17 DE MAIO DE 2024
29ª SESSÃO SOLENE PARA ENTREGA DO PRÊMIO DRA. THEODOSINA ROSÁRIO RIBEIRO
Presidência: LECI BRANDÃO
RESUMO
1 - LECI BRANDÃO
Assume a Presidência e abre a sessão às 10h23min.
2 - CLAUDIA LUNA
Mestre de cerimônias, nomeia a Mesa e demais autoridades presentes.
3 - PRESIDENTE LECI BRANDÃO
Informa que a Presidência efetiva convocara a presente solenidade para "Entrega da Medalha Theodosina Rosário Ribeiro - Edição Carolina Maria de Jesus", por solicitação desta deputada. Convida o público para ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro". Tece considerações sobre a relevância desta sessão solene. Lamenta a tragédia vivenciada pela população do RS.
4 - CLAUDIA LUNA
Mestre de cerimônias, anuncia a exibição de vídeo sobre Theodosina Rosário Ribeiro. Faz relato da história e anuncia a exibição de vídeo sobre Carolina Maria de Jesus.
5 - JULIA ROLAND
Secretária estadual de Mulheres do PCdoB, faz pronunciamento.
6 - CLAUDIA LUNA
Mestre de cerimônias, lê currículos e anuncia a entrega de comendas às homenageadas.
7 - FLÁVIA OLIVEIRA DE FRAGA
Jornalista, faz pronunciamento.
8 - PAULA BATISTA CHAVES DE LIRA
Jornalista, faz pronunciamento.
9 - MARIA NATALÍCIA DE PAULA
Líder comunitária, faz pronunciamento.
10 - JANAÍNA TEODORO
Ìyálorisa Omilade, sacerdotisa de
candomblé, faz pronunciamento.
11 - ANA KOTEBAN
Professora de sociologia, faz pronunciamento.
12 - MÁRCIA DE SOUZA TOBIAS
Professora de música, faz pronunciamento.
13 - TERESA CRISTINA CABRAL SANTANA
Juíza de direito, faz pronunciamento.
14 - MATILDE RIBEIRO
Professora na Unilab - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, faz pronunciamento.
15 - ELAINE SABINO NASCIMENTO
Presidente da AMNS - Associação de Mulheres Neide Sabino, faz pronunciamento.
16 - SOLANGE CRUZ BICHARA REZENDE
Presidente do Grêmio Recreativo Cultural da Escola de Samba Mocidade Alegre, faz pronunciamento.
17 - VERA EUNICE DE JESUS LIMA
Pedagoga, faz pronunciamento.
18 - NÉIA COSTA
Presidente do PCdoB de Carapicuíba, faz pronunciamento.
19 - PRESIDENTE LECI BRANDÃO
Reflete sobre sua história. Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão às 12h45min.
* * *
- Assume a Presidência e abre a sessão a Sra. Leci Brandão.
* * *
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA -
Cumprimento novamente a todas as pessoas presentes. Eu sou a Claudia Luna e
terei a oportunidade, de igual modo, a grande honra, de realizar este
cerimonial. Comunicamos, então, que, neste exato momento, iniciamos a
solenidade de entrega da presente medalha e solicitamos que ocupem os seus lugares
e, por gentileza, deixem os seus aparelhos celulares no modo silencioso.
Bom dia,
senhoras e senhores, sejam bem-vindos e bem-vindas à Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo para a sessão solene com a finalidade de entrega da Medalha
Theodosina Ribeiro. Comunicamos às pessoas presentes que esta sessão solene
está sendo transmitida ao vivo pela TV Alesp pelo canal Alesp no YouTube.
Anunciamos para
compor a Mesa principal a excelentíssima Sra. Deputada Leci Brandão, proponente
desta sessão solene. (Palmas.) A Sra. Julia Roland, secretária estadual de Mulheres
do PCdoB. (Palmas.)
Para iniciarmos
formalmente a nossa sessão, com a palavra a nobre deputada Leci Brandão.
A SRA. PRESIDENTE - LECI BRANDÃO - PCdoB - Sob
a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos nos termos regimentais. Esta Presidência
dispensa a leitura da Ata da sessão anterior.
Sras.
Deputadas, Srs. Deputados, minhas senhoras, meus senhores, esta sessão solene
foi convocada pelo presidente desta Casa, deputado André do Prado, atendendo à minha
solicitação, com a finalidade de entregar a Medalha Theodosina Ribeiro.
Convido a todos
os presentes para, em posição de respeito, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro.
* * *
- É executado o Hino Nacional Brasileiro.
* * *
A SRA. MESTRE DE
CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Informamos a ausência da
neta e do filho da Dra. Theodosina Ribeiro, que, por questões de ordem de saúde
de um membro da família, não puderam estar presentes. Desejamos, portanto,
melhoras.
Anunciamos, neste instante, as
seguintes presenças: Sr. Wilson Brito, presidente estadual do PCdoB; Sra. Kele
Cristina, representando o deputado federal Orlando; coronel Rodolfo Guerra,
representando o Comando Militar do Sudeste; Sra. Vera Lucia Gomes,
representando o vereador Dr. Adriano Santos, da cidade de São Paulo; Sr. Claudio
Fonseca, presidente do Sindicato dos Professores Municipais de São Paulo.
Sr. Peter Lucas, presidente da União
da Juventude Socialista São Paulo - UJS; Sra. Sandra Mariano, coordenadora do Fórum
Nacional de Mulheres Negras; Sr. João Carlos Cassiano, fundador do Conselho da Comunidade
Negra; Sra. Edilia Aparecida, presidente do Conselho da Comunidade Negra Santa
Rosa; Sra. Iara Bento, coordenadora do SOS Racismo a leste e a sempre deputada
Ana Martins. (Palmas.)
Com a palavra, a nobre deputada Leci
Brandão.
A
SRA. PRESIDENTE - LECI BRANDÃO - PCdoB - Que Deus proteja, abençoe e ilumine
todas, todos e todes que aqui estão. Embora este momento seja de celebração,
não posso deixar de me manifestar sobre a tragédia que está acontecendo em
nosso País.
Então, antes de mais nada, eu quero
expressar a nossa solidariedade e reforçar a necessidade de reunirmos esforços
pela população do Rio Grande do Sul. O que está acontecendo atinge todo o povo
brasileiro, e este é um momento de união pelas vítimas, mas também de cobrar
mudanças em relação às questões ambientais e sociais.
Estamos na edição da Medalha Theodosina
Ribeiro, que neste ano presta uma homenagem à Carolina de Jesus. Por isso,
inicio minha fala citando uma frase que está em sua primeira e mais conhecida
obra, “Quarto de despejo”.
Lá, Carolina disse: “O Brasil precisa
ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora”.
Essa obra relata o cotidiano da escritora na favela do Canindé, em São Paulo, e
conquistou uma imensa e rara acolhida de crítica e público em seu lançamento.
Carolina publicou outras obras depois
dessa. Possuidora de muitos talentos, escreveu poemas, crônicas, peças de
teatro e letras de música. Mas, depois de “Quarto de despejo”, veio o
esquecimento, e todas nós sabemos o porquê.
Carolina viveu o que acontece com
todas as mulheres pretas que não aceitam o lugar que a sociedade racista lhes
reserva. Carolina passou pelo que passam as submissas, aquelas que não se
intimidam. Também querem torná-las insignificantes, apagar suas palavras, calar
a sua voz. Mas tempo é orixá, e o tempo não esquece.
O reconhecimento da grandiosidade de
sua obra veio depois de sua morte. Ela partiu deixando um legado admirável. A
importância histórica de Carolina Maria de Jesus para a luta antirracista e por
moradia, entre outras, além da amplitude e complexidade de sua produção
literária, sempre será inspiração e exemplo de resistência e de que a luta, a
arte e a poesia podem e devem sempre andar juntas.
Apesar de todos os desafios, Carolina
não desistiu, porque desistir nunca foi uma opção para quem escrever e existir
eram a mesma coisa. Carolina, com sua prosa e sua poesia, presenteou o mundo
com sua literatura de testemunho a partir de um olhar ímpar sobre si e sobre a
cidade que a rodeava. Ela não apenas expôs a realidade em que vivia, mas também
elaborou grandes reflexões sobre a indiferença e a profunda desigualdade social
que ainda hoje persistem.
Certa vez, ela disse: “Não digam que
eu fui rebotalho, que vivi à margem da vida. Digam que eu procurava por
trabalho, mas sempre fui preterida”. Carolina transformou em poesia-protesto as
violências e as tentativas de apagamento do nosso povo.
Assim como Carolina, também
precisamos celebrar a memória de outra grande mulher que dá nome a esta
medalha, Dra. Theodosina Rosário Ribeiro, primeira mulher negra a ser eleita
deputada estadual por São Paulo. Ela, que infelizmente nos deixou em 2020, foi
um exemplo de vida dedicado ao trabalho ético e aguerrido em favor das
minorias.
A Dra. Theodosina sempre foi uma luz
inspiradora para que todas nós perseguíssemos o ideal de vermos os espaços de
poder sempre ocupados por aqueles e aquelas que, de fato, representam a maioria
do nosso povo, com legitimidade.
Portanto, inspirados em Carolina e na
Dra. Theodosina, estamos aqui hoje para reconhecer e celebrar outras grandes
mulheres que estão na batalha não só por elas, mas por todas nós.
Todo o meu respeito, agradecimento e
reconhecimento à trajetória de Matilde Ribeiro; Néia Costa; Teresa Cristina
Cabral; Paula Chaves de Lira; Elaine Sabino Nascimento; Maria Natalícia de
Paula; Ana Koteban; Ìyálorisa
Omilade; Laura de Jesus Braga; Márcia de Souza Tobias; Vera
Eunice de Jesus; Flávia Oliveira; Solange Cruz Bichara. (Palmas.)
Axé para todas elas. Que Deus e os
nossos orixás continuem abençoando a caminhada de vocês.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE
CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Assistiremos neste
instante a um vídeo sobre a Dra. Theodosina Ribeiro, que institui e dá nome à
medalha que será outorgada às mulheres incríveis na sessão solene do dia de
hoje.
* * *
- É exibido o
vídeo.
* * *
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Nossa
sessão solene de hoje é dedicada à Carolina Maria de Jesus. Mas quem é Carolina
Maria de Jesus? Nascida em Sacramento, Minas Gerais, no dia 14 de março de 1914,
o nome dessa mente brilhante batiza desde ruas e escolas a bibliotecas. Isso
porque estamos falando de uma das mais destacadas escritoras da literatura
brasileira.
Carolina teve
uma vida dura, cheia de violência, discriminação racial e de gênero. Foi
empregada doméstica, catadora de papel e recicláveis. Este último recurso foi
por muito tempo a única fonte de renda para que pudesse sobreviver e cuidar de
seus filhos.
Neta de
escravizados e filha de uma lavadeira analfabeta, ela tinha mais sete irmãos.
Teve acesso ao estudo formal somente na infância, por apenas dois anos. Com o
conhecimento que adquiriu enquanto estudante, e por seus esforços diários de
estudo e escrita, utilizando papéis que ela encontrava enquanto trabalhava como
catadora, Carolina se revelou escritora, poeta, compositora e cantora.
Em 1960,
escreveu sua obra-prima, “O quarto de despejo”, um sucesso mundial de vendas,
que foi traduzido para mais de dez idiomas, e distribuído em mais de 40 países.
Todo esse
sucesso inegável lhe rendeu homenagens da Academia Paulista de Letras; da
Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo; além do título
honorífico da “Orden Caballero del Tornillo”, na Argentina, em 1961; e, claro,
a admiração e o reconhecimento do povo brasileiro, em especial de meninas e
mulheres negras de todo o País.
Carolina
presenteou o mundo com sua literatura periférica de testemunho. A partir de um
olhar ímpar sobre si mesma e sobre a cidade que a rodeava, a autora não só
expôs a realidade em que vivia, mas também elaborou grandes reflexões sobre a
indiferença e a profunda desigualdade social que ainda hoje resiste persiste e
maltrata o povo brasileiro.
Por sua
genialidade e talento, Carolina inspira dissertações e teses acadêmicas que
abordam da solidão ao urbanismo, da literatura à história econômica, política e
social deste Brasil. Neste ano, celebramos 110 anos de Carolina Maria de Jesus.
Portanto, Carolina Maria de Jesus, presente! (Palmas.)
Seguiremos com
a exibição de vídeo sobre Carolina Maria de Jesus.
* * *
- É exibido o vídeo.
* * *
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Neste
momento, passaremos a palavra à Sra. Julia Roland para uma breve saudação.
A SRA. JULIA ROLAND - Bom dia a todas
e todos. É uma grande honra estar aqui nesta Mesa com a nossa querida e grande
deputada Leci Brandão, que eu acho que é um exemplo que nos honra e nos
representa, a todas e todos que estamos aqui nesta sessão solene.
