"O Rio Tietê deu a São Paulo tudo que podia. Agora, a gente espera que São Paulo dê a ele também o reconhecimento que merece". Essa fala simboliza o sentimento de um dos pioneiros na luta pela defesa do Rio, o capitão da marinha mercante Hélio Palmesan.
Palmesan, que diz ter nascido dentro do Rio, cultiva até hoje uma relação com o corpo d'água que os habitantes da Capital paulista raramente possuem. "Nós temos muitas praias de rio, esportes náuticos, o rio é usado para abastecimento humano, temos a irrigação das lavouras. Isso é o uso múltiplo das águas do Tietê", conta Hélio Palmesan, que vive há mais de 40 anos do turismo fluvial que também é proporcionado pelo Rio no interior paulista.
No entanto, a realidade do Rio Tietê em outras regiões do estado, em especial na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), é bem diferente. E os desafios impostos pela mancha de poluição do rio também fazem parte do debate na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
A mais recente ação foi a desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A ampliação do tratamento de esgoto e a redução de despejo de poluentes é apontado como ponto central na recuperação do Rio Tietê.
O processo promete antecipar em até quatro anos o prazo para a universalização do saneamento básico no estado, que deveria ser alcançada até 2033, segundo o Marco Legal do Saneamento. Isso significa evitar que o esgoto de 10 milhões de pessoas chegue ao meio ambiente sem o devido tratamento.
O Tietê
Desde 1992, o dia 22 de setembro é tido como o Dia do Rio Tietê no estado de São Paulo. A semana que sucede a data também recebeu o reconhecimento da Alesp e é oficialmente, desde 2002, a Semana Estadual de Preservação do Rio. De maneira simbólica, o ex-deputado Antonio Salim Curiati escolheu a data de início da primavera como o dia do Rio.
A criação de datas comemorativas não é à toa. O Rio Tietê é o maior rio do estado, cruza São Paulo de leste a oeste e é de fundamental importância para inúmeras comunidades paulistas.
Sinônimo de vida
No município de Barra Bonita, localizado na Região Central do estado, às margens do Rio Tietê, o corpo dágua ainda é um importante trecho da Hidrovia do Paraná-Tietê, uma das principais do país. "Ela liga Goiás, Mato Grosso, grandes produtores de grãos e é tudo escoado pela nossa hidrovia. O estado de São Paulo ficou interligado a importantes estados do centro-oeste e virou o principal corredor para escoamento dos produtos agrícolas", explica Hélio Palmesan.
Mas a navegação pelo Tietê nem sempre foi exclusividade do interior paulista. Apesar de parecer inimaginável andar de barco na Grande São Paulo, o trecho, há cerca de 80 anos, ainda contava com portos e era importante via para escoamento da produção agrícola.
"Até 1940, tinha barco de madeira circulando, trazendo tomate e caqui de Mogi das Cruzes até a região da atual Ponte das Bandeiras. Ali era um porto para embarcações que transportavam areia, tijolo, telha e produtos agrícolas", conta o arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Alexandre Delijaicov.
O sonho de ver o Tietê completamente limpo atravessa gerações de paulistas. Há mais de uma década, o professor Alexandre Delijaicov coordena um grupo de pesquisa na FAU que estuda um projeto de hidroanel para que o Tietê volte a ser usado como meio de locomoção na RMSP.
O projeto se baseia em uma rede de vias navegáveis que passa pelos rios Tietê e Pinheiros e pelas represas Billings e Taiaçupeba. Além de servir como meio de locomoção humana, reduzindo o tempo de viagem dos paulistanos na ida e volta ao trabalho, a ideia é que os mais de 170 quilômetros de hidrovias também tenham a função de carregar resíduos sólidos urbanos até estações de tratamento estrategicamente posicionadas.
Já o educador socioambiental Cesar Pegoraro aposta em outra iniciativa para dar um novo uso e um novo olhar para o Rio: o Parque Linear do Tietê. "O Parque no Rio Pinheiros causou uma aproximação e isso provocou nas pessoas o desejo de ter o rio de volta. Aumentou o número de ciclistas, é muito comum ver famílias passeando, fazendo piquenique. É muito interessante que as pessoas estejam vivendo o rio e gostando disso, estamos recriando uma cultura fluvial dentro de São Paulo", comenta Pegoraro, que é membro da SOS Mata Atlântica, ONG que realiza, anualmente, um levantamento sobre a qualidade do Tietê.
Ações
Os desafios impostos pelo Tietê demandam uma atenção em tempo integral dos agentes do setor público e da sociedade civil. Ações de desassoreamento, coordenadas pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão responsável pelos recursos hídricos em São Paulo, são essenciais para controlar cheias, evitando enchentes em regiões próximas às margens, e para melhorar o fluxo do rio, o que ajuda no seu processo de despoluição.
Desde a década de 1980, a Alesp é aliada no processo de recuperação do Tietê. Na construção da Constituição do Estado de 1989, a Alesp proibiu o lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais, sem tratamento, em qualquer corpo de água. Além disso, reconheceu o Vale do Rio Tietê como área especialmente protegida.
Apesar dos esforços e recursos colocados na recuperação do Tietê, é necessário reconhecer que o processo não é simples ou rápido. "A gente fala que o Tietê é o ralo de São Paulo. O que foi feito no Rio Pinheiros, por exemplo, foi um processo longo e que ainda está em andamento. A gente tem esperança de que o Tietê vai recuperar a qualidade de vida, nós corremos com todos os projetos e todas as ações que podemos e estão ao nosso alcance, mas é um processo mais longo e moroso", enfatiza o superintendente do DAEE, Anderson Esteves.
Outros fatores externos ao Poder Público, como as mudanças climáticas, também interferem no resultado da limpeza do Rio. "A gente está vivendo um período atípico. Tivemos um ano extremamente seco e quente, bem acima da média. Essa combinação é muito ruim para um rio que está poluído, porque diminui o volume de água para diluir essa poluição e as temperaturas mais altas fazem com que tenha menos oxigênio dissolvido", explica Cesar Pegoraro.
"A educação ambiental também é importante. Não adianta a gente fazer a nossa parte, fazer o canal, limpar tudo e, três dias depois, encontrarmos televisão, carcaça de carro, geladeira, tudo jogado no canal do Tietê", complementa Esteves.