

Tanto a Comissão da Verdade - que alguns confundem sempre com a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos - foi uma comissão de Estado que teve começo, meio e fim. A Comissão de Anistia é uma comissão de Estado que recentemente homenageou, além da Clarice, os indígenas.

São comissões de Estado que nem o governo do Bolsonaro conseguiu extinguir imediatamente. E eu queria fazer esse apelo a todos e encerrar esta sessão, porque a luta continua. Eu sou a “Veroca Livre da USP” e presidi junto a outros colegas o DCE Livre - Alexandre Vannucchi Leme.

Eu queria lembrar que o “Reinstala Já” é o reinstala de uma comissão de Estado que o Bolsonaro nos fez aguentar em minoria durante todo o tempo em que ele governou, para encerrá-la com um golpe, fingindo que tinha feito um relatório final.

Por lei, ela não poderia ter sido desinstalada. Essa foi a última ação do Governo Bolsonaro, não sei se vocês se lembram disso.

No último dia - mal assinado, inclusive - ele extinguiu a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Eu quero só ressaltar o nome da comissão, que é uma comissão de Estado instalada por lei, que só poderia ser extinta quando encerrasse os seus trabalhos. Obviamente, ela não encerrou os seus trabalhos, mas fizeram e ganharam, porque tinham a maioria.

Eu, a Diva e o Dr. Ivan, do Ministério Público, permanecemos, não fomos demitidos pelo Bolsonaro nesse tempo, estamos aguentando vocês não imaginam o que. A “sorte” foi a pandemia, que nos deixou à distância. E, por quatro a três, eles a produziram e aprovaram um relatório fake, que não é um relatório de encerramento dos trabalhos da comissão.

Então, é por isso que eu quis muito falar para vocês, para vocês entenderem que existem comissões de Estado e atividades da sociedade civil, que é algo que a gente não pode abandonar.

Como fizemos na caminhada nesses dias - na Caminhada do Silêncio -, que saiu da rotatória homenageando os torturados e assassinados lá e os sete mil presos e torturados naquele lugar, e caminhando em direção ao monumento que tem aqui em frente, dos mortos e desaparecidos.

E eu queria saudar principalmente - e vou encerrar com isso - as pessoas que vieram aqui para nos lembrar de que seguimos vivos por um lado depois de termos vivido essa tortura e essa barbárie.

E cito o Politi; cito a Amelinha e Criméia, nossa dupla querida; cito o nome da família Vannucchi Leme; Yara Prado; entre outros tantos que estiveram na Torre das Donzelas e que seguem aqui resistindo com a gente.

Eu me lembro, porque isso continua acontecendo. Os atos de prisão, de assassinato político e de tentativa de desaparecimento político continuam acontecendo.

Como eu sempre falo, o Dom e o Bruno iriam ser desaparecidos políticos se não estivéssemos vivendo em um momento de democracia em que rapidamente se movimentaram para prender a pessoa que executou, porque foi só o executor. “Quem mandou matar?”.

“Quem mandou matar? Quem mandou matar Rubens Paiva? Quem mandou matar Marielle? Quem mandou matar Bruno e Dom?”. Eles iriam virar casos de desaparecimento, porque iriam ser enterrados, dissecados os corpos e espalhados em um lugar de difícil acesso.

Para lembrar que isso ainda continua existindo, e a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos precisa ser reinstalada, presidente Lula. “Reinstala Já”, presidente Lula. (Palmas.)

E eu queria fazer uma homenagem especial à Rosalina, a querida Rosalina Santa Cruz, que, como eu, é familiar de um desaparecido político, irmã de Fernando Santa Cruz, cuja família e cujas mulheres da família insistiram na luta. (Palmas.)

E dizer que o caso do Fernando é um caso exemplar de como é possível ainda investigar e resgatar a história do que aconteceu com os restos mortais. A Mariluce também. Eu me esqueci de mencionar a minha colega, minha companheira, a Mariluce. (Palmas.)

E vejam... não sei todos sabem, mas foi identificado por depoimentos... identificou-se o corpo e se descobriu que o corpo do Fernando foi incinerado.

De alguma maneira, terminou... acabou que o local final do corpo, como disse o meu sobrinho querido que estava aqui... ele escreveu no chão, e eu mostrei para algumas pessoas na saída da caminhada, “eu quero saber onde está o corpo do meu avô”.

Ele entendeu as falas da gente na caminhada, saiu e escreveu no chão. Esse menininho que estava aqui em cima, que vocês viram, ele escreveu isso. O corpo foi identificado lá. Então, é possível.

E a história da família Santa Cruz indica que ainda é possível, sim, irmos atrás da história e do que aconteceu, e apaziguar o coração das famílias. Então, é por isso que eu estou insistindo em encerrar dizendo: “Presidente Lula, reinstala já. Presidente Lula, reinstala já”. (Palmas.)

Como disseram vários aqui, ninguém morre se é lembrado.

Então, um viva ao Fernando Santa Cruz, um viva a todos os parentes de mortos e desaparecidos aqui - sejam da ditadura de antes, sejam da ditadura de hoje que permanece com essa violência de Estado e com essa violência policial. (Palmas.)

 

 O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Senhoras e senhores, é neste momento que convidamos a deputada Beth Sahão para encerrar esta sessão solene.

 

A SRA. PRESIDENTE - BETH SAHÃO - PT - Bem, esgotado o objeto da presente sessão, eu gostaria também de citar a presença aqui do Luciano Caparroz, presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos. O Maurício já falou.

A Amelinha Telles, representando a União das Mulheres. Camilo Vannuchi, secretário da cultura de Diadema; Criméia Almeida, representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos.

Aos familiares todos e a todos aqueles que vieram acompanhar esta solenidade, esta sessão solene, muito obrigada pela presença. E assim agradeço a todos, a minha equipe também, que foi importantíssima para podermos realizar esta sessão.

Aos funcionários daqui da Assembleia Legislativa, ao serviço de som, de taquigrafia e de fotografia, ao serviço de atas, do Cerimonial, à Secretaria Geral, à TV Alesp e às assessorias das Polícias Militar e Civil, bem como a todos que, com as suas presenças, para que tivesse este evento pleno êxito.

Assim, eu encerro a presente sessão. Boa noite.

Obrigada a todas e todos. (Palmas.)

E agora temos um coquetelzinho ali, porque todo mundo que não jantou ainda deve estar com um pouquinho de fome. Então... E a música da...

Agradecemos mais uma vez à Orquestra de Diadema. (Palmas.) Uma salva de palmas para eles e para a nossa querida Preta. Cadê a Preta? Ué, a Preta... cadê a Preta? À Preta também, a Preta Ferreira, sempre parceira dos nossos eventos aqui. Por favor. Então, ficamos aí com a música da Orquestra de Diadema.

Muito obrigada.

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - ADRIANO GARCIA - Encerrada a solenidade, por favor, TV.

 

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- Encerra-se a sessão às 21 horas e 23 minutos.

 

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