Eu quero dizer à
Leci que a gente muito admira a grande sabedoria e sensibilidade com que ela
tem realizado essas homenagens, no sentido de dar visibilidade para mulheres
que fazem a diferença na nossa sociedade. Então, eu acho que relembrar quem foi
Theodosina, quem foi Carolina de Jesus, nos emociona muito.
Eu queria
ressaltar isso e ressaltar, também, que Leci também é um grande exemplo para
todas nós. Leci, pela sua carreira como artista, como defensora da cultura
popular, da música brasileira, sempre estando no lado certo da nossa história.
Desde muito
jovem, Leci sempre soube se posicionar muito bem, do lado daqueles e daquelas
da nossa sociedade que sofrem mais exploração, mais opressão de gênero, de raça,
e todo tipo de discriminação. Então, para mim, como secretária estadual da Mulher
do PCdoB, é uma honra imensa estar aqui hoje com Leci Brandão, que eu acho que
merece todo o nosso aplauso, merece todas as nossas homenagens.
Eu quero dizer
que, apesar de todas as dificuldades, eu acho que nós estamos avançando em
conquistas. Eu acho que as mulheres têm cada vez lutado mais e avançado nas
conquistas.
Recentemente,
nós vimos o Congresso Nacional, mesmo com todas as dificuldades que a gente
sabe que tem no Congresso Nacional, aprovar a lei de salário igual para
trabalho igual, que eu acho que foi uma grande conquista do governo Lula.
Eu acho que
isso é importante, esses avanços na legislação, mas nós precisamos, de fato,
que na vida real isso aconteça. E eu acho que isso vai depender ainda de muita
luta de todas nós.
Eu quero aqui
também parabenizar todas as homenageadas: a nossa sempre ministra Matilde
Ribeiro; a nossa grande jornalista Flávia de Oliveira, que muito nos honra; a
Dra. Teresa Cabral; a Márcia Tobias; a Elaine Nascimento.
A Ìyálorisa Omilade; a Paula Batista;
a Natalícia de Paula, que eu já conhecia e hoje reencontrei aqui; a Vera de
Jesus; a Solange Bichara; a nossa Néia Costa, lá de Carapicuíba, grande
lutadora; a Elaine Sabino.
Eu acho que consegui ler nome de
todas elas e eu acho que todas vocês representam a luta e a garra das mulheres
que lutam exatamente para mudar a nossa sociedade e que fazem a diferença.
Eu quero dizer também que este
ano - nós estamos 2024 - é um ano de renovação das prefeituras e das câmaras
municipais, e nós todas devemos lutar para que essa renovação seja no sentido progressista.
No sentido em que a gente venha a
ter mais prefeitos e prefeitas, vereadores e vereadoras que tenham o
compromisso de ampliar e aprofundar a construção de políticas públicas que
consigam liberar a mulher das tarefas de cuidado da família, que a gente sabe
que ainda hoje são as mulheres... é sobre elas que recai a maior parte das
tarefas de cuidados, não é, Leci?
Então, eu acho que a gente
precisa ter cidades que consigam compreender essa realidade e implementar políticas
que liberem a mulher dessas tarefas para que elas possam ocupar todos os
espaços que existem na sociedade não só a nível dos parlamentos, mas na academia,
no mercado de trabalho.
E para isso é fundamental que a
gente avance nessa construção de políticas públicas de lavanderias coletivas,
de restaurantes populares, política de cuidados. Porque, felizmente, a nossa
população cada vez amplia mais o número de anos que as pessoas vivem.
Então o número de idosos e idosas
aumentam na nossa sociedade e isso aumenta mais ainda a responsabilidade das
mulheres, porque hoje são elas, meninas e mulheres, que têm essa tarefa de
cuidados na família.
Então eu quero chamar atenção
para essa questão e eu acho que nós devemos falar bem alto da necessidade de
que essas políticas sejam implementadas. Por isso, Leci, mais uma vez, parabéns.
Eu acho que você nos representa e eu quero mais uma vez dizer a honra do PCdoB ter
você como parlamentar aqui nessa Alesp.
Lembrando que o PCdoB foi o
partido que mais implementou a política de valorizar mulheres e negros. Na
nossa votação nas últimas eleições, 56% da nossa votação foi em mulheres e 75%
em negros e negras. Assim, temos Leci aqui, na Alesp; e, na Câmara Federal,
Orlando Silva. Então, eu quero cumprimentar.
E, mais uma vez, obrigada e parabéns
a todas hoje que são homenageadas. (Pausa.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Ao longo desta
sessão solene, trarei algumas citações de Carolina Maria de Jesus. Vamos
começar: “Quando o homem decidir reformar a sua consciência, o mundo tomará
outro roteiro”.
E considerando que vamos iniciar
agora, deixando de lado as formalidades, ilustre deputada Leci Brandão, esta
sessão solene que vai trazer as mulheres incríveis, memoráveis, inspiradoras
que têm escrito novos roteiros e que vêm transformando o mundo e a sociedade
com suas trajetórias e suas atuações.
Então, neste instante iniciaremos
a “femenagem” a essas mulheres incríveis, inspiradoras, magnânimas, que se
destacam na sociedade em relação a sua contribuição, a sua luta ao
enfrentamento à discriminação racial, de gênero e a inúmeros preconceitos na
defesa dos direitos das mulheres e da cidadania no estado de São Paulo.
Vale ressaltar que nossas “femenageadas”
terão três minutos para sua saudação e agradecimentos, considerando o horário
de término pela Casa para a realização desta sessão.
E agora segurem vossas emoções e
podem soltá-las também, porque neste momento efetivamente tem início a entrega
da Medalha Theodosina Rosário Ribeiro, edição Carolina Maria de Jesus.
(Palmas.)
E agora eu quero ver se vocês vão
descobrir quem é a nossa primeira “femenageada” de hoje. Ela é jornalista, é
comentarista na Globo News, colunista no jornal “O Globo” e na rádio CBN.
É “podcaster” no Angu de Grilo,
integra o conselho deliberativo da Anistia Internacional Brasil e os conselhos
consultivos das organizações Uma Gota no Oceano, Centro de Estudos das Relações
de Trabalho e Desigualdades - CERRT, Observatório de Favelas, Instituto Sou da Paz,
Instituto Ibirapitanga, Perifa Connection, Fundação Tide Setubal e Museu do Amanhã.
É membro do conselho da cidade do Rio de Janeiro no grupo temático Igualdade e
Equidade.
Venha receber a Medalha Theodosina
Ribeiro e ela já chegou, Flávia Oliveira de Fraga. (Palmas.)
* * *
- É entregue a homenagem.
* * *
A SRA. FLÁVIA OLIVEIRA DE FRAGA - Eu escrevi algumas palavras para não
me perder no tempo. Bom dia a todos, todas, todes. É uma alegria, uma honra,
estar aqui nesta manhã. Eu que sou uma carioca, é minha primeira vez na Alesp e
já para uma missão tão gigantesca, um reconhecimento. Algo inesperado, deputada,
mas que eu recebo com muita emoção.
Não é trivial, agora, uma mulher,
uma avó, uma profissional, mas que partiu de uma menina de Irajá, do subúrbio
do Rio de Janeiro, criada por uma mãe solo, aluna de escola pública a vida
inteira, produto da educação pública e gratuita pela qual milito e militarei,
porque a educação foi o meu passaporte.
A honra e a alegria de receber a Medalha
Theodosina Rosário Ribeiro em uma edição que reverencia Carolina Maria de Jesus
e pelo mandato da dona Leci Brandão, essa mulher que eu admiro, essa artista
que eu reverencio, ouço, frequento os shows, essa parlamentar que eu respeito
profundamente pela dignidade e pela persistência na vida política, que não é
simples para mulheres, que não é simples para mulheres negras, que não é
simples para mulheres idosas.
Então, são muitas camadas de
coragem, dona Leci, que a senhora carrega e, ao carregar, nos inspira. Esta
cerimônia está repleta de simbolismo. Ela encerra a semana do 13 de Maio. São
136 anos de uma abolição incompleta.
Nós usamos esta data, primeiro, para
lembrar que nos é devido ao povo negro o reconhecimento de luta pela
liberdade. Não foi concessão, foi disputa, foi conquista, foi luta dura.
Usamos esta
data também para lembrar o que ainda é devido à população afro-brasileira em
direitos, em políticas públicas, em oportunidades. Vem daí a ideia de um 13 de
maio reflexivo, questionador. Nosso povo segue maioria entre os famintos e os
pobres, entre os desempregados, entre os que vivem em más condições
habitacionais e privados de direitos fundamentais.
Nossa cultura e
nossa fé - nossa fé, dona Leci - são alvos da intolerância. Nossos corpos,
alvos do racismo, da misoginia, da LGBTfobia. Há muito a avançar, muito a
avançar, mas muito se avançou.
Carolina Maria
de Jesus, Theodosina Ribeiro e Leci Brandão são provas de que muito se avançou.
São três mulheres da cultura, da política, da luta por direitos, da indignação
contra desigualdades, do inconformismo. Três mulheres que não se renderam,
mulheres que lutaram e lutam, mulheres que brilharam e brilham, mulheres que
inspiraram e inspiram.
Esta
sexta-feira de oxalá é dia de renovarmos nossos votos com os nossos ofícios,
nossa cidadania, nossas causas, nossos sonhos. É dia também de agradecermos por
nossas conquistas, que não foram poucas. Tem hora que a gente tem que parar e
falar: “Puxa. Valeu. Chegamos”. É isso que eu e essas minhas companheiras hoje
aqui reconhecidas, homenageadas, “femenageadas”, representam.
Segundo o texto
do prêmio, empoderamento, impacto e influência na vida de pessoas em situação
de vulnerabilidade. Cada qual de nós em nossas áreas somos vencedores, estamos
no caminho. Nossa ancestralidade nos trouxe até aqui, segue a nos inspirar.
Seguiremos.
Muito obrigada.
Muito obrigada,
de coração. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA
- E vamos à nossa segunda “femenageada”. Ela é fotógrafa; artista visual;
jornalista; produtora cultural; produtora de eventos e comunicação com foco em
projetos como poéticas negras; que promove dentro do ambiente escolar
exposições, palestras, contação de histórias, oficinas, formações e
apresentações artísticas. Sua produção é atravessada pela pesquisa sobre
mulheres negras.
Representatividade,
autoconhecimento, ancestralidade, regeneração, relação dos seres humanos com o
sagrado e a natureza, o resgate de saberes de culturas periféricas e
ancestrais, além de narrativas decoloniais. Integra o Fórum de Cultura e a
cadeia de gestão do Conselho Municipal de política cultural de Ribeirão Pires.
É cofundadora da Pólen Criativa, Cria, Matuta, coletivos e sementes de uma
produção cultural com o olhar mais humano.
Recebe, neste
momento, nossa “femenageada” a Medalha Theodosina Ribeiro, Paula Chaves de
Lira.
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. PAULA CHAVES DE LIRA
- Bom dia, gente. É uma honra imensa estar aqui. (Palmas.) Vou tentar ler,
desculpa a emoção.
A SRA. PRESIDENTE - LECI BRANDÃO - PCdoB
- Você tem todo o direito de tudo o que você quiser fazer.
A SRA. PAULA CHAVES DE LIRA
- Obrigada. Primeiro, quero saudar todas as mulheres que estão aqui, agradecer
demais a indicação para receber este prêmio. Estar neste lugar, estar ocupando
este lugar, junto de tantas mulheres incríveis, que têm uma atuação notável, e
estar no mesmo lugar é uma honra gigante.
Então, primeiro
quero agradecer a esta Casa, agradecer à Leci, agradecer a tantas mulheres que
vieram antes de mim, que abriram, que pavimentaram os caminhos para que, hoje,
eu pudesse estar aqui, para que todas nós pudéssemos estar aqui.
Quero agradecer
às minhas ancestrais. Eu sou uma, mas eu não sou só. Então eu só estou aqui
porque outras mulheres abriram esse caminho e pavimentaram esse caminho, para
que a gente pudesse militar onde mais, para que a gente pudesse estar aqui
hoje.
Sinto que este
prêmio não é só para mim; este prêmio reconhece, mas ele é muito coletivo. Acho
que minha atuação é muito coletiva, na sala de aula, no campo artístico, no
território que hoje ocupo, que eu escolhi ocupar, que é Ribeirão Pires.
Este prêmio é
para a minha bisavó Mariana, é para a minha avó Cida, é para a minha mãe, que
está aqui. Desculpa. (Palmas.) Ele é para a minha irmã, que está aqui também,
ele é para mulheres que lutam e lutaram há muitos anos e têm trabalhado, têm
feito um trabalho incrível em Ribeirão Pires. Eu não estaria aqui se não fosse
por elas.
Então, obrigada
por estarem aqui. A Fernanda está aqui, a Dani está aqui, a Monique está aqui,
a Letícia está aqui, a Bruna está aqui, então eu queria agradecer imensamente a
vocês por estarem aqui. Eu só estou aqui porque todo mundo está junto.
