http://www.al.sp.gov.br/web/images/LogoDTT.gif

 

10 DE JUNHO DE 2019

10ª SESSÃO SOLENE LANÇAMENTO DA FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DOS DIREITOS DAS PESSOAS LGBTQIA+

 

Presidência: ERICA MALUNGUINHO

 

RESUMO

 

1 - ERICA MALUNGUINHO

Assume a Presidência e abre a sessão.

 

2 - FELIPE BRITO

Mestre de cerimônias, nomeia a Mesa e demais autoridades presentes.

 

3 - PRESIDENTE ERICA MALUNGUINHO

Deputada estadual, informa que a Presidência efetiva convocara a presente sessão solene para "Lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+", por solicitação desta deputada. Anuncia a execução de Cânticos de Matriz Africana, por Éricah Azeviche.

 

4 - MARIA CLARA ARAÚJO

Assessora parlamentar, manifesta-se emocionada por participar da solenidade. Tece considerações sobre as intenções da Frente Parlamentar homenageada.

 

5 - LECI BRANDÃO

Deputada estadual, elogia a deputada Erica Malunguinho. Lembra o Dia do Orgulho Gay comemorado nesta Casa. Comenta a presença de deputados no evento. Valoriza a integridade, o amor e a dignidade.

 

6 - ERIKA HILTON

Codeputada estadual da Bancada Ativista, comemora a presença de pessoas LGBTQIA+ e negras nesta solenidade. Comenta a usurpação de direitos da citada população. Assevera que a solenidade representa um marco na busca por políticas públicas que ofereçam o mínimo de ascensão e suprimento de demandas de pessoas LGBTQIA+. Afirma que hoje inicia-se uma jornada que ofereça luz ao debate e à reparação de danos.

 

7 - PRESIDENTE ERICA MALUNGUINHO

Deputada estadual, saúda os presentes. Discorre a respeito da objetividade de seu mandato, em prol da ruptura da estrutura convencional. Acrescenta que é a primeira travesti negra no Brasil a exercer mandato parlamentar. Defende a emancipação coletiva em combate à violência, em prol da evolução humana. Aduz que faz-se necessário dizer ao estado quem é a população LGBTQIA+. Acrescenta que sua humanidade é inegociável, apesar da opressão.

 

8 - FELIPE BRITO

Mestre de cerimônias, anuncia a intervenção artística com de Lima.

 

9 - FÉLIX PIMENTA

A representar o Coletivo Amem, afirma que a entidade visa à construção da história de pessoas negras LGBTQIA+ e à valorização de pessoas soropositivas. Mostra-se grato por participar da solenidade.

 

10 - FERNANDA GOMES

A representar o coletivo Luanna Barbosa e Brejo da Sul, saúda os presentes. Destaca a ocupação do plenário como símbolo do direito a políticas públicas para mulheres lésbicas e bissexuais.

 

11 - NEON CUNHA

Publicitária e ativista, lembra execução de negra em 1987, na operação Tarântula, pela Polícia Militar, na Vila Buarque, e o falecimento de Dandara dos Santos, em Fortaleza, em 2016. Afirma que a Frente Parlamentar homenageada representa uma proteção contra o preconceito. Assevera que a população LGBTQIA+ existe.

 

12 - SAMUEL FEITOSA

A representar o Núcleo de Transmasculinidades da Família Stronger, saúda os presentes. Agradece o convite para participar da solenidade. Faz breve relato de sua história familiar. Revela ter sofrido bullying na escola, por ser negro e criado por família branca adotiva. Afirma-se formado em Educação Física. Comemora a ocupação do espaço legislativo e o direito de exercitar a voz.

 

13 - CADU OLIVEIRA

A representar o Coletivo Revolta da Lâmpada, informa que a entidade tem como norte o combate à violência e a proteção de pessoas soropositivas e de mulheres negras. Clama pela criação de uma rede de apoio e de sustentação para pessoas LGBTQIA+.

 

14 - EMERSON ALVES LIMA

A representar a Artgay, saúda os presentes. Manifesta alegria por assomar à tribuna. Comemora a ocupação dos espaços públicos pela população LGBTQIA+. Lamenta a ausência do Conselho Municipal LGBTQIA+ de São Paulo. Cita Lula livre.

 

15 - TERRA JOHARI

A representar a Comissão de Diversidade Sexual da OAB/SP, saúda os presentes. Discorre acerca do direito objetivo e do direito subjetivo.

 

16 - ZAILA LUZ

A representar Uneafro, comemora documento civil com nome feminino. Defende o acesso de pessoas LGBTQIA+ à universidade.

 

17 - ANDERSON PIROTA

A representar o Coletivo LGBT da CUT/SP, saúda os presentes. Defende a resistência contra ataques a trabalhadores.

 

18 - LEONA WOLF

A representar o Coletivo Prisma, discorre acerca de perseguições a travestis e a pessoas soropositivas. Lembra assassinatos e torturas contra pessoas LGBTQIA+. Critica discursos preconceituosos.

 

19 - LORRAINE ARANTES

A representar a Casa Florescer, saúda os presentes. Faz breve relato de sua história de superação. Acrescenta que atualmente trabalha e estuda.

 

20 - FELIPE BRITO

Mestre de cerimônias, informa que no dia 3/7 deve acontecer reunião da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+. Anuncia apresentação artística de Ayo Lima. Anuncia intervenção artística de Tati Nascimento. Anuncia a exibição de vídeo sobre Empregabilidade Trans.

 

21 - CÍNTIA ABREU

A representar a Marcha das Mulheres Negras, manifesta contentamento por discursar nesta solenidade. Faz breve relato de sua experiência como mulher lésbica, na sociedade. Lamenta o falecimento de Luana Barbosa dos Reis. Reivindica direitos e a visibilidade de mulheres lésbicas.

 

22 - AUGUSTO MALAMAN

A representar a Setorial LGBT do PSOL de São Paulo, saúda os presentes. Defende a formulação de políticas a favor da população LGBTQIA+. Critica medidas do governo federal, como a extinção do departamento de HIV/AIDS, e a reforma da Previdência, por exemplo. Valoriza a relevância da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.

 

23 - ELIANE TERESINHA

A representar as Mães pela Diversidade, defende os direitos dos filhos LGBTQIA+. Comenta o sofrimento de famílias vitimadas pela homofobia.

 

24 - SAMARA

A representar o LGBT Sem Medo, saúda os presentes. Declara voto e campanha eleitoral a favor da deputada Erica Malunguinho. Informa quando assumira sua transsexualidade. Defende diálogo acerca do tema em ocupações do MST e nas periferias. Acrescenta que faz curso técnico e pretende graduar-se.

 

25 - MAITÊ SCHNEIDER

A representar o Instituto Brasileiro de Transeducação e Transempregos, saúda os presentes. Comenta dados estatísticos sobre a empregabilidade de pessoas transexuais. Afirma que a maioria da população do país é composta por mulheres e pessoas negras. Clama por união, em prol da população LGBTQIA+.

 

26 - FELIPE COUTO

A representar a Aliança Pró-Saúde da População Negra, saúda os presentes. Manifesta contentamento por participar da solenidade. Comenta o trabalho de acolhimento de pessoas, contra o racismo institucional na Saúde. Assevera que negros são esquecidos.

 

27 - LETÍCIA FERREIRA

A representar a Casa 1, faz breve relato de sua história familiar. Afirma-se psicóloga, negra, e LGBT. Informa que a Casa 1 acolhe jovens expulsos de casa em razão da sua orientação sexual e identidade de gênero. Argumenta que em média há sete pedidos de ajuda, por dia. Acrescenta que a instituição pode acolher 20 pessoas a cada quatro meses. Defende a inclusão das pessoas LGBTQIA+ no mercado de trabalho.

 

28 - HIGOR PINHEIRO

A representar o Vote LGBT, comenta demora em reconhecer-se homossexual e negro. Diz ser da zona norte do Rio de Janeiro. Defende a representatividade da população LGBTQIA+ na política.

 

29 - VERÔNICA ALVES

A representar a Casa de Oração do Povo da Rua, comenta o acolhimento, promovido pela instituição religiosa, de pessoas em vulnerabilidade social e expulsos de casa. Afirma que a sociedade é machista, sexista e preconceituosa. Comenta o mercado de trabalho restrito, para pessoas transsexuais.

 

30 - LECI BRANDÃO

Deputada estadual, enaltece a relevância da solenidade. Sente-se grata por participar do evento. Reflete acerca de seu destemor. Valoriza a diversidade de discursos na presente sessão solene. Parabeniza a deputada Erica Malunguinho.

 

31 - ERIKA HILTON

Codeputada estadual da Bancada Ativista, faz coro ao pronunciamento da deputada Leci Brandão. Comenta relatos de sobrevivência de pessoas LGBTQIA+. Celebra a Frente Parlamentar homenageada. Defende o fortalecimento e a união em prol da ruptura do silêncio e a favor da dignidade humana.

 

32 - PAULO ARAÚJO

A representar a ABGLT, saúda os presentes. Faz breve relato de sua história familiar. Defende a visibilidade da população negra.

 

33 - PRESIDENTE ERICA MALUNGUINHO

Deputada estadual, ressalta a importância da solenidade. Defende a oposição reativa ao sistema e a criação de proposições em benefício da população LGBTQIA+, na Saúde, na Educação, na Habitação e na Segurança Pública. Critica fala do presidente Jair Bolsonaro sobre homossexualismo. Assevera que sua humanidade é inegociável.

 

34 - FELIPE BRITO

Mestre de cerimônias, anuncia intervenção artística de Transarau. Anuncia intervenção artística da Travas da Sul.

 

35 - ERIKA HILTON

Codeputada estadual da Bancada Ativista, informa que no dia 27/6, nesta Casa, deve acontecer audiência pública sobre os avanços e os retrocessos das políticas LGBTQIA+.

 

36 - PRESIDENTE ERICA MALUNGUINHO

Deputada estadual, anuncia intervenção artística da Travas da Sul. Faz agradecimentos gerais, encerra a sessão.

 

* * *

 

- Assume a Presidência e abre a sessão a Sra. Erica Malunguinho.

 

* * *

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Neste momento, daremos início à sessão solene de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.

Comunicamos aos presentes que esta sessão solene está sendo transmitida pela TV Alesp e será retransmitida pela TV Alesp no sábado, dia 15 de junho, às 21 horas; pela NET - canal 7; pela TV Vivo - canal 9; e TV Digital - canal 61.2.

Agradecemos a presença de todos. Aqui quem fala é Felipe Brito, assessor parlamentar da “mandata” quilombo, um homem negro, de matriz africana. Na condição de homem bissexual, estou muito feliz de estar à frente deste cerimonial, com toda a diversidade aqui representada. (Palmas.)