Agradecer ao
meu companheiro, que está aqui ao meu lado sempre. Então é isso, gente. Eu
queria só agradecer mesmo. É uma honra gigante, e é isso.
Eu sou uma, mas
eu não sou só, e que bom que estamos juntas. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA
- Saiba que a honra é toda nossa. Dando continuidade às mulheres constelares
que serão “femenageadas” hoje, a nossa próxima “femenageada”, a terceira, ela
que falou, viu, gente? Eu não acredito.
Ela tem 66
anos, é mãe, avó, companheira, mulher negra, liderança comunitária com atuação
nas áreas de Saúde e Educação, mais conhecida como Nata, participou ativamente
do GEN, Grupo Espaço Negro, e do projeto pré-vestibular para negros e jovens
carentes em parceria com a Educafro.
Educadora
social, participou das APNs, Agentes da Pastoral Negra, núcleo da igreja
católica, e mais tarde coordenou o Projeto Primeiro Tempo da Facesp, Federação
das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo, com atividades esportivas
e de recreação para crianças e jovens da periferia.
Liderança
ativa, participativa da luta pela construção e pelo bom funcionamento do posto
de Saúde do Jardim Promorar, em Sapopemba, na zona leste de São Paulo. Ela é
formada em Letras pela Faculdade Metodista. E quem é? É óbvio que a nossa “femenageada”
é a Sra. Maria Natalícia de Paula. (Palmas.)
Vai lá, Nata,
que é sua.
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. MARIA NATALÍCIA DE PAULA - Gente,
muito obrigada. Foi muito engraçado. Quando eu recebi o convite, eu sou
paulistana, nascida na Vila Prudente, e aí, minha amiga, Liege Francisca, me
mandou uma mensagem: “Vem para São Paulo, Nata. Você vai ser homenageada”.
Gente, que emoção. Homenageada, nossa, que chique. “Eu estou indo”.
Peguei o
ônibus, vim de Santo Hipólito, Minas Gerais, para cá - meu esposo e eu - e aqui
estou, gente, para agradecer às minhas amigas; aos meus amigos; ao meu esposo,
José Antônio; minha filha; pessoas que sempre estiveram ali ao meu ladinho,
ajudando-me, caminhando juntos.
A deputada Leci
Brandão também sempre, em alguns momentos, estava lá com a gente no Espaço
Negro. Julia também, sempre estava ali com a gente na Vila Prudente, São
Mateus, Jardim Elba. Isso é um pouquinho de mim, gente.
Hoje,
infelizmente, estou com problema de saúde, não posso fazer muita coisa, mas eu
canto e encanto com a minha voz, porque eu amo cantar. (Palmas.) E Deus abençoe
a todos.
Muito obrigada
e axé! (Palmas.)
*
* *
- É feita a
apresentação musical.
*
* *
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Gratidão,
Nata. E agora, prosseguindo a nossa solenidade, quero chamar aqui mais uma
mulher maravilhosa, esplêndida. Ela disse: “Eu também não acredito e quero
saber o endereço da fonte da juventude que essas mulheres frequentam”. Ela
disse que ela tem 43 anos. Eu não acho.
É mulher preta,
mãe, sacerdotisa de candomblé, compositora, poeta e ativista pelos direitos dos
povos de terreiro. Yemojazz tem uma carreira extensa de atuação nas
manifestações artísticas, culturais e sociais negras. É pedagoga, com foco na
coordenação de projetos pedagógicos de valorização das tradições de matrizes
africanas, estudante de direito e moradora da zona sul de São Paulo.
E ela é Ìyálorisa
Omilade, Janaina Teodoro. (Palmas.)
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. JANAINA TEODORO - Como falar depois
de tanta emoção? Primeiro eu quero pedir ao Orixá Exu para que eu seja
instrumento de todas as suas palavras. Estou bem emocionada.
Quero agradecer
a toda a Casa, na figura da deputada Leci Brandão, uma querida para todos nós.
Quando a gente fala da gente, a gente está falando da nossa ancestralidade, e
eu quero que vocês entendam os quatro pilares que me trouxeram até aqui.
A minha família
biológica, minha mãe, Lourdes; meu pai, Cícero; minhas filhas, Laíne e Aliá;
meus irmãos; meus sobrinhos. O hip hop, que eu agradeço na figura de Sr. Oswaldo
Faustino, um querido; na figura da minha filha Rúbia, minha filha de santo,
Rúbia, do RPW, MC, como eu.
O samba, na
figura da querida Tetê; minha escola de samba, Camisa Verde e Branco, na figura
do mestre Dadinho - os dois nos deixaram, mas deixaram um legado incrível; na
figura da nossa querida deputada Leci Brandão; do Sr. Jair Praxedes, pai do meu
filho, Tiago Praxedes.
Ao candomblé,
minha estrutura, a quem rega meu Orí, na figura de Babayro Fá, que trouxe a
nação Efon para o Brasil, e da minha Ialorixá, Maria Lopes dos Anjos, que fez
70 anos de santo este ano, a quem eu dedico o meu amor, o meu carinho a todas
essas pessoas.
Nós somos,
porque tem sempre alguém que trilhou um caminho de dor, de luta, de coragem. Então,
eu sou a continuidade dos passos de todas essas pessoas e, digo mais, sou
combatente do racismo, do racismo estrutural, com a minha existência.
Então, aos
povos de candomblé, eu existo e eu agradeço a cada um, a cada uma que antecedeu
a minha existência, e por isso estou aqui. E quero dizer que eu sou uma mulher
próspera e muito feliz com a minha comunidade, (Inaudível.), na zona sul de São
Paulo.
E é por isso
que eu também quero cantar, eu quero cantar porque os Efons são filhos da
felicidade. Nós dançamos para a felicidade, nós cantamos para a felicidade. Aí
tem uma cantiga que a gente fala sobre isso.
*
* *
- É feita a
apresentação musical.
*
* *
Nós somos
filhos da felicidade e dançamos para ela. (Palmas.)
Obrigada.
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Obrigada.
E a nossa próxima “femenageada” também tem 43 anos. É mãe de cinco filhos,
mulher de fé e do axé, filha de dona Adailza, baiana forte, empregada doméstica
que, assim como milhares de outras mulheres guerreiras, criou seus três filhos
com muita luta.
Mestra em sociologia
das relações raciais, pedagoga, especialista em educação antirracista,
professora de sociologia na educação básica, pesquisadora do Ballet Afro
Koteban, professora de dança, dança educadora, cofundadora do Coletivo
Antonieta de Barros e coautora do “Protocolo antirracista para Educação no estado
de São Paulo”, a nossa “femenageada” é Ana Koteban. (Palmas.)
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. ANA KOTEBAN - Bom dia.
Muito obrigada a cada pessoa que está aqui presente para celebrar as nossas
vidas e o nosso caminhar.
Eu vou tentar
ser breve. Eu não escrevi, porque eu fico mais nervosa quando eu leio, ao
contrário da maioria das pessoas. Estando aqui ao lado da ilustríssima
deputada, esta mulher que nos honra, Leci Brandão, com sua história, sua
biografia, eu vim pensando em ancestralidade.
Ancestralidade
é uma coisa da qual eu tenho falado bastante e tenho vivido bastante. Eu
entendo que ancestralidade é uma linha que liga o desde sempre até o para
sempre. Cada um de nós é um ponto nessa trajetória da ancestralidade.
Então, eu,
aqui, só posso olhar para trás, “sankofando”, agradecer a todas as mulheres que
vieram antes de mim: dona Leci, nossa mais velha; a ministra Matilde aqui, que
também deu tanta contribuição para o nosso povo; minha avó; minha mãe, minha
mãe Adailza.
Minha querida
amiga Edna, que, mesmo não estando tão bem de saúde, fez o esforço de vir até
aqui; minha querida amiga Rosana de Souza, uma mulher que muito me inspira
também, uma grande educadora e que é autora do primeiro documento que nós temos
na cidade de São Paulo para a educação das relações étnico-raciais.
Eu estou entre
essas mulheres e, atrás de mim, tem muitas; à minha frente, tem muitas outras,
a minha irmã Adriana, que está aqui também, fazendo todo o esforço de um dia de
semana vir aqui, como todos vocês. Eu estou feliz, minha irmã, porque você
caminhou tudo que você conseguiu caminhar e chegou até aqui.
Ana Carolina,
minha aluna. Eu digo para a Ana que um dos orgulhos que eu tenho como
professora é ser professora de uma menina negra como ela. Minhas filhas... eu
tenho muitas mulheres antes de mim e depois de mim, tenho as minhas filhas, Jolie,
Tanti, Kadi e muitas virão depois.
Como educadora,
o que eu faço é cultivar, arar esse solo que vai alimentar esse futuro. É isso
que as educadoras fazem. As mulheres, sobretudo as mulheres negras, são as
grandes educadoras da nossa sociedade, do nosso País, da nossa história.
Vocês me educam
e me educaram. Minha mãe, Adailza, que, com a sua coragem, com a sua força, com
a sua luta, me educou desde o berço, me ensinou a ser insubordinada, a
questionar, a perguntar e a não desistir.
Com todos os
desafios que existem em ser educadora, em ser uma educadora negra em um país
como o Brasil, eu não posso, pelas minhas filhas e por todas que virão depois,
deixar de continuar arando esse solo. A gente precisa.
É por isso que
a proposta de protocolo antirracista, da qual eu sou uma das coautoras, é tão
necessária. Falamos de Carolina e, quando vimos a biografia de Carolina, vimos
que a mãe dela a tirou da escola porque a escola era um espaço de violência
para ela.
Infelizmente,
para muitas das nossas crianças, a escola continua sendo um espaço de
violência. É o primeiro ambiente onde muito de nós viveu a primeira experiência
de violência, a primeira experiência com o racismo, e isso tem que acabar.
Então, se eu
estou aqui por conta desta realização, eu sou grata. Isso não é uma homenagem a
mim. Eu acho que isso é uma homenagem, uma “femenagem”, à coragem de cada uma
dessas mulheres que nutrem a minha coragem. Eu espero poder continuar nutrindo
a coragem das minhas filhas, dos meus filhos e de todos que virão depois.
Obrigada, meu
companheiro, Lamine Rabah, por ter me dado essa riqueza tão essencial que é
essa família tão grande, tão maravilhosa, tão extraordinária em um país como o
Brasil, uma família de crianças africanas.
E, também por
elas, continuaremos sendo insubordinadas, faremos muito mais barulhos do que
fizemos até aqui, e essa sociedade vai ter de lidar com isso, vai ter de
melhorar. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA
- Vamos prosseguindo, porque ainda tem muito mais mulheres para receberem essa
“femenagem maravisplêndida”.
Então, preparem
seus corações e a emoção também, porque a nossa sexta “femenageada” tem 42
anos, não 43, é licenciada em música, é uma professora que cria, elabora,
ensina e faz obras musicais, é multi-instrumentista, realiza canto coral, canto
erudito, é organista, é a décima de onze irmãos, família com dons natos para a
música e para instrumentos. Nessa família, quem não canta, toca e canta ou
canta e toca.
Aos seis anos,
ela já dedilhava as primeiras notas no violão, formando os primeiros acordes.
Habilidades para instrumentos, como violão, teclado, piano, cavaquinho, viola,
guitarra, órgão e para o canto. Ela é uma mulher da música, não é, gente? Já
deu para perceber.
A música sempre
foi direcionada para o âmbito religioso e projetos escolares. Executar “Ave
Maria”, de Charles Gounod, somente com o seu dom, foi um momento marcante na
sua evolução musical e de grande significado para a posição que hoje a nossa
“femenageada” ocupa.
Apesar das
dificuldades, atualmente ela está organista e cantora no Santuário Nacional de
Nossa Senhora Aparecida nas celebrações litúrgicas e sacramentais, na TV
Aparecida. Tudo isso divinamente abençoado, e, na chegada, coincidiu com as
celebrações dos 300 anos do encontro da imagem no Rio Paraíba do Sul.
A nossa
“femenageada” é a Márcia de Souza Tobias. (Palmas.)
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. MÁRCIA DE SOUZA TOBIAS
- Bom dia a todos, a todas, prezados e prezadas. Agradeço a oportunidade de
estar presente nesta Casa com muita honra, muita alegria, muita satisfação; e,
em especial, à Sra. Deputada Leci Brandão pela homenagem. Estou um pouquinho
nervosa, me perdoem.
Honradíssima
por este momento. É com muita alegria que me uno às demais colegas
homenageadas, aqui estou tendo a honra de conhecê-las hoje. Muito obrigada por
vocês existirem, e saber que existem pessoas como vocês, pessoas como nós aqui.
Muito obrigada, agradeço.
Hoje é dia de
celebrarmos o reconhecimento do nosso trabalho, das nossas lutas diárias, cada
uma na sua missão, nos seus desafios. Ora colhendo bons frutos, ora frutos
ainda não maduros, ora frutos que já estão podres. Mas sigamos, sigamos. Como
nos diz o Livro Sagrado em Eclesiastes: há um tempo para cada coisa. E hoje é
tempo de agradecer.