Convidamos para compor a Mesa desta sessão solene a deputada estadual Erica Malunguinho, proponente desta sessão solene, a deputada estadual Leci Brandão e a codeputada da Bancada Ativista Erika Hilton. (Palmas.)

Com a palavra, a deputada estadual Erica Malunguinho.

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Boa noite. Estou nervosa, mas vai dar tudo certo, são muitos papéis.

Sob a proteção do Estado laico, na qual são respeitadas todas as manifestações e diversidades de fé, e o direito também de não exercê-las, nos termos regimentais, esta Presidência dispensa a leitura da Ata da sessão anterior.

Sras. Deputadas, Srs. Deputados, minhas senhoras e senhores, esta sessão solene foi convocada pelo presidente desta Casa, deputado estadual Cauê Macris, atendendo à solicitação desta deputada que vos fala, com a finalidade de lançar a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.

Convidamos, então, a cantora e também assessora da “mandata” quilombo, a ekedi Éricah Azeviche, e a percursionista, ekedi e fundadora do Bloco Afro-afirmativo Ilu Inã, para entoar os cânticos para a ancestralidade de matriz africana. (Palmas.)

 

* * *

 

- São entoados os cânticos.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Convido a assessora parlamentar Maria Clara Araújo para tecer sobre a frente parlamentar.

 

A SRA. MARIA CLARA ARAÚJO - Boa noite. Eu sou Maria Clara Araújo, sou a primeira travesti do curso de pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco, e me emociona muito saber que uma travesti, que se assume ainda na rede estadual do Governo do Estado de Pernambuco, chegue até esta Casa, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Venho falar aqui para vocês sobre a nossa frente, esta frente parlamentar que vem sendo puxada pela nossa “mandata” quilombo, com a coordenação das “mandatas” da deputada Leci Brandão e da Bancada Ativista. Esta frente será um espaço político-pedagógico que estabelecerá uma ponte dialógica entre parlamentares, mandatos e sociedade civil organizada.

A Assembleia Legislativa de São Paulo nos deve uma escuta ativa. A nossa presença aqui e as nossas narrativas indagarão e irão tencionar esta política institucional. Que este espaço seja visto também como nosso, que a nossa voz ressoe alto neste espaço.

É com muito prazer que eu venho conceituar esta frente, tendo como princípio a nossa cidadania plena, a dignidade humana que nos foi ceifada. Como a Erica, várias vezes coloca, a nossa humanidade é inegociável. Nós estamos aqui para pontuar isso diversas vezes. Muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, a deputada Leci Brandão.

 

A SRA. LECI BRANDÃO - PCdoB - Boa noite para quem é de boa noite, benção para quem é de benção. Motumbá! Kolofé! Saravá! 1986: as pessoas e eles; 1977: ombro amigo; 1980: essa tal criatura; 2019, mês de junho, dia 10: Frente Parlamentar em Defesa LGBTI+.

Gente, é um dia de muita emoção, de muita alegria e, principalmente, de muita gratidão, gratidão a Deus, gratidão aos nossos orixás. Como é que a gente poderia imaginar, depois de tantos anos, estar aqui, dentro deste plenário, que é o Juscelino Kubitschek, que só é aberto para sessão solene, em uma sessão solene presidida pela primeira travesti do Brasil que entra numa Assembleia Legislativa?

Erica Malunguinho, você é muito forte, você é simplesmente maravilhosa pela sua coragem, pela sua atitude, pela sua dignidade. Afinal de contas, eu me lembro de que, quando chegamos aqui, em 2011, houve um dia para comemorar o Dia do Orgulho Gay, e pessoas da Comissão de Educação e Cultura questionaram: “Como é vai fazer dentro da Assembleia Legislativa o orgulho gay? O que é isso?

As pessoas ficaram apavoradas. Acharam que iria ter aqui um desfile de travestis, enfim. Disse que viriam para cá pessoas, seres humanos que também ajudaram muita gente que, inclusive, é extremamente preconceituosa, a chegar a esta Casa, porque na hora em que as pessoas são eleitas, elas não sabem de quem é o voto que vai para a urna.

Nessas horas, todo mundo é importante. O que eu achei muito curioso é que, paulatinamente, os deputados começaram a comparecer aos eventos ligados a este segmento, ou seja, todo mundo percebeu que era muito ruim você não ter o sentido da liberdade, do respeito. Afinal de contas, são três coisas que são negadas à população LGBT: a integridade física, a vida e o amor. Esses três direitos são negados a esse segmento.

Portanto, o que a gente deseja é que, a partir de agora, esta Casa possa se despir de qualquer tipo de preconceito, que ninguém mais ouse, porque também aqui tem muita ousadia, que ninguém mais ouse falar qualquer coisa que seja minimamente de ofensa para a Erica Malunguinho.

Ela chegou, tomou posse e já se colocou. As pessoas já sabem, inclusive o líder do PSOL disse em alto e bom som: “A Assembleia Legislativa tem novidade, a Assembleia Legislativa tem a presença de um ser que olha de frente, fala o que pensa, não tem medo de enfrentamento e tem uma coisa chamada dignidade”. Eu quero que Deus abençoe, proteja, ilumine, e que todos os orixás estejam em volta de você para o enfrentamento que, por acaso, pode acontecer.

Eu acredito que não, porque agora existe aqui um lugar de fato, um lugar de direito, um lugar de merecimento, um lugar de um ser humano que é simplesmente fantástico: Erica Malunguinho. Muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Como é que a gente fica, não é? Quebra o protocolo e se emociona. Afinal de contas, ouvir isso de dona Leci é realmente a recepção de um legado histórico. Agora, com a palavra, a codeputada da Bancada Ativista, Erika Hilton. (Palmas.)

 

A SRA. ERIKA HILTON - Boa noite a “todxs” os presentes. É uma alegria olhar para esta Casa, para este auditório - que sempre está repleto de homens engravatados, que é cenário de tanta atrocidade -, e vê-lo repleto de pessoas LGBTs, de pessoas negras, com as suas estéticas, com a força que este movimento tem para um lançamento de uma frente tão pertinente e importante nos dias atuais como esta, a Frente em Defesa da População LGBTQIA+, um segmento extremamente vulnerável, precarizado, usurpado de direitos, esquecido por anos e anos por esta Casa que nunca se ateve na construção de políticas públicas que garantissem a dignidade humana das pessoas LGBTQIA+.

Quero saudar a Erica pelo lançamento desta frente, que o nosso mandato participa como vice-coordenação, junto com a Leci, que é um marco. Isto é um marco. A chegada desses corpos a esta Casa é de se ser celebrada e de ser questionada. Onde estavam esses corpos antes de chegarem a esta Casa? Onde estavam esses corpos antes de ocuparem, de fato, essas cadeiras e ganharem, de fato, voz?

Que as políticas públicas e o que esta Casa se propõe a construir possam, de fato, não ser construídos por senhores do engenho, por senhores brancos cisgêneros e heterossexuais para essa população. Mas esta Casa ganha, pela primeira vez, a chegada dos nossos corpos para a construção, de fato, de quem vive e de quem acumula, na vida e na trajetória, as necessidades e os desafios de se ser LGTBQIA+ neste País.

É o primeiro país no mundo que mais mata, um país extremamente violento, a vanguarda do retrocesso, mas que agora, pelo menos no estado de São Paulo, conta com a Erica Malunguinho e conta com a Bancada Ativista para uma construção real, para o envolvimento real de políticas públicas que deem o mínimo de ascensão e que tentem suprir o déficit histórico que foi construído por este estado.

Este Estado, representado nesta Casa de Leis, tem o dever de suprir as demandas que foram construídas por ele, o déficit que se criou nas populações LGBTQIA+, o número de violência, a falta de política que esta Casa nunca olhou, com um olhar atento, com um olhar empático, nunca convidou.

Nunca antes se viu tantas vezes a presença desses corpos neste espaço. Esta é a Casa do povo, mas se tornou natural que, ao longo dos anos, as populações LGBTQIA+ não fossem consideradas gente. A abjeção, a desumanização e a precariedade das nossas vidas e das nossas histórias fizeram com que, no imaginário do senso comum, nós nos tornássemos menos humanas, menos pessoas, e não fossemos “dignxs” de pertencer a esta Casa que, em tese, é a Casa do povo.

Hoje temos o começo, o início de uma jornada que se dará ao longo dos quatro anos dessas “mandatas” aqui dentro, que é trazer luz, aquilo que esta Casa sempre preferiu jogar na abjeção, na marginalidade, fingir que não existia, tratar de qualquer maneira.

Nós chegamos, e nós chegamos para dar o nosso recado, para dizer que os corpos transvestigêneres, que os corpos abjetos, que os corpos violentados por este Estado, que os corpos que este Estado achou que mataria e jogaria na vala, anonimamente, se fortaleceram, se “diasporaram” e chegaram a esta Casa para a construção de políticas públicas, para pautar este Estado, requerendo uma reparação história.

 Que esta Casa, na figura de lei, possa reparar os danos criados e os danos que nunca olharam. Então, esta frente tem um papel fundamental em trazer a luz para este debate, em tentar trazer o máximo possível de dignidade humana e pautar, a partir desta frente, as políticas públicas que esta Casa já deveria ter criado, mas que nunca fez.

Agora, os nossos corpos estão aqui e, como disse Damares, eu repito: é uma nova era. Muito obrigada. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Com a palavra, a deputada proponente desta sessão, Erica Malunguinho.

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Noite, mais uma vez. É de uma felicidade imensa, de um orgulho também imenso, de uma libertação tanto imensa quanto intensa estar aqui neste momento, abrindo para além da Assembleia Legislativa de São Paulo, mas abrindo nas nossas mentes a objetividade do nosso pertencimento na institucionalidade.

A gente fala das violências estruturais constantemente, como a Erika Hilton falou há pouco. Nós sabemos de todo o processo de abjeção aos nossos corpos e às nossas identidades. Nós estamos aqui fazendo a ruptura da estrutura e, consequentemente, da institucionalidade.

Estamos aqui, esses corpos estão aqui. Esse é um ganho para a nossa população, mas, ao mesmo tempo, é uma denúncia, porque não pode, apenas em 2019, nós termos no Brasil uma primeira deputada travesti nominalmente eleita. É uma denúncia, porque é a primeira também travesti e negra do mundo. Essa é uma outra denúncia. Isso nos conforta, mas isso denuncia.

Esse conforto que havemos de ter a partir desta frente parlamentar e a partir de todas as lutas histórias que já fomos construindo nas nossas militâncias deve nos impulsionar para, a partir de então, atravessar essa institucionalidade e garantir que a institucionalidade seja feita para quem deve. Às vezes, as pessoas tendem a me dizer que eu sou uma deputada específica, que luta pelas pautas negras e LGBTQIA+.

Vejam bem, não é disso que se trata, apenas. É sobre isso, mas é para a emancipação coletiva. Falar sobre população negra, sobre população LGBTQIA+ e sobre mulheres é pensar objetivamente onde incidem todas as violências estruturais, onde as violências e as desigualdades atingem de forma mais voraz.

Quando a gente pensa nessa população que somos nós, efetivamente, sobre essas populações, e quando essa população se desloca desse lugar de precarização, é óbvio, muito natural, muito lógico e muito matemático que toda a sociedade melhora, porque a violência que incide sobre os nossos corpos diretamente, elas voltam para a sociedade. Então, lutar e falar sobre nós são para “todxs”.

Este lugar estratégico que ocupamos, no sentido de tecer sobre nossas pautas, é estratégico e que, ao mesmo tempo, nos foi impulsionado a falar sobre esse lugar, ele é o único lugar possível para a verdadeira revolução humana, para a construção de um novo marco civilizatório, de um novo pacto civilizatório.

A violência que atinge as sociedades que, na contemporaneidade, se alastrou para todos os lugares, ela deixou o nosso mundo apático, cada vez mais doente. Não é possível mais - não é possível, nunca foi e agora menos ainda - que nós não estejamos como muito além de destinatárias de políticas públicas, como escreventes delas.

É fundamental que o Estado olhe para nós, mas tão fundamental quanto isso é que nós escrevamos e digamos para o Estado quem somos nós, porque eles não sabem. Eles, absolutamente, não sabem. Eles só entendem da diversidade na televisão, na rua, de forma muito precarizada, ou daquele sujeito ou sujeita que nunca esteve sentado ao seu lado. 

Eu estou aqui para denunciar isso, para denunciar que minha humanidade não será negociável, para denunciar que sou organizada politicamente a despeito de toda a opressão, que sou organizada intelectualmente a despeito de toda a opressão, para denunciar que estarei aqui para fazer tratos e olhar para “todxs” no horizonte e não nesse vértice que me coloca sempre no lugar de assujeitamento.

É sobre isso que estamos falando. “Bem-vindxs todxs” ao contragolpe black-trans-paranauê! (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Dando sequência à sessão solene, nós agradecemos a presença do assessor Renato, do mandato da deputada Beth Sahão; da coronel Helena, diretora de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da Polícia Militar; do major Frederico Alonso Izidoro, chefe do Departamento de Direitos Humanos da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Rômulo Silva, representando o deputado Delegado Bruno Lima; Luiz Ferreira, representando o deputado estadual Carlos Giannazi; Paulo Cesário Oliveira Júnior, representando o deputado Emidio de Souza; professor Walmir Siqueira, representando a deputada estadual Professora Bebel; Carlos Henrique de Oliveira, representante da entidade Coletivo Loka de Efavirenz; e Gabriel Rodrigues dos Santos, representando neste ato a Juventude do PT.

Agora, teremos uma intervenção artística. Convidamos para abrilhantar esta sessão solene o nosso querido de Lima.

 

* * *

 

- É feita apresentação artística.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Neste momento, vamos convidar os movimentos sociais para fazer o uso da palavra na tribuna. Com a palavra, Félix Pimenta, do Coletivo Amem.

 

O SR. FÉLIX PIMENTA - Boa noite a “todxs”. Primeiramente, peço licença a todas as pessoas mais velhas, aos nossos ancestrais e a essas mulheres incríveis que estão ao meu lado, de quem sou fã, e o Coletivo Amem também ama tanto.

O Coletivo Amem se faz presente hoje, afirmando aqui a nossa presença como pessoas negras, LGBTQIA+, um coletivo que foi pensado como uma resposta ao movimento LGBT GGG. Então, pensando em pessoas negras e construir toda essa história, o protagonismo negro, pensado, então, num coletivo totalmente negro, pensado com esses recortes, cortando, então, a raça, gênero e a questão social, e pensado também em pessoas que vivem com o vírus HIV, é pensar sobre a saúde da população preta.

Então, a resposta do Coletivo Amem é essa ocupação, esse protagonismo, dentre todos esses pontos e todos esses lugares, e essa possibilidade de existência e de afirmação de um outro lugar e outros lugares, de um “afrofuturo” dessas pessoas negras, que são universais, que estão em todos os pontos do mundo e que precisam desse protagonismo.

Então, estamos aqui para afirmar e mostrar que estamos presentes e que todos vocês podem contar conosco - com pessoas pretas, LGBTQIA+, positivas, não positivas - nessa luta. Para a gente, hoje aqui é uma honra começar toda essa fala, ser a primeira fala dos coletivos e dos movimentos sociais. É uma honra e uma responsabilidade.

Então, muito obrigado, Erica, Bancada Ativista e Leci Brandão. Muito obrigado a todos os movimentos que vieram antes. A todas as pessoas negras, muito obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Fernanda Gomes, do Coletivo Luana Barbosa e Brejo da Sul. (Palmas.)

 

A SRA. FERNANDA GOMES - Oi, gente. Boa noite. É estranho estar aqui, não é? Em um lugar que nunca foi permitido e que, de repente, está sendo ocupado. Obrigada, Erica Malunguinho; obrigada, Erika Hilton; obrigada, Leci Brandão.

Sou a Fernanda, tenho 31 anos e faço parte do Coletivo Luana Barbosa e Coletivo Brejo da Sul. Sou assistente social, percussionista e, de vez em quando, eu canto. O direito à cidade é um privilégio que poucos podem pagar. O direito às políticas sociais é um privilégio que poucos podem pagar. O direito às políticas públicas é um privilégio que poucos podem pagar, mas a gente vai no corre.

Eu e outras companheiras do Brejo da Sul e Coletivo Luana Barbosa somos responsáveis também pelo 1º Encontro de Mulheres Lésbicas e Bissexuais: Pretas de Quebrada, pensado por mulheres da zona sul, de periferia, da ponte para lá, e autonomamente.

Isso não quer dizer que a gente não vai vir para o afronte. Isso não quer dizer que a gente não vai cobrar de todos eles, de todos da Casa Grande, tudo o que é nosso por direito. Estamos aqui, estamos vivas, e Luana Barbosa presente. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Neon Cunha.

 

A SRA. NEON CUNHA - Boa noite a “todxs”. É uma dívida histórica, sem dúvida. 1987: a menina na calçada, o rosto entre o coturno do policial, a calçada. Levanta a cabeça, corre. A menina, a mulher, a negra, do outro lado da rua, executada pela polícia do Estado.

1987, ela tem 17 anos, ela assiste à execução denominada de Operação Tarântula; arrastão, riquete, rondão. As operações de extermínio de mulheres trans e travestis, comandada pela cidade e pelo estado de São Paulo, a Vila Buarque era um corredor polonês, não subia ladeira sem tomar um tapa na cara. Volta no dia seguinte para ser a melhor filha, a melhor profissional.

2006: Gisberta, Porto, Portugal. A brasileira executada por jovens cristãos de uma instituição vai dar o nome à lei de identidade de gênero mais avançada do mundo. 2016: Ceará, Fortaleza. Dandara dos Santos, executada como regem as leis abraâmicas e judaicas, as cristãs. Paus e pedras, no centro da cidade, a mulher abjeta é executada.

Esta frente que se faz é a bolha que eu sempre quis. Sabe aquela coisa transparente que é um escudo de proteção? E que você assiste, do outro lado, tudo acontecer que não te atinge? É isso que essa frente parlamentar representa para mim. Eu tenho para onde correr. Eu tenho com quem correr.

Este Estado nos deve isso. Ele fez uma lei de combate à homofobia. Precisa avançar, precisa garantir que as nossas vidas, que mulheres de 49, que nem eu, se multipliquem. Que o Estado seja precursor, uma vez que eu escutei do prefeito e do governador, em 1987: “Nós precisamos limpar a cidade dos anormais”.

A Polícia Civil e a Polícia Militar, num feito histórico, se uniram para executar as vidas abjetas, mas o que é isso no País que cantava “joga pedra na Geni, ela é boa de cuspir, maldita Geni?

Por nenhuma Dandara, por nenhuma Luana Barbosa, por nenhuma LGBT, ou no Arouche, ou na zona sul, ou no ABC, ou no interior de São Paulo, nas regiões ribeirinhas, nas regiões quilombolas. Nós vamos resistir, porque nós já existimos. Estou viva para dizer, é possível. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Uau! Com a palavra, Samuel Feitosa, do Núcleo de Transmasculinidades da Família Stronger. (Palmas.)

 

O SR. SAMUEL FEITOSA - Boa noite a todos, todas e “todxs”. Quero agradecer o convite da nossa deputada Erica Malunguinho e a oportunidade de estar aqui, neste espaço de grandes nomes e pessoas. Estou muito feliz em fazer parte desse momento, e a história que eu vim contar a vocês começa em 1986, o ano em que eu nasci.

Madrugada fria de junho, nasce ali um bebê, filho de uma mulher negra, empregada doméstica e sem condições psicológicas e financeiras de cuidar dele. Três anos depois, ela se foi, deixando para trás aquele bebê, que foi criado por uma família que tinha condições de sustentá-lo e educá-lo. Aos poucos, aquela família foi percebendo que aquela criança não era igual às outras, não habitava um corpo de menina e foi percebendo que se enquadrava melhor em um corpo de menino.

Na escola, apanhava todos os dias, pelo simples fato de gostar de meninas, ser negro, criado por uma família branca. Enquanto as meninas jogavam brincadeiras femininas, eu estava lá, jogando futebol de latinha com os meninos. Aquela criança foi crescendo e aos poucos foi entendendo que ele não era mais um bebê, que andava ali só de fraldas, sem camisa, no banco de trás de um fusca azul.

Essa criança cresceu, chegou à puberdade, entrou na faculdade e, aos 21 anos, se formou em Educação Física, depois duas pós-graduações, o primeiro homem trans de São Paulo a ter a cédula de identidade pelo Conselho Regional de Educação Física. Aos 31 anos, iniciou a hormonioterapia; aos 32, descobriu o que era viver de verdade.

Hoje eu sou membro do Núcleo de Transmasculinidades da Família Stronger, que existe há 13 anos, com a iniciativa de envolver jovens periféricos e negros que se reuniam no Largo do Arouche e que, aos poucos, foram entendendo a importância de estarmos todos aqui hoje, ocupando o nosso espaço, ocupando as nossas falas, sendo realmente quem somos.

Hoje eu tenho 32 anos, sou formado em Educação Física e estou extremamente emocionado e contente de estar aqui, falando para todos vocês. Alguns anos atrás, eu tentei me matar três vezes, pelo simples fato de não ser aceito na sociedade, pelo simples fato de que quem eu achava que me amava, não me amava, pelo simples fato de não ser aceito.