E eu começo
agradecendo a Deus pela minha vida, pela vida de cada uma de vocês; Deus, o
doador de todos os dons. Agradeço aos meus pais, que me trouxeram à luz - o
papai já contemplando a glória de Deus, e a minha querida mãezinha, junto aos
meus irmãos.
Família
numerosa que está lá no estado de Minas Gerais. Mas hoje eu tive a surpresa
aqui da presença do meu irmão, o Marcelino. Obrigada irmão, beijo. Obrigada. (Palmas.)
Ele me fez uma surpresa. E, apesar da presença constante dos meus irmãos, não
puderam estar presentes. Eu louvo a Deus pela vida de cada um deles.
De maneira
especial, eu quero agradecer à minha irmã, Josiane, que é a minha assessora,
toda a dedicação que ela tem a mim e aos meus projetos profissionais e
pessoais. Agradeço ao meu amigo de profissão, irmão de coração, Edmar Tassoni,
que está aqui comigo hoje, e sempre ao meu lado, partilhando a vida nos
momentos bons e nos momentos difíceis.
Gratidão também
à minha afilhada, Carla Maisel, pelo apoio nas horas difíceis da caminhada,
conversas e trocas de experiências profissionais e para a vida. Agradeço também
à Comunidade Redentorista, padres e irmãos que dirigem aquele grande Santuário
Nacional de Nossa Senhora Aparecida, na pessoa do padre Eduardo Catalfo, que me
abriu as portas daquele grande santuário, pela confiança no meu trabalho, pelo
incentivo e pelo apoio.
Quero lembrar
toda a equipe de apoio também da TV Aparecida: o Gustavo, figurinista, tem todo
o carinho, me atendeu; agradeço ao (Inaudível.) Ramos; agradeço à Dilce e
Fernanda; agradeço a cada pessoa que não posso enumerar, apesar de ter citado
alguns nomes, mas é muita gente que fez parte da minha caminhada até os dias de
hoje.
E quero levar
também vocês agora, a partir de então, nesta minha caminhada. Gratidão, viu, gente? É muito emocionante
estar aqui. Não cabem as palavras para agradecer. Muito obrigada, Liege,
também, pelo apoio e pelo suporte.
Fui agraciada
pela música desde bem pequena, como já nos disse ali a minha biografia, e foi
um longo caminho até chegar a este grande santuário, compor o grupo de músicos
do maior santuário mariano do mundo e o segundo maior santuário do mundo. É uma
grande honra, sim.
A música sempre
faz parte da vida do ser humano, em todos os momentos, desde o nascer até a
morte. A música cumpre a sua função de acalmar, animar, alegrar, incentivar,
acalentar; e, no âmbito religioso, ela também cumpre a sua função de elevar a
alma, ajudar as pessoas na conexão com o transcendente.
Em sua origem
divina, a música é como qualquer outro trabalho - isso é uma luta, ter a música
como profissão nos nossos dias -, é um dom precioso. E feliz daquele que
utiliza bem esse dom, para o bem, para unir as pessoas, para vencer as
dificuldades.
Louvado seja
Deus por esta oportunidade que me foi concedida e poder tocar o coração das
pessoas, tantas pessoas que passam por aquele santuário, que estão aí, e creio
também que atinge o âmbito social, tanto que estou aqui hoje com vocês.
Muito obrigada,
gratidão. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - E
agora, senhoras e senhores, chegou - ou chegamos -, à nossa sétima
“femenageada”. Ela, que é uma mulher da lei, uma mulher da Justiça, tem
dedicado, enquanto magistrada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em
sua atuação, às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Trazendo
transformações a esse sistema de Justiça, garantindo e ampliando os olhares,
quando realiza os seus julgamentos considerando o quanto o impacto dessas
violências em relação às mulheres, sobretudo às mulheres negras, tem causado
grande problemática e sofrimento, não só às suas vidas, mas também impactos à
sociedade.
A nossa
“femenageada” é juíza da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santo André; é juíza
coordenadora do Anexo de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, da
Comarca de Santo André; é integrante da Comesp - Coordenadoria
Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder
Judiciário do Estado de São Paulo; é presidenta do Fonavid - Fórum Nacional de
Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Além disso, ela
é mestra em direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo; integrante do Coletivo Sankofa de Magistradas; mestra em direito comparado
pela Universidade Samford, Birmingham, Alabama-Estados Unidos e também integra
a Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica.
E a nossa
“femenageada” é a juíza Teresa Cristina Cabral. (Palmas.)
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. TERESA CRISTINA CABRAL -
Bom dia a todas as pessoas que nos assistem, as que estão aqui presentes, que
puderam vir e as que nos assistem a distância. Eu escrevi aqui algumas
palavras, a emoção não me permitiria fazer sem ler aquilo que, enfim, consegui
elaborar ontem à noite.
Quero,
primeiro, pedir vênia e licença para cumprimentar todas as autoridades, as
pessoas presentes, na pessoa da deputada Leci Brandão. Coloco-me ao lado das
pessoas que entendem ser imprescindível a presença de mulheres negras em
espaços de poder e a importância dessa presença ser enaltecida a todo tempo.
Quero agradecer
por esta honraria que me é prestada e parabenizar todas as demais agraciadas.
Coloco-me ao lado de pessoas incríveis e que têm feito, com a sua história,
diferença na vida de muitas e muitas pessoas; pessoas que, certamente,
desenvolveram ações relevantes, significativas e necessárias para
transformações e em busca de direitos humanos para mulheres.
Este prêmio em
muito me honra, deputada. Honra porque foi criado em “femenagem” à Theodosina
Ribeiro, mulher negra, professora - como minha mãe -, estudou direito,
vereadora e deputada estadual, defensora dos direitos humanos das mulheres.
Honra porque
este ano a edição é em “femenagem” à Carolina de Jesus, mulher negra,
escritora, intelectual brasileira que retratou, através da literatura, a vida
de inúmeras mulheres negras no País, dando voz a tantas mulheres silenciadas,
defensora dos direitos humanos das mulheres.
Honra porque a
medalha passou a ter caráter permanente, a fazer parte do calendário da Alesp,
a partir de um projeto da deputada Leci Brandão, mulher negra do axé que, em
sua trajetória, vem proporcionando ações direcionadas ao enfrentamento de
discriminações como a intolerância religiosa, também defensora de direitos
humanos das mulheres.
Honra porque a
notícia da escolha do meu nome para receber tão distinta honraria me foi dada por
uma amiga muito querida, parceira de luta, Dra. Claudia Luna, advogada brilhante,
que tem a trajetória marcada por ações importantes para o acesso à justiça de
mulheres em situação de violência, também defensora dos direitos humanos das
mulheres.
Honra porque
trago comigo mãe, pai, irmã, irmão, filha, filho, amigas, parceiras,
companheiras de luta, minhas parentas, algumas fisicamente presentes aqui,
outras presentes de alma e coração, também defensoras dos direitos humanos das
mulheres. As ações que me trouxeram aqui são decorrência de uma ação coletiva:
sou porque somos.
Honra porque as
ações que me trouxeram aqui são decorrência de um cumprimento de uma obrigação,
não somente porque é mulher branca e tem a obrigação de lutar contra o racismo,
mas também como decorrência da minha ancestralidade. Tenho pele branca, cabelo
liso, mas sou neta de avó negra e bisneta de bisavó indígena.
Por conta do
apagamento da história negra neste País, muito dessa história se perdeu, como
tantas outras. Só consegui compreender que essa história existe após iniciar
meu letramento racial. Nunca sofri o preconceito que minha avó e minha bisavó
sofreram, mas trago algumas marcas que direcionaram minha trajetória.
O “pretoguês”
falado por minha avó. Ainda hoje me lembro da minha avó colocando a gente para
dormir, deputada. Ela colocava a mão no rosto assim e dizia “’drume’, minha
filha, ‘drume’”. A “benzeção” da minha avó. Ela sempre tinha um galho de
arruda, que ela sempre usava e benzia toda vez que a gente chegava na casa dela.
Eram palavras
inaudíveis, que eu não consigo repetir, infelizmente, mas que ela repetia
insistentemente enquanto passava a rama na gente, de cima para baixo, repetidas
vezes. A paixão que ela tinha por Clara Nunes, minha avó gostava muito de Clara
Nunes, sofreu muito quando ela faleceu. Antes do início do meu letramento,
nunca consegui entender o motivo dela gostar tão intensamente dessa cantora.
A ideia e a
importância do coletivo, da coletividade e da parentalidade. A importância de
reconhecer e valorizar diferentes saberes. Minha avó era analfabeta, mal sabia
escrever o nome, mas trazia um conhecimento tão impressionante, uma ação de
cidadania que poucas pessoas têm. Conhecimento passado oralmente, saberes
aprendidos pela vivência de realidades tão pouco valorizadas.
Muito obrigada
por permitirem que eu viva este momento tão especial. Espero poder honrar este
prêmio tanto quanto me honram ao me agraciarem com ele.
Muito obrigada.
(Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA -
E ainda tem mais, viu, gente? Porque a nossa oitava “femenageada” é assistente
social, professora universitária, pesquisadora, gestora e a primeira
ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial-Seppir. (Palmas.)
O currículo é
extenso, mas eu penso que todo mundo já conhece a nossa magnífica “femenageada”,
a sempre ministra Matilde Ribeiro. (Palmas.)
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. MATILDE RIBEIRO - Bom dia. Bom
dia a todo mundo. Ser a oitava é interessante, porque eu já chorei lá com as
outras sete e agora é minha vez. Leci e toda a equipe, obrigada pela lembrança,
pelo carinho. Eu não escrevi também, porque me sinto melhor falando. Aliás, eu
gostaria de cantar, viu? Mas eu não sei, então eu falo.
É muito
gratificante na vida fazer parte dessa grande família, que é o povo lutador no
Brasil. E como toda família, esse povo lutador, como toda família, a gente
bamba, a gente bebe, samba, briga, faz as pazes e assim vai. Uma vez a Leci,
conversando comigo...
Quando eu era
ministra e ela era integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade
Racial, a Leci falou assim para mim: “Matilde, por que nós, pretos, brigamos
tanto?”. Eu não sei direito por que, mas eu acho que a gente briga, inclusive,
para poder se encontrar e estar juntos.
Então, fazer
parte dessa grande família, com todas essas questões do humano, é o que me traz
aqui. Eu não venho de família militante. Meus pais e os que me antecederam eram
trabalhadores, arduamente trabalhadores, porém, não militantes.
A família
política eu encontrei na vida, no movimento negro, no movimento feminista. Fiquei
feliz de encontrar aqui a amiga Liege, a quem eu faço referência em nome das
amigas feministas, as irmãs feministas que eu encontrei pela vida. Essas
famílias que eu fui encontrando me deram gás para ir construindo outras tantas
famílias e reforçando a família que eu já tinha.
Eu venho de uma
família de mulheres. Peço à Malu, minha irmã, lá no fundo, que está aqui neste
momento comigo... mas são tantas outras irmãs, são cinco; uma madrasta, a
madrasta Cida, porque minha mãe foi muito cedo e a Cida foi a “boadrasta”; meu
pai Manuel, com quem nós, mais velhas, tivemos muitos embates, porque ele dizia...
Um dia, ele me
disse: “Minha filha, mas por que tanto esforço? Você sai seis horas da manhã de
casa e chega meia-noite todo dia. Tanto esforço para que, se você vai casar,
ter filhos e cuidar de casa?” Eu hoje entendo que ele fazia isso para me
proteger e sou muito grata. Mas eu briguei, dizendo: “Não, eu quero ser uma
mulher independente”. Mal sabia. Custa caro, muito caro.
Então, essa
minha família de origem hoje tem a continuidade em três sobrinhos sanguíneos -
a Júlia, o Felipe e o Guilherme -, em três sobrinhos achados, encontrados - a
Sabrina, a Jéssica e a Priscila - e em três afilhados: o Luan, no Rio de
Janeiro; a Sara, em Fortaleza - a Sara escolheu ser minha afilhada agora, com
mais de 30 anos, ela escolheu; e o Lucas, filho do Paulo Rafael, militante do
movimento negro, que me chama de madrinha.
E esses dias eu
também fui convidada para ser madrinha do grupo de professores e gestores
negros da PUC. E aí eu brinquei: “Bom, vocês estão dizendo para mim que o meu
tempo passou, mas espero estarmos juntos por muito tempo”.
Bom, então,
essas famílias vão se fixando. Da militância, nós carregamos não apenas as
inúmeras reuniões, inúmeras noites mal dormidas, inúmeros encontros, inúmeras
danças, inúmeras bebedeiras, mas também carregamos amigos.
Vejo aqui
Claudinho, o Acácio, a Sandra. Enfim, são muitos e muitas. Desculpe os demais
que estão aqui, as demais que eu não citei o nome, mas, por esses três, eu
abraço todos e todas.
Leci, nós duas
vivemos momentos das nossas vidas muito importantes. Você viu nascer em mim uma
gestora pública e eu vi nascer em você uma política, uma mulher política.
A Leci teve
coragem de sair do lugar que nem sempre confortável foi, o de ser artista,
porque ninguém negro vive tranquilamente esses papéis nossos de lutadores pelos
lugares que passamos. Mas a Leci saiu do lugar que ela já tinha driblado muito
na vida artística para ser política. Um estágio, eu acho, foi o Conselho Nacional
de Promoção da Igualdade Racial, onde eu fiquei por seis anos sendo ministra.
Ninguém sabia
exatamente o que ia acontecer. A gente ia fazendo, aprendendo, fazendo. Hoje,
eu vejo que nós fizemos bastante, mas ainda tem muito para fazer. Mas a sua
presença, Leci, junto de... Nós formamos um quarteto bom.
Além da equipe
que trabalhava comigo, tinham três pessoas que nós convidamos para estarem
conosco o tempo todo na condição de integrantes do Conselho Nacional de Promoção
da Igualdade Racial, naquela época já como uma “femenagem” a você e uma
homenagem ao Kabengele Munanga e ao Oliveira Silveira.
Vocês três,
como conselheiros, me deram muita coragem para ser ministra. Nós circulamos por
este Brasil, por quilombos, por favelas, por shows, por carnavais, por sessões
solenes, por escritas de documento, por tratos de uma questão que foi jogada às
traças durante a história do Brasil.
Não fomos as
primeiras e os primeiros, nem fomos os últimos e as últimas, mas foi muito
importante. Eu falo isso com tranquilidade, não é para me agigantar, não. Eu
digo que foi muito importante nós termos tido coragem coletiva de cutucar o
Estado brasileiro.
Nesta coragem
coletiva, eu me lembro de uma fala muito importante de uma quilombola em uma
sessão. Era uma audiência pública - eu já estou terminando, ok? - e essa
quilombola - isso no Maranhão, na cidade de Itapecuru-Mirim -, nessa audiência
pública, saiu do plenário, dirigiu-se a mim e começou dizendo assim: “A senhora
é ministra, não é?”. Aí: “Claro, sou”.
Ela disse: “A
senhora vai me desculpar, porque me falaram para vir aqui contar a vida do
quilombo, mas a senhora vai me desculpar, porque eu não sei falar. Eu não sei
falar, porque eu não sei ler e escrever. Mas, antes de falar do quilombo, eu
quero falar para a senhora o seguinte: a senhora é assim com o Lula, não é?”.
Enfim, ela
achava, achou. “A senhora é assim com o Lula, então o que eu vou falar aqui a
senhora vai falar para o Lula. Mas, antes, eu quero dizer para a senhora que eu
não sei o que é ser ministra”. Eu também acho que não sabia. Eu fui aprendendo.
“Eu não sei o
que é ser ministra, mas a senhora se parece com a minha mãe. A senhora parece a
minha tia, a minha avó, a minha filha. A senhora é minha parenta”. Enfim, é
muito bom poder ser parenta do povo brasileiro. É muito bom poder pegar na mão
de quem faz e seguir. Então, Leci e povo todo que trabalhou para que esse
momento acontecesse: muito obrigada.
Neste momento,
eu estou bastante escritora. Em homenagem à Carolina, eu finalizo. Eu lembro de
uma frase que ela dizia quando alguém a insultava ou a destratava. Ela
ameaçava.
O livro não era
só um espaço de registro de conhecimento, de escrevivência, de sabedoria; era
também uma arma. Ela dizia: “Vou te pôr no meu livro, viu?”, ela dizia. E,
Leci, eu vou te pôr no meu livro, porque a gente merece.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA -
Depois da nossa sempre ministra Matilde Ribeiro, a nossa nona “femenageada” do
dia de hoje tem 55 anos, é moradora do bairro do Cangaíba, tem trabalhado
incansavelmente enquanto presidenta da AMNS, Associação de Mulheres Neide
Sabino, da Favela do Arizona.
Ela é
voluntária da Cufa, Central Única das Favelas - Mães da Favela. Ela também tem
atuado enquanto conselheira tutelar. Ou melhor, já atuou por dois mandatos.
Há 30 anos, vem
se dedicando junto ao Caps AD II Cangaíba, o Caps juvenil, desenvolvendo um trabalho
social voluntário às famílias de baixa renda e situação de vulnerabilidade. A
nossa “maravisplêndida femenageada”, Elaine Sabino Nascimento, Nega do
Cangaíba. (Palmas.) “Maravisplêndida”.
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. ELAINE SABINO NASCIMENTO - Bom dia. Em fala, é
a primeira vez que eu venho passar com essas mulheres ilustres. Eu estou meio
nervosa. Eu quero começar com uma fala para a dona Leci. Eu vou pegar na mão
dela aqui novamente. Valeu.
Sabe por que eu
falo valeu, gente? Porque, há mais de 30 anos, a dona Leci Brandão entrou na
minha casa, com a falta de uma irmã que morreu de leucemia. Não era a fala que
eu ia fazer hoje, mas eu pedi para Deus uma orientação. No meio de muitas
mulheres ilustres aqui, eu estou honrada.
Eu só vim falar
para a Dona Leci, mulher negra, da periferia, a senhora tem uma história de
vida comigo, de servente escolar. Minha mãe é dona de lar. Escrava, minha avó
foi. Minha mãe não sabe ler, mas eu aprendi as palavras com elas, para poder
ter um pouquinho de orientação. Não sou uma mulher formada ainda... Em vistas
de ser juíza. Essas mulheres maravilhosas estão aqui, mulheres negras.
Eu venho passar
a periferia para vocês. Estou aqui representando a Sandra, que é minha prima,
que está ali. Ela faz parte do Rosário. Tem o Mario Cortês, que é um dos
fundadores também do Cangaíba.
Estou aqui com
a Elaine, que faz parte do fórum; a Cleusa; o Serginho, o presidente da
associação que faz, aos nossos moradores, a diferença; a Elisabeth, que é do
Pelotas. Eu só tenho que agradecer, gente, por esse momento, por ter tantas
mulheres ilustres aqui e eu fazer parte disso daqui, das mulheres de periferia.
Dona Leci, a
senhora foi ao meu bairro através de um grande amigo, que é o Evandro - o meu
Evandro está ali -, que faz a diferença. As mulheres que hoje em dia estão
passando por uma fase muito ruim na periferia...
Como a senhora
faz a diferença para a gente, chegando em bairros pobres. Fazendo a diferença,
Dona Leci; muito grande, a senhora faz, abrindo portas, deixando as mulheres
negras de periferia entrarem em espaços, fazerem faculdade, as donas de lares...
Eu estou só lisonjeada de você dar esse espaço para mim, menina de periferia.
À minha mãe, eu
tenho que agradecer pela luta... A senhora foi no meu bairro; a senhora ficou
segurando a minha mão. Foi uma honra muito grande de a senhora me passar esse
poder todo, de mulher negra. Só tenho pelo que agradecer.
Gente, eu estou
meio emotiva. Eu estou tendo que passar a voz para vocês, que são mais letradas
do que eu, mas eu só tenho pelo que agradecer. Evandro, muito obrigada por esse
momento que eu não vou esquecer. E ao povo meu, de periferia, que está aqui
também, que deu um jeito para vir; e aos outros que estão assistindo. Eu só
tenho que agradecer à ministra pelas palavras, pela juíza, pelas meninas que
vão passar aqui na mesa.
E muito
obrigada. É isso.
Obrigada.
(Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - E
agora preparem seus corações, porque faltam agora poucas, já está terminando.
Vocês estão gostando, gente? São incríveis as mulheres aqui; é potência pura, não
é? Pois agora vocês vão conhecer mais uma potência.
Vocês vão
conhecer a mulher que simplesmente manda, que domina a cena no Carnaval de São
Paulo. Vocês vão conhecer definitivamente essa mulher que, além de mãe, avó,
líder, devota de Nossa Senhora, tem feito uma verdadeira revolução na festa de
Momo aqui nesta cidade. Ela é definitivamente e simplesmente a presidenta, leoa,
do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mocidade Alegre. (Palmas.)
Ela é Solange
Cruz Bichara Rezende. (Palmas.) Vem, Solange, receber a Medalha Theodosina
Ribeiro. Já está aqui, gente, olha só.
A SRA. SOLANGE CRUZ BICHARA REZENDE -
Já estou aqui. Muito obrigada. Bom, gente, bom dia.
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Bom
dia.
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. SOLANGE CRUZ BICHARA REZENDE -
Ah, que alegria, que energia, que vibração estar aqui no meio de tanta gente
maravilhosa. Não sei nem se eu mereço, mas eu agradeço. É muito lindo tudo isso.
Somente gratidão. Obrigada, Leci, por todo este carinho que você tem com todas
as agremiações do Carnaval de São Paulo.
Você, hoje,
defende uma bandeira da Acadêmicos do Tatuapé, pelo carinho que eles têm com
você. Carinho com o Osmar, da Sociedade Rosas de Ouro. Um carinho com a minha
família, imenso, de tantas rabadas no nosso barracão, não é?
Pois é, a gente
fazia rabada para a Leci quando ela ia nos visitar pela Rede Globo de
televisão. Era uma coisa que ela gostava muito... Gosta, não é? E a gente
sempre fez. Meu carinho à dona Leci, mãe, aquela criatura incrível,
maravilhosa, que sempre nos abençoou lá, nos dando muito axé, muita energia,
muita força.
Eu sou uma
pessoa que sempre lutei bastante em prol do samba, sempre gostei de estar no
meio. Meu pai e meus tios são oriundos do Rio de Janeiro. Lá, eles sempre
vivenciaram muito bem - e muito - o Carnaval, e trouxeram essa energia para cá
quando fundaram o Bloco das Mariposas Recuperadas, onde os homens se vestiam de
mulher e saíam para brincar no Carnaval.
Eu já vivenciei
tudo isso desde a barriga da minha mãe, e hoje eu estou à frente da Mocidade
Alegre há 20 anos. Completei 20 anos de gestão, 17 anos no pódio, oito
campeonatos e três vezes vice. Olha, eu sou muito grata e orgulhosa da
trajetória que a gente construiu.
Quando eu falo
a gente, porque assim, eu sou só porta-voz de uma comunidade. Eu não sou
presidente, eu estou presidente. (Palmas.) Agradeço demais pela minha comunidade,
pela escola Mocidade Alegre, que voltou a sentir orgulho de vestir a camisa, de
bater no peito “eu sou morada do samba”, de trazer tantos momentos bons.
Eu recebi, há
pouco tempo, o Prêmio Luísa Mahin. E a Mocidade Alegre - eu até me arrepio em
dizer -, em 79, falou sobre esse tema: a Revolta dos Malês. A gente vivenciou
tanta coisa... Eu fui na Faculdade Zumbi também receber outra... E já encontrei
tantas outras aqui... Estamos novamente juntas aqui, vivenciando tudo isso.
Para mim, é uma
honra, porque a Leci, a gente a via como fã, como idolatria. Eu queria estar
lá, eu queria ir aos shows. Eu queria um tênis novo, uma roupa bonita para ir
assistir ao show da Leci, para vivenciar tudo o que a gente vivenciou. E nem
sempre meu pai podia dar.
Eu dormi já
embaixo de balcão. Minha família morava em Barueri. Eu nasci em Barueri, em
casa, por parteira. E meu pai tinha comércio no bairro do Limão e muitas vezes
a gente dormia por lá. Eu aprontava muito na escola, porque eu adorava ir para a
24 de Maio, dar uma paquerada nos pretinhos - eu amava. E aí meu pai me colocou
no Colégio das Freiras.
O castigo, no
Colégio das Freiras, era ir para a capela. Acho que é por isso que eu gosto
tanto de rezar, que eu gosto tanto de agradecer, tanto de orar. Recebi uma
imagem agora lá do santuário, onde o nosso pavilhão está exposto. A gente tinha
levado em gratidão no Carnaval do ano passado, porque a Mocidade foi campeã. E este
ano a gente se consagrou bicampeã.
É difícil por
ser mulher; nem sempre eles querem deixar, mas eu não ligo. Eu trabalho em prol
disso e vou continuar trabalhando, porque eu gosto muito do que eu faço. E eu
aprendi, desde criança, a amar essa Cultura, a vivenciá-la e a defendê-la.
Então eu vou até o fim em prol da minha, da sua, da nossa Mocidade Alegre, do
samba e do Carnaval de São Paulo.
Eles não vão me
calar. Eu vou continuar falando, porque eu sou mulher, eu sou guerreira e eu
quero o melhor para o samba, para a cultura e para o Carnaval - não só de São
Paulo, para o Carnaval afora.