Hoje eu quero agradecer a presença de todos nós que estamos aqui, por fazermos parte deste dia muito importante para todos nós. Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Cadu Oliveira, da Revolta da Lâmpada. (Palmas.)

 

O SR. CADU OLIVEIRA - É muito bonito ver vocês todos aqui, todos, todas e “todxs”. Eu faço parte do Coletivo Revolta da Lâmpada, que muitas pessoas vão confundir com aquele evento específico das “lampadadas” na Paulista, mas o símbolo que a gente usa para as lâmpadas não é esse.

Foi uma materialização, na verdade, da violência que todos os corpos dissidentes estavam sujeitos. Então, é por isso que nós somos A Revolta da Lâmpada. Não dá para você fazer isso num grupo que fosse só de LGBTQIA+. Então, o nosso coletivo é de pessoas vivendo com HIV, mulheres, de pessoas negras. A ideia é se aproximar cada vez mais, criar uma rede, uma rede de apoio, uma rede de sustentação.

Estar aqui, neste momento, com vocês, todas, “todxs” e todos, simboliza isso para a gente. Eu queria agradecer, na figura da Leci, da Erica Malunguinho, da Erika Hilton, por esse encontro. Que nós possamos criar coisas muito bonitas e muito importantes para os que virão.

É isso. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Passo a palavra para Emerson Alves Lima, da Artgay.

 

O SR. EMERSON ALVES LIMA - Muito boa noite a todos e a todas. Como é gostoso estar aqui em cima, viu, gente? Confesso para vocês que é interessante. Venho aqui falar em nome da Artgay, em nome do Renato Libânio, que é o nosso secretário estadual. Ele teve problemas de saúde, teve que ir para o hospital, mas estou aqui o representando.

Quero falar da importância que é essa frente para nós, LBGTQIA+, todos e “todxs”. Nós temos que ocupar os espaços públicos. E aqui venho fazer uma denúncia, mais uma vez: cadê o Conselho Estadual, cadê os conselheiros estaduais, cadê o Conselho Municipal LGBT de São Paulo? (Palmas.)

Então, Erica, estamos aqui, continuaremos na resistência, na luta pela garantia fundamental dos direitos da população LBGTQIA+. E não vamos baixar a cabeça, porque quando eles derem um tapa, nós vamos dar dignidade e mostrar para ele que nós somos fortes e vamos lutar por resistência e garantia. E Lula livre. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Passo a palavra para a Terra Johari, da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. (Palmas.)

 

A SRA. ... - Não queira.

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - (Risos.)

 

A SRA. TERRA JOHARI - Boa noite a “todxs”; boa noite, deputada Erica, deputada Leci. É uma honra estar aqui. Viemos aqui hoje para falar de direitos. Quando a gente entra na faculdade de Direito, lá nas primeiras disciplinas de introdução, a gente aprende dois aspectos do conceito de Direito: direito objetivo, que são as regras, as sanções, as punições, as instituições normativas; e o direito subjetivo, que são as prerrogativas, as liberdades, as faculdades. Eu tenho direito à Educação, à Saúde, à moradia, ao trabalho digno - direito subjetivo.

A gente sabe que historicamente, num Estado que foi construído sobre a escravidão e sobre a exclusão de modelos familiares e de relações de gênero que não se conformavam a determinado padrão, a gente conhece o direito, o Estado, através do direito objetivo, através das sanções, das punições, das regras. E o direito subjetivo, as prerrogativas e as liberdades, a gente conquista através da luta, uma luta ancestral.

E essas instituições normativas, esse direito objetivo se ergueu por meio do trabalho, dos serviços da população negra, inclusive dos serviços sexuais, como a gente sabe, que sustentam tantas das pessoas que fazem parte dessas instituições. Ele se constituiu através desses serviços, tentando manter essas pessoas às margens; tentando nos manter às margens dessas instituições. Mas, como tudo o que está na margem está no limite - e o que está no limite está fora, mas também está dentro, e agora cada vez mais dentro, e acho que, para citar a Linn da Quebrada, sempre cabe mais e mais e mais e mais -, hoje as nossas deputadas nos convidam aqui, elas borram os limites entre o que está dentro e o que está fora.

E a gente ocupa esse espaço, que é um espaço que nos foi negado por tanto tempo, para a gente abrir mais uma nova frente de luta pelas nossas faculdades, pelas nossas prerrogativas, pelas nossas liberdades, pelos nossos direitos subjetivos, pelo direito às nossas subjetividades, pelo direito às nossas formas de existir, pelo direito a ser trans, a ser lésbica, a ser humana, a ser não humana, a ser alienígena, a ser o que a gente quiser.

Então, eu fico muito feliz de vir aqui hoje. Coloco a Comissão da Diversidade da OAB de São Paulo à disposição desse espaço, dessa frente parlamentar, e estamos aí para construir juntas. Nós, o Luan, a Luanda, o pessoal que está junto me acompanhando, estamos aí para essa construção. A OAB é um serviço público que, pelo seu estatuto, tem que defender a Constituição, a justiça social e os direitos humanos. Estamos aí para lutar pelos nossos direitos subjetivos, pelo direito de existir. Obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Zaila Luz e Samara, da Uneafro. (Palmas.)

 

A SRA. ZAILA LUZ - Boa noite a “todxs”. Meu nome é Zaila Luz Batista de Souza da Graça, da Uneafro. Eu tenho agora em papel, em registro, a minha certidão no sexo feminino e com o meu nome, que é Zaila Luz. (Palmas.) A Uneafro é um cursinho popular que está direcionado a pessoas periféricas negras, mulheres e LGBTQIA+. Então, eu gostaria de estar agradecendo a todos por estar aqui, agradecer à Uneafro e falar que vai ter travesti, sim, na universidade. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Walmir Siqueira, da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo.

 

O SR. WALMIR SIQUEIRA - Boa noite a todas, boa noite a todos. Falo em nome do Coletivo LGBT da Central Única dos Trabalhadores. Que honra... Vossa Excelência, muito obrigado pelo convite. Central esta que já participa de outras frentes parlamentares nesta Casa e no âmbito internacional. Mas, neste momento, onde o ataque é feroz em cima dos trabalhadores e, principalmente, dos trabalhadores LGBT... Se fere nossa existência, nós somos a resistência. Nós não permitiremos, senhoras e senhores, que o ataque seja mais violento além do que é. Nós resistiremos. E estamos juntos nesta frente, em nome da vida e dos trabalhadores brasileiros. Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Passo a palavra para a Leona Wolf, do Coletivo Prisma.

 

A SRA. LEONA WOLF - Eu acho que a primeira coisa a falar aqui, olhando esse evento que ocorre hoje, é que a gente tem que pensar o quanto que - eu sou baixinha - a história não se repete. 32 anos, de uma maneira institucional, travestis eram colocadas dentro do camburão, dentro da ideia de estarem protegendo a população contra o vírus HIV. Éramos tratadas como mosquitos da dengue ou qualquer tipo de animal transmissor de alguma doença infecciosa terrível. A ideia da epidemia é uma coisa horrível porque ela acaba despertando políticas de pânico, de ódio. A ideia da praga gay levou a ondas de assassinato, de violência, de tortura.

E se hoje a gente ainda tem um reflexo disso, se essa violência, na rua, nunca acabou de fato, a gente tem que pensar que num momento no qual a gente estava em meio a uma campanha presidencial onde se exaltaram todos os aspectos de ódio, chamando-nos de corruptores morais, corruptores de crianças, que estaríamos levando uma nova infecção ao mundo, uma infecção gay, uma infecção LGBT, uma infecção transviada... Onde eu tenho um papa que falou que nós, na verdade, somos frutos e defendemos uma ideologia da morte; e um jurista argentino falou que o nosso plano seria a implantação de um regime neototalitário através da morte da família.

Eu estou dentro de uma Casa em que eu tenho certeza de que alguns dos homens engravatados brancos cisgêneros evangélicos, cristãos, homens de bem que sentam aqui na frente leem todo esse lixo, acreditam nisso, ou, se não acreditam, utilizam tudo isso contra as nossas crianças. A gente está diante de políticas de extermínios de corpos, políticas que dizem que corpos podem existir e que corpos não podem existir.

Se se ataca, por exemplo, no âmbito educacional; se atacou, nas escolas, a mobilização de políticas de permanência e inclusão, é porque, na verdade, a gente tem que morrer na rua mesmo. E é isso que se coloca. Mas a história não se repete. E a gente vai resistir. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Lorraine, da Casa Florescer. (Palmas.)

 

A SRA. LORRAINE ARANTES - Eu, Lorraine, 41 anos de idade, hoje moradora da Casa Florescer, e viva. A Casa Florescer tem 30 meninas que, bem além de toda essa realidade que a gente tem sobre o público LGBTQIA+... Eu falo inúmeras meninas em situação de rua. Meninas que são ricas em vida, em crescimento, e de repente a única questão que vivem hoje é a drogadição, não por opção.

Eu digo isso por conta de que quando criança eu estava no lixo, quando adulta eu conheci a prisão, e quando eu saí da prisão, nem a esquina me aceitou, porque eu não tinha o perfil para trabalhar na Indianópolis. E o que me abraçou foi alguém na calçada, me oferecendo um gole e aí por diante. E isso foi por muitos anos, a ponto de eu chegar a São Paulo para me matar na cracolândia. E fui abençoada, e eu digo isso por conta de pessoas maravilhosas. Entre elas, tem muitas aqui, mas a Ariadne, a Maitê, o Beto e mais outras pessoas que não estão presentes. E a bancada, principalmente, trabalhando a nosso favor.

É muito importante essa vida. Porque eu tenho vida hoje. Eu sou feliz. Eu estou aqui. Quando, um dia, alguém deixaria, talvez o segurança... Será que ele me deixaria vir beber um copo d’água aqui dentro? Não por ser somente trans, mas principalmente por ser uma pessoa em situação de rua com um problema de drogas. Hoje, eu estou há mais de seis meses hiper boa, trabalhando, correndo atrás do meu futuro, estudando, projetando, querendo uma vida, estando aqui, falando em nome de 30 meninas ou de 30 milhões de meninas que estão nas ruas e precisavam de um encorajamento.

E eu quero acabar essa fala com uma coisa que é muito importante: nos lixões de São Paulo, também nascem flores. Eu estou aqui e me chamo Lorraine Arantes. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Dando sequência à sessão solene, nós agradecemos a presença de Ricardo Luis Dias, coordenador de Políticas LGBTQIA+ Municipal; representando o secretário de Direitos Humanos, Berenice Janeta e o prefeito Bruno Covas; Eduardo Paes Aguiar, coordenador do Centro de Cidadania LGBTI Luiz Carlos Ruas; Sandra Campos Ago Lona; Claudinho Silva, do SOS Racismo; Dr. Cristiano Lanfredi, delegado de polícia da Alesp, nesse ato representando o delegado-geral de polícia, Dr. Ruy Ferraz Fontes; Verônica Alves, representando a Casa de Oração do Povo da Rua; Efrén Colomboni, da Secretaria de Cultura e Assessoria de Gênero e Etnias; Silvana Gimenes, representando as pessoas com deficiência LGBTQIA+; Annelize Paes Tozetto, assessora da deputada Isa Penna; Berenice Candido Sankofa, presidente da Comissão de Equidade Racial e Intolerância Religiosa da 24a Subseção da OAB do Rio de Janeiro.