Porque eu acho
que é isso que a gente merece, esse resgate, o não apagamento da nossa história
e de muita coisa que ficou para trás, que as pessoas não querem que a gente
fale, que a gente traga à tona, que a gente vivencie, que a gente relembre.
Em muitas
falas, a gente perde na votação, mas não na convicção e não naquilo que a gente
quer. Então, por isso que a gente não deve desistir. Eu vou lutar sempre, até
onde Deus permitir, mas eu tenho a certeza que eu já consegui construir muitas
coisas junto dos meus pares e de toda a nossa comunidade para o Carnaval de São
Paulo, e pela minha trajetória na Mocidade Alegre.
Hoje meu filho
está lá fazendo todo um diferencial, tocando com muita gente. Foi para
Portugal, tocou com a banda Gipsy Kings, que eu sou fã lá de trás. E eu estou
vivenciando muitas coisas lindas através do meu marido, que eu conheci no
Camisa Verde e Branco.
Santo de casa
não faz milagre, então a gente casa com o vizinho. Sou casada há 32 anos com o
mestre Sombra. Tenho o Sombrinha, que também casou com a Marcela, diretora de
bateria da Sociedade Rosas de Ouro. Santo de casa não faz milagre, lá na morada
não fez.
Enfim, e meu
neto agora, que já está com um ano e três meses, já nasceu campeão e já foi
bicampeão do Carnaval de São Paulo. E eu falo para ela, ele vai ser Mocidade.
Ela, Rosas. Eu, não, Mocidade. E é assim, a gente carrega e leva tudo isso
nessa nossa bagagem, naquilo que a gente aprende.
E é uma honra
estar entre tantas mulheres maravilhosas, que fazem a diferença. Não vamos desanimar,
não vamos esmorecer, não vão nos calar e nós não vamos parar. Eu estou com
vocês até o fim e juntos nesse propósito, por que, Carolina?
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA -
Carolina Maria de Jesus.
A SRA. SOLANGE CRUZ BICHARA REZENDE -
Qual é o tema final? Marielle...
A SRA.
MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Marielle presente! Carolina Maria de
Jesus presente! É isso aí.
A SRA. SOLANGE CRUZ BICHARA REZENDE -
É sobre isso. Eu quero agradecer, meu muito obrigada a cada um de vocês. Eu
pedi para adiantar minha fala, porque infelizmente eu tenho que ir a dois
velórios, um de uma baiana símbolo, muito querida na minha Mocidade Alegre, que
é a dona Maria, mãe da Roseli, vó da Fabiana, que a família inteira é da minha
escola. Ela me pegou no colo e eu preciso ir lá.
E outra é do
Fernando, mestre-sala da Vai-Vai, que também tem uma trajetória na Mocidade
Alegre e que a família toda é de lá. Então, eu preciso realmente passar e
agradecer e dar um abraço na família, porque eles merecem. E eu quero pedir
minha licença aqui, Leci, porque é muito importante a minha presença também lá.
Mas eu não
podia deixar de estar aqui com vocês. E lá na Morada do Samba eu falo o
seguinte - não vamos esquecer, está bem? - que a vitória vem da luta; a luta
vem da força; e a força, da união.
Estamos juntas,
mulherada. Vamos lá! (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA -
Isso! (Palmas.) O maior espetáculo do pobre da atualidade é comer.
E, dando
continuidade à nossa “maravisplendidade” aqui de mulheres “femenageadas” de
hoje, eu gostaria que vocês conhecessem essa mulher, que é mãe de cinco filhos,
tem 70 anos, é companheira e avó de nove netos, é formada em Letras, é
pedagoga, psicopedagoga, professora de língua portuguesa e de educação
infantil.
Ela, que é
responsável na propagação e organização do editorial da Companhia das Letras,
que mantém o intenso e dedicado trabalho de preservação do legado e é o legado
vivo da memória de sua mãe, Carolina Maria de Jesus.
Vera Eunice de
Jesus, receba a Medalha Theodosina Ribeiro, na edição Carolina Maria de Jesus. (Palmas.)
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. VERA EUNICE DE JESUS -
Bom dia, boa tarde. É um prazer estar aqui hoje. Já encontrei o Leci Brandão no
centenário da Carolina e encontro agora nos 110 anos. Então, é um prazer muito
grande.
Queria falar um
pouco da Elaine ali, porque ela estava ali: “Vera, Vera, olha o currículo dessa
mulher, eu não vou lá. Meu Deus, eu estou preocupada”. Então, eu estava rindo
com ela. “Vai lá e fala. Nossa, aquela mulher fala muito bem, meu Deus, meu
Deus”. Então, eu estava rindo com ela ali.
Falar de
Carolina Maria de Jesus, nem vou falar, porque a vida dela foi tão exposta aqui,
as pessoas estão... Sabem muito sobre Carolina. O que eu quero falar é sobre os
eventos que eu tenho ido, nas palestras, porque essas palestras são mulheres...
A maioria são mulheres que me chamam.
Então uma
transexual ela me chamou e falou: “Vera, você quer ir em um desfile de modas?”.
Falei: “Ah, gostaria de ir, sim”. Ela falou: “Então, é na C&A”. Então
cheguei no desfile de modas muito chique, coquetel e ela chegou, não a conhecia...
Ela chegou e
falou pra mim: “Eu quero falar minha história pra você”. E aí quando ela fala a
história, ela diz que ela nasceu, ela era uma criança, menina na periferia de
Salvador.
E aí, naquele
momento, ela já se via uma menina diferente. Então, ela falou para mim: “Você
pode imaginar tudo o que uma transexual passa em uma periferia de Salvador? E
ali eu me tornei uma adolescente. Então, tudo o que você possa imaginar, eu
passei ali”.
Chegou um ponto
em que ela falou para mim assim: “Olha, eu não saía mais de casa. E eu me
trancava em um quarto e só saía para pegar retalhos e ia na biblioteca toda
semana pegar livros para ler. E aí um dia eu cheguei na biblioteca e peguei ‘Quarto
de despejo’. Quando eu peguei ‘Quarto de despejo’, eu li aquela história e eu
falei: ‘vou lutar, vou conquistar o meu sonho, serei uma grande estilista. Vou
como Carolina Maria de Jesus alcançou o sonho dela’”.
E ela o fez, me
chamou e falei: “Posso falar a sua história?”. Ela falou: “Pode”. Então ela
confeccionou essa roupa e aqui assim tem Carolina. Então ela fez uma pesquisa,
ela fez colares, brincos e hoje é a Isaac Silva que tem um ateliê no centro de
São Paulo.
E aí também fui
chamada para ir em um presídio feminino do Espírito Santo. E a menina falou: “A
gente trabalhou a sua mãe, leu o livro da sua mãe, você gostaria de vir?”.
Claro, sempre eu procuro ir. E elas, 40 meninas detentas, escreveram um livro.
E eu fiz a
quarta capa. E, indo lá, foi muito deprimente, porque eu me senti muito
comovida com as histórias delas. Mas se espelharam em Carolina Maria de Jesus.
E elas falaram: “Não, não vamos... Nós vamos seguir o caminho da sua mãe”.
Então, isso me
dá muita força, muito ânimo de continuar a propagar a memória da minha mãe.
Então, também fui chamada em um lugar que também me comoveu muito, que eram
mulheres.
Aí falou: “Vera,
dá para você vir fazer uma palestra só para mulheres?”. Só que não me falaram o
que era. Cheguei lá, fizeram uma roda, um círculo, e eu fiquei no meio. E eu
fui falando quem era a Carolina, quem era a Carolina, e elas prestaram muita
atenção.
E aí, quando
acabou, elas falaram: “Onde a gente compra o livro?”. Eu falei: “No shopping
tem, nas livrarias”. E aí, quando acabou a palestra, eu falei, sempre tiram
fotos, “vamos tirar fotos?” “não, não, não, não, não, não”. Eu estranhei. Aí a
menina falou assim: “Vera, elas estão todas em medida protetiva”.
E uma chegou em
mim, ela era bem baixinha, ela falou: “Eu quero falar com você. Olha, eu aos 13
anos me casei no nordeste. Vim para cá, para São Paulo, tive quatro filhos -
três meninas e um menino deficiente - e nunca tive outro homem, sempre foi meu
marido.
Um dia ele
chegou em casa, abriu a panela de pressão e jogou em mim o conteúdo. E eu fugi,
estou aqui fugida. E as minhas filhas é que sabem onde eu estou”. Uma filha, só,
sabia onde ela estava. Eu falei: “E seu filho deficiente?”. “Elas estão
cuidando”. Eu disse assim para ela...
Ela falou: “Mas
eu vou resolver esse problema”. Eu falei: “De que jeito você vai resolver?”. “Eu
estou orando para Deus todos os dias para ele morrer, porque aí eu vou ficar
livre”. Eu falei para ela: “Não, não é assim que você vai se livrar. Você vai
se livrar empoderando, estudando, ficando muito melhor que ele para você
conseguir”.
Então, são
essas histórias que me deixam bem emocionada. Aí vocês falam: “Mas são só
mulheres assim?”. Não. Fui a uma palestra em uma escola riquíssima em Santo
André, inclusive acho que os netos do Lula, parece, estudam lá. E eu cheguei na
escola e falei: “Nossa, que maravilha”. Eu trabalho em periferia, e a escola
tinha jardim, banco, shoppings, restaurantes. A sala de aula era uma coisa de
cinema. O teatro, meu Deus.
Entrei, fiz a
palestra para os meninos, que eles iam prestar vestibular. E, quando eu entrei,
eles prestaram muita atenção. Uma menina falou assim: “Posso fazer uma pergunta
para você?” Eu falei: “Claro, pode fazer”. “Então, o que você achou da escola?”
Falei: “Maravilhosa a sua escola”. Ela falou: “A cara da riqueza, não é?”. Eu
falei: “Não, muito linda a sua escola”.
Eu falava: “Então,
você sabe há quanto tempo eu não vejo a minha mãe? Tem mais de mês que eu não
vejo a minha mãe. Sabe por quê? Ela paga a comida aqui para mim, eu almoço aqui
e levo marmita para casa.
“E, quando eu
chego em casa, não tem ninguém para almoçar comigo, para jantar comigo. Você,
não. Você passava fome e tudo, mas você tinha uma mãe que cantava para você,
que lia para você, que contava os casos para você”. E ela chorava muito.
Então, aquilo
foi muito deprimente. Então, eu gosto de passar essas histórias para ver como a
Carolina vai afetando todas as mulheres, principalmente mulheres. Então, são
infinitos lugares. Já fiz uma palestra também para as mulheres indígenas. Então,
é Carolina, como Carolina espelha.
E agora, nesta
semana, uma menina falou: “Olha, eu estou abrindo uma confecção e eu, se você
me permitir”, ela falou, “eu vou fazer uma roupa só de Carolina”. São mulheres
periféricas, mulheres sofridas. Mulheres, não é?
Então, eu fico
muito agradecida por ter a oportunidade de estar falando aqui hoje para vocês,
e agradecer à Leci, que já faz parte da minha vida, sempre a encontro por aí.
Então, muito agradecida. Agradecer a todos vocês que estão aqui, hoje. E eu
resolvi fazer esses comentários, porque eu tenho certeza de que tem várias
mulheres aqui que devem também ter essas histórias para contar.
Muito obrigada.
(Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Antes
de passar a nossa última “femenageada”, eu quero anunciar as seguintes ilustres
presenças: Sr. Cláudio Silva, ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo; Sra.
Bianca Borges, presidenta da União Estadual dos Estudantes.
Senhora Thiele
Magalhães, representando a Associação Brasileira de Mulheres de Carreira
Jurídica de São Paulo; Sra. Najara Costa, presidente do PCdoB de Taboão da
Serra; Sr. Filipe Leonardo Carriço, presidente do Sindalesp; Sr. Rodrigo Mar,
representando o deputado Reis.
E agora vamos
terminar, encerrar com chave de diamante a nossa “femenagem” deste dia,
trazendo a nossa ilustre 12ª “femenageada”. Ela... Eu quero saber o que esse
povo faz. Quarenta e oito anos, mãe, avó, companheira, marreteira de feira,
cabeleireira, cozinheira, militante e ex-vereadora.
Ela começou a
sua militância na comunidade onde mora, por meio de trabalhos sociais.
Ingressou na sua carreira política no Partido dos Trabalhadores, onde atuou
como vice-presidenta e foi coordenadora do Núcleo de Militância Ativa.
Exerceu o
mandato de vereadora em 2016 e também participou e disputou outros pleitos
eleitorais para deputada federal e para a prefeitura do município. É uma mulher
que sempre esteve à frente das lutas de base por melhores condições de vida,
por uma sociedade mais justa e igual e atualmente está presidenta do Partido
Comunista do Brasil, PCdoB, no município de Carapicuíba.
E quem é a
nossa última, 12ª e “maravisplêndida femenageada”? É a Néia Costa. Arrebenta
aí, Néia!
*
* *
- É entregue a
homenagem.