Informamos, também, que no dia três de julho nós teremos, já, a primeira reunião desta frente parlamentar, em que será discutido o planejamento das ações desta frente. Daqui a pouco, eu informo o local para vocês, mas é importante a presença de “todxs”, não só dos que estão aqui, mas que isso seja ampliado, que outras pessoas estejam aqui, para que nós possamos construir e avançar com esse instrumento político que é a frente. Neste momento, teremos a apresentação artística de Ayo Lima. (Palmas.)

 

O SR. AYO LIMA - Opa, boa noite, tudo bom? Prazer, eu sou o Ayo. E eu tenho pouco tempo da minha transição e da descoberta do meu corpo transnegro. Desde pequeno, eu falava que quando eu tivesse oportunidade para falar sobre as coisas que acontecem pela quebrada, eu ia falar. Mas hoje eu tenho mais força para gritar o que eu preciso falar. Porque eu descobri o meu potencial, o meu corpo, como transnegro, como a minha vida. Agora, é importante falar sobre isso.

Mas ainda tenho que falar sobre as coisas que acontecem na quebrada. Porque é isso. Eles precisam de alguém para falar. Eu sou poeta. Mas antes de ser poeta, eu sou preto. Eu moro numa comunidade que eu chamo de gueta, pela qual eu tenho o máximo respeito, porque as vivências ali me tornaram um bom sujeito. Ser preto, entre vielas e becos. Quando passa a polícia, dá um aperto no peito. Eles estão vindo devagar, começaram a nos encarar. Eu estou pedindo para eles não nos enquadrar, porque os moleques da quebrada já estão cansados de apanhar.

É, essa é a realidade de quem vive por lá. Eu me tornei poeta por sobrevivência. Não é questão de aparência que eu tenho que provar, aqui, a minha existência. O sistema não quer me ver feliz. É sobre deixar um pouco do que eu sou em palavras, letras, danças e afins. Eu, que fiquei tanto tempo calado, o plano do sistema muito bem traçado, porque ser silenciado, foi negado o trabalho, corpo marginalizado, sem direito à vida. Eu tenho que deixar registrado, antes que eu seja morto pela mão do Estado. É, eu sou novo, mas eu posso morrer rápido, só por ser preto, trans, favelado.

Eu sou poeta porque eu quero estar vivo, sentir mesmo o ar que eu respiro e respire. Respire. Eles nos roubam até o ar e tentam de qualquer jeito fazer que nossos corpos pirem. Nos matam, nos aprisionam, nos oprimem. Eu sou poeta porque eu preciso falar. E eu acabei de nascer Ayo e eu não vou deixar ninguém me calar, porque foram 18 anos que conseguiram me silenciar. Agora, é atura ou surta. Eu estou aqui é para cobrar, porque eu vou levar tudo o que vocês roubaram, eu vou levar da quebrada para lá. É isso. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Agradecemos mais essa intervenção artística. Complementando a informação, a reunião será aqui na Alesp, no dia três de julho. As reuniões já começaram, inclusive com alguns coletivos que participaram da construção dessa sessão solene. E será uma reunião de continuidade, aberta, mais ampla. O local exato dentro da Assembleia Legislativa será definido, e nós circularemos essa informação. Agora, a intervenção artística de Tati Nascimento. (Palmas.)

 

A SRA. TATI NASCIMENTO - Boa noite. Eu vim lançar uma maldição para os corpos que tradicionalmente ocupam essas cadeiras macias, para que elas fiquem cada vez mais desconfortáveis para eles e mais confortáveis para nós. Bonita essa Casa cheia de nós. A gente vai destruir tudo aquilo que você ama. E tudo aquilo que você chama amor, a gente vai destruir. Porque você chama de amor à pátria o que é racismo, você chama de amor a Deus o que é fundamentalismo e você chama de amor pela família o que é sexismo homofóbico.

Você chama a transfobia de amor à natureza, mas o que você sabe da natureza se para você a natureza não é mais do que uma pessoa a ser dominada? O que você chama de amor pela segurança é militarismo; e o capitalismo você chama de amor pelo trabalho, mas é mentira. É pura adoração pelo dinheiro. O que você chama de amor pela democracia é golpe, e o que você chama de amor à humanidade é “especismo”: achar que todas as outras pessoas do mundo - humanas, não humanas, não pessoas - existem para servir você.

O seu amor pela palavra, pela sacralidade da Escritura, na real, é só um caso histórico de má tradução. Que conveniente para você chamar Deus de “Ele”, mas eu, que olhei dentro de mim, vi a face amorosa de Deus e sei que ela é preta. Você, que come ódio, vive ódio, vomita ódio, qual é a face do Deus que te olha de volta?

Então, se liga: nós somos seu apocalipse “queer” e vamos destruir tudo o que você ama, seus ideais de civilização, cultura erudita, amor pela liberdade, justiça, feitura de leis - isso não passa de liberalismo, “galerismo” burguês, políticas racializadas de encarceramento, “epistemicídio”, genocídio colonial, que é matar tudo o que ri, tudo o que goza, tudo o que dança, tudo o que luta. Quer matar a gente, mas a gente, que nem semente daninha, é forte, vinga, brota, se espalha e sobrevive. Porque a gente, que eles tentam matar em nome do que eles chamam de um amor doentio, segregador e “hétero-cis-normativo”, “branquista”; a gente é que é amante. A gente que vive e espalha amor. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Agradecemos mais essa intervenção. E, neste momento, iremos exibir um vídeo sobre empregabilidade trans.

 

* * *

 

- É feita a exibição de vídeo.

 

* * *

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Este vídeo, estrelado por Ulica, foi produzido pela nossa “mandata” quilombo, pela equipe de comunicação Lígia Rosa e Norma Odara. (Palmas.) Agradeço.

E corrigindo e pedindo desculpas ao Bruno Candido Sankofa, presidente da Comissão de Equidade Racial e Intolerância Religiosa da 24a Subseção da OAB Rio de Janeiro, e a Anderson Pirota, representante do Coletivo LGBT da CUT de São Paulo.

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Cíntia Abreu, da Marcha das Mulheres Negras. (Palmas.)

 

A SRA. CÍNTIA ABREU - Boa noite a todos e todas. Esse não é um lugar confortável, não é um lugar acolhedor. Faço parte do movimento há mais de 20 anos. Essa é a primeira vez que estou tendo a palavra e sendo escutada dentro dessa Casa. É um marco para nós essa noite, porque todos nós que estamos aqui... Quero saudar os movimentos sociais que estão aqui, quero saudar a Mesa. Axé para quem é de axé, motumbá para os meus irmãos que estão aqui. A gente sobreviveu para estar aqui, para falar aqui hoje à noite. Sobreviveu nas ruas, sobreviveu do Estado. Mas, infelizmente, teve gente que não sobreviveu. Luana Barbosa dos Reis, presente. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Presente.

 

A SRA. CÍNTIA ABREU - Que essa frente seja para nós um encurtamento da distância, do abismo que a gente vive. Nós, mulheres lésbicas, vivemos uma invisibilidade nas políticas públicas em todos os outros lugares. E as políticas públicas servem para isso, para nos tornar visíveis; direitos - possíveis e reais. Cidadãs e cidadãs. E é nesse espaço que a gente se junta, se soma à frente para reivindicar de estar aqui e sentir, nesse espaço, que eles nos ouçam e que a gente seja visto e tenhamos nossos direitos garantidos.

E que essa Casa não faça por menos, de vir aqui e defender aqueles que mais sofrem neste País. Nós estamos em marcha contra o genocídio da população negra, mas também estamos em marcha contra o genocídio da população LGBT. Este país é o que mais mata LGBT no mundo, não é um lugar confortável. Não é confortável, no Brasil, ser um LGBT. Todos os dias, a gente tem que sair na resistência, nas ruas. Não sabemos se vamos voltar com um tapa na cara, ou se a gente chega com a cara quebrada para a nossa família e dizendo que apanhou na rua, como eu apanhei na rua aqui no estado de São Paulo.

Passei por três delegacias até entenderem que eu era uma lésbica e tinha sofrido “lesbofobia” e não era briga de rua. E fui atacada. Tive que explicar três, quatro, cinco vezes uma coisa que não entendem. Ou seja, estão muito distantes do diálogo e de nos ouvirem, para compreenderem as nossas demandas. Temos que estar aqui compondo e exigindo e falando, porque só nós LGBTs sabemos a doçura e as dores de ser um LGBT na vida. Então, quando a gente está aqui nesses espaços, a gente faz visibilidade da nossa identidade, da nossa construção, porque ela é resistência todos os dias. Agradeço a todos e todas. Mulheres lésbicas: em cada beijo, uma revolução. Obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Augusto Malaman, do Setorial LGBT do PSOL de São Paulo. (Palmas.)

 

O SR. AUGUSTO MALAMAN - Boa noite à Mesa, às deputadas, boa noite a todo mundo que está aqui também. Eu sou o Augusto Malaman, o Mala - me conhecem mais assim. Eleito no último encontro do PSOL, entre toda uma coordenação, para a direção do setorial LGBT do partido aqui em São Paulo. Eu acho que é muito importante, de início, como já teve várias falas colocadas aqui, ver esse espaço da Alesp, principalmente esse aqui do plenário, onde ficam os deputados - os deputados, em sua grande maioria -, ocupado por outras pessoas, com outras questões para colocar, com outras falas, com outras formas de estar aqui formulando e fazendo política, que é o que teoricamente eles deveriam estar fazendo.

Mas a realidade que a gente vive hoje no País - e a Alesp não é diferente da Câmara Federal nesse sentido - é da ocupação da direção política do País, das políticas públicas que poderiam ser construídas, mas têm sido destruídas, têm sido desmontadas, desmobilizadas; ou então construídas no sentido de processos de mais morte, de exclusões, como é o caso, por exemplo, da eliminação do Departamento de HIV-AIDS no Ministério da Saúde. Enfim, a gente está vivendo um momento em que dirige o País um projeto político de morte, um projeto político excludente, um projeto político que é tanto autoritário e golpista quanto neoliberal, que avança nos nossos direitos enquanto trabalhadores, que avança na economia num sentido “precarizante”. Está aí a reforma da Previdência, que também é um debate que a gente tem que fazer, também tem que estar pensando de que forma nos afeta.

Enfim, esse é o projeto político que está no poder hoje. Mas uma frente parlamentar como essa que a gente tem aqui e que vê na Alesp, onde essa mesma composição de deputados eleitos, do PSL e seus aliados, parte do governo “Bolsodoria”... Como eles colocaram, a gente tem hoje a tarefa de fazer; com essa frente, tem-se a possibilidade de dizer que há outros sujeitos políticos no centro, outras formas de fazer a política, de pensar a política, o que ela pode ser.

É muito relevante, nesse momento, para se contrapor, para apresentar outros futuros possíveis, como o Félix colocou aqui: existem futuros que a gente está para construir, que a gente quer colocar. O “afrofuturo”, que a Amem traz; a possibilidade das nossas existências em gêneros, sexualidades, vivências alienígenas. Sejam humanas ou não, são todas necessárias de se apontarem como saídas possíveis para esse momento que a gente vive. A gente não quer e não deve querer esse espaço, essa construção autoritária, neoliberal, conservadora, que se apresenta hoje como a saída para o País.

E é esse tipo de união, de espaço de construção coletiva que a gente tem condições de apresentar como alternativa. Se a gente também se prende, num momento de destruição, a só o “salve-se quem puder” e alguma coisa assim, a gente não apresenta essas possibilidades. Então, aqui, enquanto PSOL, a gente entende essa importância das nossas duas deputadas que compõem a bancada. Mas também com os aliados, como acabei de dizer, precisamos estar construindo esse tipo de ponte.

Então, essa frente representa muito isso. E espero que a gente, enquanto PSOL, consiga também contribuir nas formulações do trabalho, nos acúmulos que a gente tem enquanto partido, nacionalmente, para a gente estar ocupando esses espaços com uma política que vá no sentido da nossa vida, de fruição e de outros futuros possíveis. Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Eliane Teresinha, das Mães pela Diversidade.

 

A SRA. ELIANE TERESINHA - Boa noite a “todxs”. É uma grande honra, para mim, hoje estar aqui. Quando eu fiquei sabendo da criação dessa frente parlamentar, eu, participando desde a primeira reunião... E quem era para estar aqui hoje era a Maju, que é a coordenadora nacional do Mães. E esse é um coletivo que nasceu com a intenção de lutar pelos direitos civis dos nossos filhos, porque algumas pessoas pensam que LGBT não tem pai nem mãe, é filho de chocadeira.

Não, eles têm pais e mães. E quando nossos filhos sofrem homofobia, a gente sofre em casa, com medo que eles não voltem. A gente sofre em casa, preocupada de como vai ser no trabalho. Outro dia, eu vi o depoimento de uma mãe que teve que ir buscar o filho no metrô, porque ele ligou para ela: “Mãe, estão tentando me atacar aqui”. Ele tem 16 anos. E a mãe teve que ir lá buscar.

Esse coletivo vem ao encontro do que eu buscava, porque, como mãe, eu queria um lugar de poder falar, dizer das nossas angústias e das nossas lutas também. Eu quero muito participar dessa frente, porque eu acho que com tudo o que a gente está sofrendo, com o crescimento desse fundamentalismo, do fascismo... Essas eleições foram muito tristes para mim, mas vocês são um sopro de luz.

E eu assisti à sua entrada chorando, quando você veio aqui. Porque é muito emocionante saber que a gente tem luz ainda, que vamos chegar lá, que a gente vai lutar, que não vai ser assim. Eles querem derrubar, mas não vai ser fácil, não. A gente está aqui, e as mães estão junto com vocês. O que a gente quer só é direito; não quer nada de mais, só os direitos civis de que todo ser humano precisa. Só isso. Boa noite. Obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Samara, do Coletivo LGBT Sem Medo. (Palmas.)

 

A SRA. SAMARA - Boa noite a todos, boa noite a essa Mesa maravilhosa, composta por mulheres incríveis. Primeiramente, eu queria falar que tive a oportunidade, Erica Malunguinho, de estar presente, antes de você se eleger, para ver o que você tinha para falar, para ver sua proposta. Acreditei em você, votei em você, fiz campanha para você e hoje estou aqui exercendo a minha cidadania. E para te dizer, não para cobrar, mas dizer que conte comigo, conte conosco. Porque a sua posição nos representa, e eu sei que não é fácil.

Eu vou falar um pouquinho sobre o Povo Sem Medo, que é um coletivo formado nas ocupações, que veio a partir do MTST, onde eu assumi minha transexualidade, dentro de ocupação, como uma das primeiras coordenadoras de uma ocupação transexual, o que não foi fácil. E quando eu comecei na ocupação, eu não tinha assumido minha transexualidade. Mas a partir do momento em que fui para a rua, fui travar uma rodovia, entrei dentro de uma câmera, parei uma avenida, eu falei: “Se eu posso fazer isso, também posso colocar uma saia e sair de manhã para comprar pão, porque é assim que eu me sinto bem e é assim que eu vou continuar a ficar.”

E a partir desse momento, eu assumi o meu nome de Samara, assumi a minha transexualidade e comecei a respeitar (Ininteligível.) de ocupação. Um ano depois, a gente percebeu, junto com outros coletivos, como o Rua, que a gente precisava falar um pouco dessas questões de gênero e sexualidade dentro das ocupações e, principalmente, dentro das periferias. Porque muitas vezes os jovens negros LGBTs saem das periferias para ir aos grandes centros, porque lá eles se sentem mais à vontade, mais seguros. Mas nas periferias a gente não fala e a gente não discute. Ou, se discute, discute muito pouco. Não tem lugares específicos para os LGBTs se sentirem seguros como nos grandes centros. Então, a partir daí a gente teve a necessidade de começar a discutir sobre essas questões de gênero nas ocupações. E esse é o trabalho que a gente faz.

Eu também ia falar um pouco sobre a Uneafro, mas teve uma colega que falou. E eu quero agradecer a muitos movimentos que estão aqui, principalmente a Uneafro. Graças a eles, eu consegui entrar para um curso técnico e ocupar uma sala de uma graduação, me formar, e eu estou muito feliz por isso. E queria falar para todos vocês: se precisarem ir para a rua, se organizarem para ocupar, contem com a gente. Muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Convido agora Maitê Schneider, do Instituto Brasileiro de Transeducação e Transempregos. (Palmas.)

 

A SRA. MAITÊ SCHNEIDER - Oi. Eu gosto muito da faixa que está ali, do Stronger, perguntando - eu não sei se vocês viram lá na ponta - “e se Jesus estivesse aqui?” Daí, olham Jesus crucificado, que com certeza estaria do nosso lado. E crucificado novamente; independentemente dos anos que passem, a crucificação seria caminho inevitável nessa trajetória, por estar do lado certo. Nós somos o lado certo.

Eu trabalho com dois institutos. O Instituto Brasileiro de Educação - são centenas de professores, educadores, com mestrados, doutorados, pós-doutorados trans. Dez por cento são negros, pardos. E não porque não querem estudar, porque são excluídos desse processo de educação que o nosso País permite. Dentro da Transemprego, um dos maiores cases da Transemprego, nesses cinco anos, é a Tento. Nessa caminhada junto com a Transemprego, que é um projeto social, a Tento tem 80 mil pessoas no Brasil. Trabalhando, a gente conseguiu colocar 1.300 pessoas trans dentro da Tento. Dez por cento dessas pessoas são negras.

Se eu tenho uma pessoa trans com algum tipo de graduação pelo menos, branca, eu consigo colocar com uma certa tranquilidade no mercado de trabalho hoje em dia. Se ela for negra, com a mesma graduação, me dificulta em 80% a inserção dessa pessoa no mercado de trabalho. Se, além de ela ser negra, tiver algum tipo de deficiência, é um combo de dificuldades que eu não consigo incluir.

Eu queria fazer um convite, aqui - já terminando a minha fala -, para essa reflexão. Que se levantem, por favor, se quiserem, se puderem, as pessoas negras desse auditório - homens e mulheres que se consideram negros e negras nesse auditório. Agradeço por vocês estarem levantando. É um auditório raro de se encontrar. Não é assim sempre. As pessoas que estão sentadas, eu gostaria que olhassem para essas pessoas, porque elas são a maioria do nosso País. Elas são invisíveis. E hoje, aqui... Por acaso, não, porque foi uma proposta feita pela deputada Erica Malunguinho, para que a gente começasse a se empoderar desse lugar. Se existe uma maioria no nosso País, ela é feita por negros e mulheres. E essa minoria que está sentada - e eu faço parte, porque estou de pé por acaso, porque estou falando e deveria estar sentada... Somos uma minoria cheia de privilégio e deveríamos nos unir para fazer a revolução.

A revolução tem que ser preta e feminina. E eu convido as demais, agora, para que se levantem, deem as mãos um para os outros do seu lado. Podem levantar as pessoas brancas, que eu sei que são aliadas, aqui dentro, nesse momento, porque vamos precisar de vocês para fazer a revolução. Podem levantar a mão com orgulho, porque isso é a energia que a gente vai ter.

Foi lembrado, aqui, que eles nos matam, sim. Toda hora, eles nos matam. Só que eles esquecem a coisa mais importante: que nós somos semente e renascemos sempre. E que juntos, assim, de mão dada, nós não somos só fortes, que nem a gente pensa que a gente é, nós somos imbatíveis, e a gente pode tudo, sempre. Não se esqueçam disso. Obrigada, deputadas, por essa revolução. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra, Felipe Couto, da Aliança Pró-Saúde da População Negra. (Palmas.)

 

O SR. FELIPE COUTO - Boa noite. Boa noite, Leci, Erica. Muito feliz de estar aqui ao lado de vocês; eu aprendo muito, Leci, com você, desde sempre. Erika Hilton, Erica Malunguinho, amigas que me acolheram, me escutaram, me ensinaram durante esses últimos anos. Muito feliz de ver vocês aqui, construindo políticas públicas para a população negra LGBT. Todo mundo ganha com isso.

Eu faço parte do Coletivo Amem. E aqui estou representando a Aliança Pró-Saúde da População Negra, que se formou no ano passado, em março, reunindo coletivos e profissionais da saúde em prol de denunciar o racismo institucional, principalmente dentro da Saúde. Entender que a população negra também morre com viés da Saúde e o genocídio da população negra também vem por aí. Quantos dos nossos familiares, amigos, conhecidos faleceram ou sofrem de saúde mental e física? Esses corpos são esquecidos e silenciados.

Então a gente está aqui, unido, para construir estratégias e transformar em políticas públicas para o enfrentamento do racismo institucional. Que isso transforme e acolha cada vez mais a nossa população.

Obrigado. Sucesso. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Quero convidar Letícia Ferreira, da Casa 1. (Palmas.)