*
* *
A SRA. NÉIA COSTA - Gente, bom
dia. Eu confesso que eu estou nervosa. Nossa, é muita emoção. Fui aqui...
Mulheres maravilhosas que me antecederam, e eu chorei com cada uma de vocês.
Foi muito forte. E quero começar aqui, primeiramente, agradecendo a Deus pela
sua oportunidade desse milagre de nós estarmos todas unidas aqui, cada uma com
a sua luta, com a sua trajetória.
E, gente,
confesso que eu só vi a nossa deputada na televisão quando era pequena. Então,
eu estou tão emocionada de estar aqui ao lado dela. Para mim, é uma grande
honra, porque eu lembro, eu pequenininha assistindo à TV, e ela, cantora, e
aquele sucesso todo. Então para mim é muito emocionante estar aqui.
Quero agradecer
à nossa deputada maravilhosa, que deixou de só cantar para estar deputada e
defender os nossos direitos. Quero agradecer aqui à Julia Roland, minha querida
amiga do nosso partido maravilhoso; à Rozina, que são mulheres que me acolheram
dentro desse partido onde nós estamos fazendo um trabalho maravilhoso pela
nossa cidade; a minha família, ao meu esposo, que está aqui, ao meu filho, a
minha filha - minha filha Raíssa, que está ali nervosa.
Ela falou: “Mãe,
eu não vou falar, não”. Eu falei: “Não, não vai ainda, não”. Mas eu espero que,
através da vida de cada uma das mulheres que estiveram aqui, que me antecederam,
desperte nessa nova geração muito mais luta, muito mais trabalho. Nós aqui só
estamos recebendo aquilo que mulheres antes de nós chegaram até a morrer para
que nós hoje recebêssemos esta homenagem.
Então, é muito
forte, é uma situação muito diferenciada - eu acredito - na vida de todas aqui,
porque nós estamos representando de fato as lutas das mulheres que nem aqui
estão e estamos deixando legado para muito mais mulheres que aqui vão estar.
Nós temos um papel muito grande; com certeza, cada uma que aqui está, está
representando as mulheres da cidade da gente.
Com certeza,
muitas vão dizer da história, das suas lutas, e outras vão se inspirar na gente,
porque eu creio que, em todas as nossas lutas, nós temos que deixar legados. Não
é verdade? É legado. Nós vamos construir e ser protagonistas da nossa história
e deixando legado para os que vierem.
Eu quero dizer
aqui que nós devemos continuar a lutar. Como a nossa deputada não desistiu, que
mesmo cantora veio assumir a Assembleia Legislativa e é autora desta
propositura, nós ocuparemos todo espaço de poder que nós pudermos. (Palmas.)
Seja nos conselhos, seja nos ministérios, seja juíza, seja diretora, não
importa. Porque é para mim e para vocês.
Eu, mulher,
periférica, marreteira, catei latinha pra comprar o leite para o meu filho que está
ali, olhe, meu primogênito de 25 anos, e me orgulho disso. Me orgulho. Virei
vereadora na minha cidade com muita luta.
E a minha
função, eu creio, é trazer mais mulheres para este cenário político, mais
mulheres nas câmaras de vereadores, mais mulheres na Assembleia, fortalecendo a
nossa deputada, mais mulheres no nosso Executivo.
Então, nós aqui
saímos com um papel muito grande e uma tarefa de levar a história da mulher
periférica, da mulher jovem, da mulher negra, das mulheres na força do espaço
do poder. E vamos para cima.
Viva às
mulheres. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA -
E vamos anotar nas nossas agendas um convite imperdível: no dia 5 de junho,
quarta-feira, às 19 horas, no Plenário Presidente Juscelino Kubitschek, as
nossas deputadas Maria Lúcia Amary e Leci Brandão recebem, em uma sessão
solene, a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São
Paulo, através da iniciativa do deputado André do Prado.
Então, nossa
deputada Leci Brandão vai receber o Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado
de São Paulo. Então, todos, todas e todes aqui presentes, viu, gente? O convite
é definitivamente imperdível. Está certo? Até lá. (Palmas.)
Eu quero
agradecer imensamente a honra e a oportunidade de poder falar e apresentar cada
uma das brilhantes, incríveis, inspiradoras mulheres que fizeram parte da
edição Carolina Maria de Jesus da sessão solene de outorga da Medalha
Theodosina Ribeiro, e dizer que hoje e sempre somos todas Theodosinas e
continuaremos sempre sendo todas Carolinas. Muito obrigada.
Neste momento,
passo a palavra à nossa nobre deputada Leci Brandão para o discurso de
encerramento.
Parabéns.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE - LECI BRANDÃO - PCdoB -
Deus abençoe, proteja e ilumine a todos, todas e todes.
Vocês estão
percebendo que estou sentada o tempo todo. Não pude levantar para entregar a
medalha, o diploma para nossas homenageadas, mas tenho que agradecer a vocês
pelo fato de estar aqui hoje. Estou aqui sentada, mas estou com um colar neste
pescoço, porque estou com torcicolo desde o início da semana.
Agradeço a
todas as pessoas que rezaram, que oraram, que se reuniram em vários espaços de
religião para pedir pela restauração da minha saúde. Eu pensei que não fosse
ter condições de chegar até aqui para poder fazer esta homenagem, que é a
Medalha Theodosina Ribeiro, a primeira mulher negra que entrou nesta Casa.
Ouvindo aqui as
palavras de agradecimento, as palavras destas mulheres maravilhosas - todas
elas, sejam elas pretas, brancas, enfim -, eu fico pensando muito na dona Lecy
de Assumpção Brandão, que está nos braços de Deus desde 2019. Tanto que digo
que o ano de 2019 foi o ano pior para mim, o mais difícil. Eu jamais poderia
imaginar o momento de perder minha mãe.
E por que eu
falo nela? Porque eu pude reparar também aqui, em nossas companheiras, nos seus
agradecimentos, a lembrança da família, a lembrança dos parentes. Porque eu não
me considero deputada, sabe? Eu sou uma cidadã, cidadã brasileira, filha de uma
mulher que foi, durante muitos anos, servente de escola pública.
Tive a honra de
morar em três escolas públicas do Rio de Janeiro: Escola Equador, Escola Artur
Azevedo e Escola Nicarágua. Os três prédios existem ainda. Quem duvidar, é só
ir ao Rio e perguntar onde ficam as escolas. Deve ter a casa de servente lá até
hoje. Foram nessas casas que eu morei.
Eu tenho muita
experiência de varrer sala de aula, de lavar banheiro de escola pública, de
varrer quintal, de tirar poeira, tudo isso. E o que mais me orgulha é ter
passado por todas essas funções.
Qual era a
minha profissão? Eu não tinha profissão. Eu era filha da dona Lecy, do Sr.
Antônio, e sabia muito bem, como sei até hoje, varrer sala, tirar poeira. Não
tenho TOC, não. É que não gosto de ver poeira, porque fiz muito isso na minha
infância. As pessoas às vezes ficam achando que sou exigente porque não gosto
de ver nada fora do lugar e tal, mas é porque a vida me ensinou assim.
Ao mesmo tempo,
a dona Lecy nunca deixou de lado a preocupação para que eu estudasse. Então, eu
era aquela menina que não era a primeira aluna da sala, mas também não estava
no gráfico vermelho. Estava sempre ali no médio, no amarelinho. Antigamente,
tinha um gráfico que era verde, amarelo e vermelho. Eu procurava ficar ali,
muito bem.
A música foi
uma coisa que veio para minha vida por dom de Deus e dos meus orixás, porque,
tempos depois, fiquei sabendo que eu também era guiada por orixás. Eu não
entendia muito bem o que era isso. Eu sou uma pessoa que não sou rodante...
Quem é do axé sabe do que estou falando, mas eu seria... se fosse seguir isso,
seria uma ekedi.
E, quando eu
entrei para a religião de matriz africana, conheci primeiro a umbanda, depois
conheci a Angola, depois conheci o ketu e quero, neste momento, pedir benção -
motumbá, kolofé - para todas as pessoas que estão aqui nesta plateia, pois
tenho certeza de que aqui tem uma diversidade.
A laicidade do
Brasil está aqui. Aqui tem gente da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, tem
pessoas que são de terreiro, de umbanda, tem gente do candomblé, tem gente que
é da igreja evangélica. Nesta Casa temos uma bancada evangélica fortíssima.
Imaginem quando
eu cheguei aqui com todo esse histórico. As pessoas me olhavam com um pouco de
espanto, porque eu nunca deixei de usar a minha roupinha branca no dia de
sexta-feira, que é Dia de Oxalá. E hoje é dia dele.
Nunca me
preocupou o fato de as pessoas que conheci aqui nesta Casa serem de ideias
religiosas diferentes das minhas, porque a coisa mais importante que minha mãe
me ensinou foi o respeito, foi respeitar as pessoas. Eu respeito todo e
qualquer cidadão, toda e qualquer cidadã. Eu sou uma pessoa que não me importo
com quem é que você dorme, de quem é que você gosta, qual é o seu partido
político.
Eu falo isso
aqui dentro desta Casa. É até um perigo, mas por que não me importo? Eu quero
saber da pessoa. Quero saber o que essa pessoa faz, se essa pessoa é uma pessoa
boa, uma pessoa de bem, uma pessoa que tem dignidade, uma pessoa que sabe
respeitar o seu próximo.
Então, a minha
entrada aqui nesta Casa, eu acho que faz parte de toda essa história. Eu ouvi
aqui algumas companheiras falarem, de fato, que eu deixei a música para ir para
a política. Eu não deixei nada; eu continuo sendo Leci Brandão da Silva. E não
sou deputada, eu sou uma cidadã que, por acaso, é compositora, é cantora,
porque Deus quis que eu fosse assim.
Quem me
procurou foi um partido chamado PCdoB, Partido Comunista do Brasil. Foram eles
que me convidaram para ser candidata. Eu nem sabia o que era isso, não entendia
nada, como eu me considero, nesta Casa que tem 94 deputados, talvez, dentre
eles, a que tem a menor experiência em questões de política. A pessoa que não
tem o currículo de academia, de teoria, que a maioria, todos eles têm.
Mas eu não
tenho o menor constrangimento de chegar e perguntar para cada um deles alguma
coisa que eu não sei. Eu sempre perguntei, como pergunto a todas as pessoas,
todos os quilombolas que são lá do meu gabinete, que é o Quilombo da
Diversidade.
Queria dizer a
vocês que, não fossem eles, talvez eu não estivesse hoje aqui, fazendo esta
sessão. Porque todo mundo me ensinou, como eu tenho certeza de que aqui, nesses
assentos, tem dezenas de pessoas, mulheres e homens, que me ensinaram muito.
Eu estou aqui
porque vocês foram dizendo para mim como era, o que é e tal. Não vão me
perguntar sobre Regimento, porque essa coisa, realmente, eu não sei. Não sei de
Regimento, não sei o significado de muitas coisas que leio, mas eu tenho a
minha assessoria de comunicação - a Carla, a Carina - e chego para elas e
pergunto: o que quer dizer isso aqui? Não tenho nenhum problema com isso.
Sempre
pergunto, sempre peço ajuda e, graças a Deus e aos meus orixás, eu tenho sido
ajudada. Tenho sido ajudada não só no Parlamento, tenho sido ajudada nas minhas
questões em relação à democracia, todos esses assuntos que percorrem aqui
dentro desta Casa, que aqui tem muito assunto.
Fala-se aqui
sobre tudo. E tem coisa que eu fico ouvindo, não entendo nada. Aí chego lá no
gabinete, o quilombo, digo: “Olha, vem falar disso aqui; o que é?”. Eles dizem,
elas dizem...
Elas,
principalmente, inclusive parlamentares que estão nesta Casa atualmente: “Você
é minha referência, Leci; meu pai te ouviu, minha mãe, minha avó”. Aí eu fico
perguntando, e estou perguntando hoje: o que é isso, por que isso acontece? Por
que as pessoas falam isso para mim? Eu sou referência de quê? O que eu fiz?
Eu fui sempre
uma pessoa muito simples, eu nunca escrevi nenhum livro. Eu tenho música, que
Deus manda - letra e música junto. E é no ritmo de samba. Por que, eu também
não sei; acho que é porque a mamãe já saía na Mangueira, quando eu nem sonhava
em nascer. Minha vó também.
Então, nasci
ouvindo e vivendo no meio desse ritmo. Mas eu nunca deixei de ouvir outros
ritmos também, daí o meu respeito a todos os artistas, porque eu sempre ouvi um
pouquinho de tudo.
E isso acabou
influenciando na hora da minha composição. Nos meus LPs, que são mais de 20,
vocês não vão encontrar só samba, só partido-alto, não. Vocês vão encontrar
boleros, vocês vão encontrar canções, vão encontrar valsa, tudo. Porque eu ouvi
um pouco de tudo. E isso foi formando a minha vida. E me espanta muito...
Hoje aqui houve
momentos em que eu fiquei arrepiada. Eu me emociono, mas não consegui chorar,
porque foi uma semana em que eu fiquei muito tensa, porque eu sabia que ia ter
a Medalha Theodosina. E eu ficava perguntando: “Será que vai dar certo, será
que eu vou conseguir conduzir bem?”.
Mas eu não
preciso conduzir; eu tenho os meus assessores, que fazem isso com muito
carinho. Porque eu sou aquela que não é chefe; eu não sou patroa, eu não mando
em nada. Quem manda na minha vida são as pessoas que... Eu não vou esquecer,
não, gente. Eu sei o que eu vou falar depois, espera aí. Quem manda na minha
vida são eles.
Então, assim,
São Paulo foi um caminho que me deu, foi a vida que me deu esse caminho. Sou
carioca de Madureira, nascida em Madureira, criada em Vila Isabel, morei em
Realengo. E não morei em casa própria, nada disso. Eu morei em casas de escola
pública; a gente não tinha condição de pagar aluguel, então nós morávamos na
escola pública.
E, por morar na
escola pública, eu tive que aprender todos esses serviços. Eu sempre agradeço
ao pessoal que trabalha aqui nos serviços gerais da Assembleia, porque quando
eu vejo essas senhoras aqui no corredor, varrendo, limpando, eu me lembro muito
da minha mãe, pois era isso que a minha mãe fazia.
Eu, inclusive,
faço questão de andar no elevador de serviços gerais. Dificilmente, alguém me
vê no elevador dos deputados. Porque o papo que rola dentro do elevador de
serviços gerais é um papo que tem a ver comigo, com a minha vida, com a minha
história. Por isso que eu queria pedir aplauso para os serviços gerais desta
escola aqui, esta Assembleia. (Palmas.)
E aí, eu não
sabia que um dia eu ia, além de pegar as vassouras todas que eu já peguei na
minha vida - os rodos, vassouras de piaçava, vassouras de pelo, espanador,
flanela -, eu estaria também um dia pegando uma folha de papel, uma caneta,
para assinar projetos. Jamais isso poderia passar na minha cabeça.
Então, isso
acontece, está acontecendo desde 2010, e eu sempre me surpreendo com tanta
coisa que a gente já construiu. Agora, eu, Leci Brandão da Silva, sozinha, não
iria fazer nada disso. Sozinha, jamais, mas com a ajuda do PCdoB, que eu tenho
que dizer: o PCdoB foi que me escolheu.
O PCdoB foi que
disse para mim assim: “Você já era comunista desde pequena e não sabia”. Eu
digo: “Eu, comunista? Eu não sou comunista, de forma alguma”. Eu ouvia dizer
que comunista era uma coisa perigosa.
E eu vejo como
ser comunista é bom. É muito bom, é muito bom ser comunista. (Palmas.) É muito
bom ser cidadã, é muito bom ser mulher preta. Mulher preta passa por determinadas
coisas que eu passei na minha vida.
E quando elas
fazem aqui as suas confidências e as suas histórias, é aquele negócio: “Eu não
arranjava emprego porque eu era uma menina preta, meu cabelo não era alisado,
eu usava duas trancinhas aqui e tal, meu cabelo era cabelo duro”. E meu cabelo
é durinho mesmo, tal; não faço questão de alisá-lo. Alisar era na época do
Henê, era moda botar Henê, tal. Mas não era uma coisa muito boa.
Eu sou uma
mulher que tem uma vida que não é escondida; todo mundo sabe o que eu sou, por
que eu sou. E eu sempre tive o cuidado de não agredir ou ofender, de alguma
forma, a dona Lecy de Assumpção Brandão.
Sempre
respeitei dona Lecy de Assumpção Brandão. Mas nunca enganei a minha mãe; ela
sempre viu a minha vida do jeito como ela é. Mas eu nunca afrontei, porque eu
entendo perfeitamente como é o comportamento da sociedade brasileira.
Mas eu não
tenho vergonha de nada do que eu fiz, não tenho vergonha de nada do que eu sou.
Tenho muito orgulho, muito orgulho de ser uma pessoa que não tem riqueza. O que
eu consigo construir na minha vida é a minha dignidade, é o meu respeito a
todas as pessoas, é saber que eu vivo em um País que não aceita muito a minha
questão religiosa.
Eu sei que a
nossa comunidade do candomblé, do ketu, da umbanda e tal infelizmente é muito
perseguida, mas nem por isso eu vou deixar de cumprimentar e respeitar os
evangélicos, os... Enfim, qualquer religião.
Eu acho que
agradecer é pouco. Agradecer a vocês é muito pouco, porque o tanto que vocês já
fizeram e fazem por mim, qualquer coisa que eu fizer, eu vou ficar sempre
devendo, eu estou fazendo muito pouco.
Para as
mulheres que entraram nesta Casa depois de 2010 e dizem que vieram para cá porque
eu fui referência, eu fico realmente espantada e peço inclusive orientação para
elas também. São meninas bem mais novas e não tenho vergonha de pedir.
Doutora Claudia
Luna, quando Rozina Conceição um dia disse que tinha ouvido a senhora em uma
palestra, eu falei: “Eu quero conhecer essa moça”. Depois que a conheci, sempre
faço questão de que você esteja aqui comandando a nossa Medalha Theodosina
Ribeiro.
Júlia, quando
conheci você e entrei no partido, eu não sabia como me comportar, como me
conduzir e vocês foram não ensinando, mas me dando exemplos. Eu tenho tudo como
exemplo, qualquer coisa que vocês façam, o mínimo que seja, eu tenho como
exemplo na minha vida. E essa é a minha vida.
Querem saber o porquê
eu compus tanta música social, tanta música de protesto? Eu nem sabia, um dia
que me falaram que eu era cantora de protesto. Eu não sabia que eu era cantora
de protesto. Falaram que eu era uma cantora que fazia música para o povo que
era “coluna do meio” e eu nem sabia o que era “coluna do meio”.
Hoje eu fico
sabendo que é LGBTQIA+, não sei o que, quantas letras. Eu fazia por coração,
por sentimento, não porque alguém tivesse dito para mim que era isso. Então, é
assim, eu respeito pessoas, qualquer pessoa.
Eu quero
agradecer a minha amiga Lígia, que está aí também na plateia. Eu fico com muito
medo de falar nomes, porque tem muita gente aqui que eu conheço, muita gente
mesmo. Quando você fala 99 e não fala o 100º, você arruma um problema na sua
vida, e eu não quero que isso aconteça.
Matilde
Ribeiro, quando me chamou para fazer parte da Seppir, eu pensei que era para
receber dinheiro, eu falei: “Vou ter emprego no governo?”. E você: “Não, você
vai ser do conselho, é diferente, é outra coisa”. Fiquei lá, graças a Deus.
Quando você disse, porque que a gente está sempre se debatendo...
Eu perguntei a você
por que os pretos não se dão. Porque eu via que na reunião de lá era todo mundo
preto, era todo mundo do conselho da população negra, mas todo mundo discutia
demais e eu não entendia: “Mas a gente não é tudo da mesma cor? Por que ficam
brigando?”.
Então eu
entendi que tem uma coisa chamada “partido político”, um é de uma corrente,
outro é outra, aí eu comecei a entender como é que o negócio rola. Mas como eu
quero ser amiga de todo mundo, faço questão de ser e tratar bem, eu me dou com
todo mundo.
Eu sou do
PCdoB, mas aqui nesta Casa todo mundo gosta de mim, graças a Deus. Nunca
xinguei ninguém, nunca fui ofendida de forma alguma, entendeu? Mantenho a minha
simplicidade, não gosto de me trajar como “a deputada”.
Não, eu ando
aqui, tem dia que eu estou de tênis, tem dia que eu venho de sandália, tem dia
que eu... Só não vou andar descalça, porque aí também seria... Mas é a minha
simplicidade, é desse jeito que eu vivo.
Hoje eu estou
tendo muita dificuldade inclusive de falar, de agradecer, porque eu estou muito
grata a Deus, sabe? Estou com muita vontade de chorar, porque eu estou aqui
hoje e eu pensei que eu não fosse ter condições de chegar aqui.
Eu emagreci,
fiquei com 43 quilos. Nunca tive essa pesagem na minha vida, mas estou aqui.
Estou magrinha, estou diferente. A roupa não está dando, estou tendo que
comprar roupa, porque nada dá em mim, então eu emagreci bastante. Eu fiquei
muito doente, mas vocês rezaram, vocês pediram por mim e graças a Deus eu estou
aqui.
Dizer que, Dra.
Theodosina, eu tive o prazer de conhecê-la, graças a Deus. Ela disse: “Minha
filha, depois de 40 anos você chegou aqui. Você veio aqui, chegou aqui em
2010”, ela era de 70. Eu fiquei muito feliz e fico grata de a filha dela ter
feito o depoimento que fez aqui de as pessoas ainda estarem a homenageando e
fazendo os seus trabalhos sociais, trabalhos intelectuais, enfim, com a
responsabilidade de Dra. Theodosina Ribeiro.
Carolina de
Jesus, eu não preciso dizer mais nada porque tudo já foi dito. Ela é uma das
maiores escritoras do meu País e que dá a oportunidade para mim, para a minha
equipe de fazer este prêmio este ano em homenagem a ela.
Muito obrigado
a vocês. Que Deus abençoe vocês, proteja sempre. Tenham fé, não percam a fé
nunca. Tenham esperança, porque tudo caminha para que a gente seja cada vez
mais forte, cada vez mais capaz, cada vez mais ter honra de ser cidadãos ou
cidadãs brasileiras.
Eu acredito no
meu País, porque eu estou vendo o meu povo em outros espaços e é muito
importante que todos vocês estejam aqui neste lugar, porque aqui é a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, estado mais
rico deste País, uma assembleia potente. Eu só acho que nesses assentos têm que
ter mais a nossa representação, têm que ter mais gente igual a gente. Enquanto
isso não acontecer, eu não vou ficar muito feliz. É só isso que eu acho. (Palmas.)
Deus abençoe a
todos, saúde, paz para todo mundo e muito obrigada a todos os assessores. Eu
tenho medo de falar o nome de vocês, eu sei o nome de todo mundo, mas se eu
esquecer alguém, vocês vão me cobrar pelo resto da vida.
Mas eu quero
agradecer à Rozina, ao Julião, ao Beto Almeida - que é o nosso chefe de
gabinete -, ao Jorginho Saracura. Agradecer ao Vagnão, agradecer ao Doni,
agradecer ao... (Vozes fora do microfone.) Eu estou falando os homens primeiro.
Mas eu tenho
que agradecer à Eliege, Carla, Carina, Silvia Ariza, minha querida secretária.
Você foi a primeira mulher que eu conheci quando cheguei na política, primeira
pessoa que eu conheci.
Foi a primeira
pessoa que eu disse: “Olha, ninguém vai me perseguir não? Porque eu não tenho
grana, não tenho nada”. E ela disse: “Você faz declaração de imposto de
renda?”, e eu falei: “Sempre fiz”. “Cuidado, porque a gente... Qualquer coisa
que...”. “Disso não tenho medo”.
Eu nunca errei
nessa parte, não. Eu gosto de ter o que é meu e o que eu tenho direito, mas
roubar e fazer chantagem, fazer emenda em trocar de dinheiro ou então dar a
emenda e pegar o troco, Leci Brandão da Silva não faz isso não. Eu tenho
vergonha. (Palmas.)
Obrigada, meu
querido oriental, Ricardo Yamasaki, que ninguém entende: “Por que tem um
japonês no seu gabinete?”. Ele é Yamasaki, mas é um cara que faz tudo que os
Silvas e Santos querem e pedem.
Uma vez chegou
um pessoal lá: “No seu gabinete tem um oriental”. Eu falei: “Um oriental? Como
é que é isso? Tem o Ricardo. O sobrenome dele é Yamasaki, mas ele me atende.
Tudo que ele faz, ele me dá satisfação”. Independente disso, é uma pessoa que
me ajuda à beça nos meus momentos difíceis. Ninguém sabe disso, mas ele me
ajuda muito. E eu pago a ele, porque eu o emprego e o faço cansar. Tem história
não.
Eu estou muito
emocionada. Estou aqui, mas estou tremendo para caramba, porque é uma vitória
estar aqui nesta manhã de hoje com vocês todos e dizer muito obrigada por tudo
que vocês fizeram por mim. Eu continuo confiando e tenho muita fé em cada um
que está aqui.
Obrigada, São Paulo.
Obrigada, minha
gente. (Palmas.)
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - CLAUDIA LUNA - Obrigada,
deputada Leci Brandão. Obrigada a todos, todas e todes. Convidamos a todas as
pessoas presentes para o coquetel, que já está sendo servido ali no Salão dos
Espelhos, que fica ali no fundo deste plenário, naquela saída à esquerda.
Então, neste
momento, declaro encerrada a presente sessão de outorga da Medalha Theodosina
Ribeiro.
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- Encerra-se a
sessão às 12 horas e 45 minutos.
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