 

A SRA. LETÍCIA FERREIRA - Boa noite a todos, a todas e a “todxs”. Meu nome é Letícia Ferreira. Sou psicóloga do Projeto Casa 1. Eu sou negra, periférica, LGBT e mulher.

Eu vim de um lugar da periferia, do Jardim Rebouças, zona sul de São Paulo, onde fui ensinada a não criar muitas expectativas, que o meu destino já estava traçado, que a minha maior preocupação era apenas sobreviver e, com sorte, seguir os passos dos meus pais. Minha mãe, dona de casa, vivia na roça, com Ensino Fundamental incompleto, negra. Meu pai, nordestino, analfabeto, trabalhava em São Paulo 12 horas por dia, 7 dias por semana.

Estar aqui diante de vocês é dar voz para esses recortes, é dizer que nós, negros, periféricos, mulheres e LGBTs, não apenas resistimos, mas existimos. Saímos da periferia para dizer isso e lutaremos para ter opções de escolha dos nossos próprios destinos.

Quando a Casa 1 foi fundada, no dia 25 de janeiro de 2007, um centro de acolhida para jovens LGBTs expulsos de casa por sua orientação sexual e identidade de gênero, também foi um movimento de dar oportunidade para aqueles que eram invisíveis e mostrar que eles podem construir seus próprios destinos.

Estou há dois anos na Casa 1 como psicóloga, primeira psicóloga negra. Eu acompanhei diversos casos, eu ouvi diversos áudios, eu vi várias fotos. Recebemos mais de sete pedidos de ajuda por dia e eu acompanho esses pedidos. Realizamos mais de 50 triagens para moradia. Podemos, sabem quantos, acolher? Vinte jovens a cada quatro meses.

Este mês é o mês de orgulho LGBT, quando podemos ser visíveis para as grandes marcas. Mas e depois? A nossa maior dificuldade é ajudar esses jovens a ocupar, mas não apenas ocupar, se sentirem pertencentes, através do mercado de trabalho e através da sociedade.

A Casa 1 foi a primeira casa de acolhimento. Eu fui a primeira psicóloga negra. Eu sei que têm vários aqui que são os primeiros, mas a gente não quer ser mais os primeiros, a gente quer mais do que isso. Não é porque seja direito nosso, é porque a gente quer viver e não apenas resistir.

Sabe como eu termino o diálogo quando alguém que está lá no Nordeste pede a minha ajuda porque foi espancado e expulso de casa? Eu dou encaminhamento e falo: “Você não está sozinho, nós estamos aqui.” Hoje eu luto pelos meus.

Obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra Higor Pinheiro, do Vote LGBT. 

 

O SR. HIGOR PINHEIRO - Boa noite. Eu demorei muito para me reconhecer como gay e eu demorei mais um pouco ainda até para me reconhecer como negro. Dia 28 de junho agora, dia do orgulho, vai fazer um ano que eu descobri que sou soropositivo. 

De um ano para cá eu entrei para o Vote LGBT e não tenho nem como dizer como é importante ficar do lado de gente que nem eu e de fazer parte. Mesmo assim ainda é um pouco difícil. Eu fico pensando como é difícil para quem não tem isso que a gente está tendo agora e como seria difícil para mim se eu não estivesse fazendo parte disso. Eu sou da zona norte do Rio, de uma família que, com o tempo, se tornou religiosa de um jeito não bom. Enfim, eu fico pensando em como é importante a gente estar aqui.

O Vote LGBT busca representatividade para a gente na política. É muito fácil olhar para esta Mesa e olhar ao redor e ver como é histórico o que a gente está fazendo. É muito bom poder fazer parte disso e saber que a gente está fazendo junto. Isso me faz muito feliz. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra Verônica Alves, da Casa de Oração do Povo da Rua. (Palmas.)

 

A SRA. VERÔNICA ALVES - Boa noite a todos e a todas. Eu me chamo Verônica Alves. Eu sou da Casa de Oração do Povo da Rua. É uma instituição religiosa que nos acolhe em situação de vulnerabilidade social, porque, muitas vezes, quando somos LGBTQIA+, nós somos expulsas de casa e, muitas vezes, nós somos expulsas de casa porque nós somos diferentes, porque trazemos sentimentos, trazemos emoções diferentes. 

Quando estamos saindo de casa, nós já temos um grande problema, que é estar só. Quando nós estamos sós, com nosso sentimento e estamos sem ninguém à nossa volta para nos ajudar, a gente acha que tudo acabou, mas não.

Eu acho que quando a gente está aqui, quando a gente vê V. Exa., deputada Erica Malunguinho, Leci Brandão e Erika Hilton, que são mulheres negras, nós vemos que podemos chegar onde nós queremos. 

É muito difícil para uma pessoa trans, negra, ainda viver numa situação vulnerável, numa sociedade hoje em dia machista, sexista e preconceituosa. É tão difícil para essa pessoa, ainda mais sendo trans, estar no centro de acolhida, onde há poucas vagas para mulheres e, principalmente, mais ainda, poucas vagas para mulheres trans. Isso numa desigualdade muito grande.

E a questão da dificuldade para ter uma questão trabalhista, porque nós sabemos que somos expulsas das escolas muito cedo, acabamos não tendo a escolaridade completa. Em muitos casos, isso dificulta para arranjar emprego. Isso dificulta também para a gente lutar de uma forma de igual para igual.

Em muitos casos nos falta oportunidade. A sociedade nos caracteriza. Para sermos trans, a gente tem que ficar em uma avenida. Se não ficar numa avenida, tem que ser cabeleireira, manicure, qualquer coisa. Olhando para as deputadas aqui presentes, eu vejo que a gente pode chegar onde nós quisermos, porque o nossos sonhos nunca morrem.

Aliás, eu acho que a gente não deveria nem estar aqui para lutar pelo nosso direito, porque é tão ilógico isso. A gente deveria estar lutando pelos direitos humanos, não direitos LGBTs ou direitos dos negros ou das mulheres. Nós deveríamos estar lutando pelos direitos iguais, pelo direito do ser humano, pelo direito à vida.

Obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Agora, para as considerações finais, as nossas parlamentares. Convido, então, a deputada Leci Brandão para suas considerações finais.

 

A SRA. LECI BRANDÃO - PCdoB - Noite gloriosa, noite histórica. Ouso dizer que eu tenho comparecido aqui em muitos eventos, enfim, afinal de contas a gente está aqui desde 2010 - 2010 não, 2011; 2010 foi a campanha. Mas eu acho que nunca, ouso dizer que nunca nesta Casa a gente ouviu tantas histórias de vida lindas; algumas tristes, mas, sobretudo, verdadeiras. Tudo o que aconteceu aqui, tudo o que foi dito, tudo que nos emocionou, que nos fez refletir.

Inclusive, eu tenho que fazer uma coisa chamada gratidão, porque gratidão sempre fez parte da minha vida. Gratidão por não ter medo de, desde os anos 70, compor para esse segmento que está aí, não ter medo de ter sido perseguida dentro de uma escola de samba pelo fato de ter feito reportagem para um jornal que era um jornal que ninguém suportava, que era o “Lampião”, não ter medo de ter enfrentado comentários, críticas.

Eu continuo olhando de frente para minha mãe. Enquanto eu conseguir olhar para minha mãe de frente, e ela tem 96 anos, nada vai me fazer ter timidez, constrangimento, absolutamente, até porque existe uma coisa que acompanha nossa vida, que é o respeito. Eu sempre respeitei todas as pessoas. Talvez por isso eu nunca tenha sido desrespeitada em nenhuma situação, porque todas as coisas que foram feitas foram feitas pela minha emoção, pela minha sensibilidade.

Quando eu vejo a qualidade, vejo a nobreza de vocês, cada um que veio aqui, dentro do seu jeito, dentro da sua observação, dentro da sua intelectualidade... Foram discursos diferentes, cada um mostrou a sua verdade, o seu sentimento, mas, principalmente, a sua dignidade.

Volto a dizer, Erica: esta Casa hoje passa a ter, na sua história, o dia dez de junho de 2019, como o dia em que as pessoas se desnudaram, as pessoas. Essas pessoas sempre se despiram, em todos os lugares, mas nunca dentro de uma Assembleia Legislativa como esta. Afinal de contas, esta aqui é a maior da América do Sul. 

Então, prestem atenção vocês que sempre criticaram, vocês que têm preconceito, vocês que falam da gente pelas costas, vocês que não têm coragem de dizer o que pensam, porque se você perguntar na sociedade brasileira, “não, eu não tenho preconceito, absolutamente”, mas a gente sabe que existe racismo, homofobia. 

Como são bonitos, como dão exemplo para a sociedade brasileira os depoimentos que foram citados aqui. Quanta gente que começou de um jeito, se transformou, cresceu, se fortaleceu e está dando uma aula para o estado de São Paulo também, porque o estado de São Paulo precisava, todo ele, ouvir o que foi dito aqui. Eu acho que muita gente vai mudar o comportamento dentro desta Casa a partir desta noite e isso sem o menor problema.

Eu digo para você, Erica Malunguinho, graças a Deus e graças aos orixás, você foi eleita para mudar a história desta Casa. Deus te abençoe. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Com a palavra a codeputada Erika Hilton. (Palmas.)

 

A SRA. ERIKA HILTON - Como bem disse a Leci, noite gloriosíssima, eu diria. O que se passou aqui nesta noite foi a elaboração da dor, a organização do ódio, a resistência histórica, simbolizada em cada vida que passou por aqui. Nós ouvimos relatos de que flores brotaram do lixo, nós ouvimos relatos de que pessoas sobreviveram para estar aqui hoje.

Todos nós sabemos, eu ali ouvindo as histórias e as narrativas, e o quanto dessas histórias não esbarram na minha própria história, não esbarram na minha própria vida, porque existe um projeto político em curso no Brasil, há muitos anos, que tende a destinar algumas vidas a lugares específicos, que tende a sentenciar algumas histórias. Com a força da sociedade civil, do Estado, da igreja, esses valores vão se moldando e essas vidas vão sendo condenadas a esses lugares que, ao longo das histórias, vão se naturalizando, vão parecendo que, de fato, aquele era o devido lugar dessas vidas.

Quanto tempo se levou para que nós conseguíssemos elaborar as nossas dores, organizar o nosso ódio, fazer, de fato, a nossa resistência para que não fôssemos “aniquiladxs” da sociedade, esmagados. Quantos mares enfrentamos para que hoje pudéssemos estar aqui celebrando o fato desta frente parlamentar e tantos outros fatos históricos que não se iniciam nesta noite, que já são construídos há muito tempo, como diria Jurema. Nossos passos vêm de longe. 

Esta noite mostra o quão forte, o quanto a violência, o ódio nos fortaleceu, nos uniu, nos fortificou para que conseguíssemos elaborar e chegássemos aqui, disséssemos e decretássemos que não morreríamos mais no silêncio, no anonimato, que ocuparíamos as Casas de Leis, as academias, as esquinas, sim, mas de uma forma mais empoderada, buscando a dignidade da prostituição nas esquinas, já que 90% das nossas se prostituem, que sentaríamos nessa cadeira que, como a Leci disse, quando tentou fazer aqui qualquer coisa houve rumores dizendo que esta comunidade chegaria e como seria. Hoje eu acho que é uma resposta para aquela data, Leci.

Quando se abrem as portas desta Casa para esta comunidade, que foi impregnada de signos e estereótipos, a gente percebe que quando há celebrações deste povo, passam por aqui mestres, doutores, parlamentares, artistas, vidas. Vidas que constroem o saber e a sociedade civil, vidas que são constantemente castigadas pela ignorância, pela falta de políticas públicas, por uma ideia de família, de conservadorismo, que coloca essas vidas na mais precária miséria. 

Esta noite nós temos um marco que conseguimos, que é o marco inicial de uma trajetória que não começou aqui e que nem termina aqui, mas que vai muito longe, que é a ruptura do silenciamento, que é a ruptura da miséria, que é a ruptura do anonimato e que é o questionamento de onde estamos e como estamos onde estamos. Acho que agora ficou marcado e demarcado que chegou a vez de ouvir aqueles e aquelas que, historicamente, foram apagados, mortos, silenciados e que resistiram arduamente, com todas as forças, e às vezes até sem força, para que hoje nós pudéssemos nos reencontrar e nos reunir aqui nesta noite.

Meu muito obrigado. Que possamos juntos seguir em luta, seguir em marcha pela vida, pelo bem viver e pela dignidade humana dos segmentos mais vulneráveis da sociedade brasileira. Muito obrigada. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Agradecemos a sua palavra, codeputada Erika Hilton.

Desculpamo-nos. Vamos não quebrar o protocolo, mas complementar o protocolo com uma fala extremamente importante do nosso querido Paulo Araújo, da ABGLT. Por favor, venha fazer o uso da tribuna. (Palmas.)

 

O SR. PAULO ARAÚJO - Boa noite a todos e a todas. Eu acho que se esqueceram de mim. Obrigado.

Queria saudar aqui, primeiro, a deputada Leci, Erica e Erika. Se eu errar, gaguejar, me perdoem, entre outras palavras, porque este espaço nunca foi me dado, de fala, de estar aqui neste lugar.

Meu nome é Paulo, Paulo Araújo, coordenador da Casa Neon Cunha, essa que está aqui presente, essa que a gente não esperou... (Palmas.) Essa que a gente não esperou ser morta e executada para homenageá-la. Está aqui viva para poder contar história e caminhar com a gente, no “Corre Junto”.

Queria lembrar  também de Dandara dos Santos, de Marsha P. Johnson, que também fizeram história e foram invisibilizadas.

Eu, filho de mulher da vida - para que todos entendam, prostituta - e o pai nunca nem vi, vim aqui hoje, desci da minha favela, da minha quebrada, das minhas faxinas, faxinas essas com que consegui ingressar na universidade e manter na universidade e me formar, para todos vocês que esse lugar, por muito tempo, não foi um lugar de conforto, certo, mas vai ser, porque vai ser ocupado todos os dias por vocês, por nós.

Quero dizer também que, em nome da ABGLT, da presidente Symmy Larrat, (Ininteligível.) amiga sua, que a ABGLT apoia essa frente parlamentar, que demorou muitos anos para que a gente pudesse estar aqui no poder. Como você tanto fala, é uma reintegração de posse.

Esse povo negro, que muitas vezes foi morto na favela. Da favela que hoje também desci para falar para vocês que nunca mais seremos invisibilizados, nunca mais vão nos silenciar, nunca mais vão nos calar. Essas pessoas que fizeram, por muito tempo, essas pessoas brancas, a “branquitudeque muitas vezes falou que eu tinha que olhar para baixo quando falasse para ela, hoje vai ter que me tratar como igual, porque esse lugar é meu, é seu, é nosso.

Meu muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Com a palavra a deputada estadual Erica Malunguinho. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Está dito e redito: nós existimos. Ponto. Que bom que isso aconteceu. Vejo que este dia determinará muitas coisas nesta Casa, Leci, nós sabemos disso.

Vejo também que nós temos um desafio enorme pela frente. O desafio é que, para além das críticas e da oposição reativa que nós temos que fazer ao sistema, nós temos que ser reativas, mas para além disso nós temos o desafio de criar proposição, nos firmarmos numa oposição propositiva.

Queremos saber nessa frente parlamentar qual é o plano de Segurança Pública, por exemplo, da população LGBT, qual é o plano da população LGBT em relação às pautas da Educação, da Saúde, da Habitação. Essa frente será este celeiro para que nós, repito, para além da reação que precisamos mover constantemente, nós possamos propor.

Para essa proposição acontecer nós temos como documentos nossas vidas pessoais, essas histórias de lutas todas e nós temos este momento aqui como documentos que vão servir para pautar os outros “deputadxs” que habitam esta Casa e que, por um processo histórico e compulsório, se alienaram de nossas presenças, mas que essa história sendo reescrita, e como diria Lélia Gonzalez, em primeira pessoa, poderá ser apresentada a eles, o que nós queremos.

Mais ainda, nós queremos a resposta sobre isso. A Assembleia Legislativa de São Paulo tem uma missão frente a uma contemporaneidade apática e violenta; a Assembleia Legislativa de São Paulo tem a missão de dar uma resposta à sociedade, de ser exemplo para a Câmara Federal e para as outras Assembleias Legislativas do País, porque, sim, efetivamente, nós temos um presidente que foi eleito e que disse outrora que prefere um filho morto a gay, um presidente eleito que disse, sim, que aqui não será lugar de turismo para gays, mas sim de mulheres cis que podem estar à disposição de quem quiser.

Nós precisamos dar uma resposta no âmbito estadual, no âmbito federal. Existe uma resposta que precisa ser dada, e essa resposta está, obviamente, na contramão de toda essa compulsoriedade patriarcal, racista, machista e “LGBTfóbica” que está fomentada na Câmara Federal.

Essa é a resposta da Assembleia Legislativa de São Paulo. É uma cobrança ao governador do estado de São Paulo, é uma cobrança ao prefeito do município de São Paulo, é uma cobrança para os “deputadxs” daqui.

Nós estamos aqui para somar, para construir, nos ouçam. Nós temos tudo escrito, pensado, elaborado. Não dá para tratorar a favela mais, não dá para tratorar o nosso povo mais, não dá para tratorar as gays, viadas, sapatões, travestis e todos esses corpos. Nós estamos aqui para somar, mas, para isso acontecer, nós precisamos ser ouvidas e precisamos mais ainda da corresponsabilidade de cada um que se senta neste Parlamento todos os dias.

Como eu já tenho dito muitas vezes sobre estrutura e institucionalidade, muita gente diz que não é racista ou que não é LGBTfóbica, porque pensa que racismo é chamar a pessoa de macaca ou de cabelo duro, pensa que LGBTfobia é apenas falar que o outro é viado ou sapatão. Nós estamos falando de estrutura, institucionalidade. Toda vez que há um espaço, um território onde as pessoas negras não estão participando de forma orgânica, no lugar de sociabilidade orgânica, que as pessoas LGBTs não estejam em lugar de sociabilidade orgânica, esses lugares são lugares racistas e LGBTfóbicos. As pessoas que não fazem nada sobre isso também são. Isso é estrutura, institucionalidade.

A cobrança se dará neste nível. Acho que essa frente está a serviço para motivar, mobilizar e dizer o que já está anunciado há tempos: nós existimos e não olharemos mais para essa história nem para ninguém por baixo dos olhos. É no horizonte que nos tratamos. Como diz a nossa mestra Sueli Carneiro, é sobre humanidade essa luta. Nossa humanidade é inegociável, sem trégua, para sempre, para frente, agora. E “é nós”. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Estamos encaminhando para o nosso encerramento. Teremos agora duas intervenções artísticas. Começo com Transarau. (Palmas.)

 

* * *

 

- É feita a apresentação artística.

 

* * *

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Agora, primeiro avisar a vocês que, na medida do possível, a gente cuida para que ninguém chegue com fome às suas casas, então nós temos um lanchinho aqui perto da Sala dos Espelhos. A nossa assessoria irá encaminhá-los daqui a pouco, porque ainda não acabou.

Antes de chamar a nossa última intervenção artística, eu gostaria de agradecer à “mandata” quilombo e à deputada Erica Malunguinho por estar neste lugar, de mestre de cerimônias, como homem negro, bissexual, de uma bissexualidade tardia, pós 30 anos de uma heterossexualidade compulsória, como diria a Carla Akotirene, que me atravessou durante tanto tempo. Então estar neste lugar é um lugar de superação.

Eu agradeço por essa oportunidade. É uma oportunidade, como homem de axé, de compartilhar o verbo, e um verbo de resistência, mesmo sabendo do privilégio da minha condição cisgênero que me atravessa. Muito obrigado.

Convido Travas da Sul para fazer a última intervenção artística. (Palmas.)

 

* * *

 

- É feita a apresentação artística.

 

* * *

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - FELIPE BRITO - Um comunicado da Erika Hilton.

 

A SRA. ERIKA HILTON - A gente aprendendo a usar os botões ali. Ainda não consegui comunicar de lá.

Mas, só antes do encerramento, lembrando que no dia 27 deste mês, aqui também neste auditório, acontecerá a audiência pública sobre os avanços e retrocessos das políticas em São Paulo para a população LGBT. Eu não sei o horário, mas está disponível nas páginas da Bancada Ativista. Dia 27 deste mês audiência pública para tratar dos avanços e retrocessos da comunidade LGBT.

Muito obrigada, Erica. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Esgotado o objeto da presente sessão, a Presidência agradece às autoridades... Agora pare. Vamos aguardar. Tem mais uma apresentação das Travas da Sul.

 

* * *

 

- É feita a apresentação artística.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - ERICA MALUNGUINHO - PSOL - Esgotado o objeto da presente sessão, a Presidência agradece às autoridades, à minha equipe, à “mandata” quilombo, aos funcionários dos serviços de Som, da Taquigrafia, de Atas, do Cerimonial, da Secretaria Geral Parlamentar, da Imprensa da Casa, da TV Alesp e das assessorias da Polícia Militar e Civil, bem como a todos que, com suas presenças, colaboraram  para o pleno êxito desta sessão.

Está encerrada a sessão.

 

* * *

 

- Encerra-se a sessão às 21 horas e 58 minutos.

 

* * *